A Lei das Máscaras

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Era uma noite escura e no palácio de Caltês ocorria uma de suas famosas recepções, onde todos os convidados e serviçais se utilizavam de máscaras.

O motivo era o regresso do príncipe Mariano, cuja última aventura se deu na Europa, em busca de um estudo preparatório para governar o principado, na pacata ilha de Moon.

Tudo corria normalmente quando um soldado do reino invadiu os portões de forma desvairada e deselegante, algo incomum nas regras rígidas da monarquia presente.

Imediatamente foi trazido à presença do rei Carlos que o interrogou.

— Chegaram duas embarcações dos maguares e eles vem armados e preparados para um confronto.

Maguar era uma ilha próxima, onde um reino pacífico existia e que fazia comércio com os calteses por séculos.

O rei deu as instruções para defesa da cidade e dos aldeões e voltou a sua atenção para os presentes na festa.

— Quem pode me explicar por que nossos vizinhos invadem a nossa privacidade sem serem convidados e preparados para uma guerra? — perguntou ele de forma enérgica.

De forma cautelosa seu filho mais jovem, o príncipe Igor, se aproximou e se ajoelhou na sua frente.

Ele usava a máscara de um javali e não a levantou, para que seu pai não o olhasse diretamente no rosto.

— Meu rei, creio ser eu a causa...

O monarca pediu para que todos se retirassem, exceto seus conselheiros e os demais integrantes da família real.

— Agora pode me contar tudo meu filho.

O príncipe Igor era um jovem de 18 anos e possuía o fogo da idade, constantemente procurando pelas mais diversas mulheres do reino, mas desta vez ele cruzou os mares em busca de problemas e os trouxe para sua ilha, ao se relacionar com a filha do rei Thior de Maguar, uma bela jovem morena de 16 anos.

O soberano ouviu tudo calado e pediu para que todos permanecessem com suas máscaras, quando outro soldado anunciou a presença do rei de Maguar e que ele queria uma audiência imediatamente.

— Minha família, fiquem ao meu lado e o que eu disser será lei.

Os portões foram abertos após o posicionamento estratégico dos guardas, armados com lanças e arcos.

Por ele passaram o rei Thior que arrastava sua filha presa ao pescoço por uma corrente, escoltado por vários soldados cujas armas foram deixadas para fora do palácio.

— O que o traz a minha presença, nobre Thior? — questionou o rei Carlos de forma calma, atrás de sua máscara de leão.

— Agora é assim que sou recebido aqui, por pessoas mascaradas? Por que têm medo de mostrar seus rostos? — caçoou ele sem se dirigir a alguém em especial.

— Rei Thior, o senhor invadiu uma festa de boas-vindas do príncipe Mariano...

— Que deve ser outro herege, tal seu filho mais novo... — interrompeu o visitante visivelmente irado.

— O seu filho desrespeitou minha filha, cuja honra agora deixou o seu corpo e para mim ela desceu para a mesma classe das minhas escravas e desta forma será tratada a partir de agora. E eu vim aqui atrás de justiça...

— E o que chama de justiça nobre monarca?

— Isso é muito simples: vim para levar seu filho como escravo também, pelo desrespeito às nossas leis...

Um silêncio terrível se abateu sobre a família real de Caltês, mas ninguém mexeu um músculo sequer ou ofegou de forma mais forte.

— Suas leis não se aplicam aqui dentro do meu reino — disse o rei Carlos.

— Eu sei rei mascarado... Mas se aplicam por lá...

— E o que pretende fazer? — desafiou o monarca de Caltês.

— Vou arrastar o seu filho para lá e fazer cumprir a lei...

Os soldados apontaram seus arcos na direção do rei Thior e ficaram aguardando instruções.

— Mas não será hoje — completou o visitante — Eu não tenho pressa... Quando menos esperarem eu o levarei para o meu reino...

— Como o senhor disse, não será hoje. Por favor, retire seus soldados do meu reino, não temos mais nada para falar...

Da mesma forma que entrou o rei Thior saiu puxando a filha pela corrente.

Os soldados calteses escoltaram os visitantes para seus barcos, enquanto no palácio o rei firmou um decreto.

— A partir desta data nenhum membro real será mais visto em público sem uma máscara, para que nossa identidade seja preservada. O mesmo vale para todos que pisarem neste palácio, sejam eles serviçais, soldados, visitantes, sem exceção.

— Quero que essa lei seja redigida agora mesmo e a partir deste momento seja cumprida.

A festa foi retomada de onde parou, durando até a manhã seguinte, como era costume ali.

Os anos passaram, que depois viraram séculos, muita coisa mudou no reino, a eletricidade transformou a cidade que cercava o palácio, mas um dos fatos que permaneceu inalterado foi a Lei das Máscaras.

O reino de Maguar ainda existia, por diversas vezes tentaram raptar um membro real enquanto os anos se sucederam, mas nunca com sucesso, sempre levando alguém de fora da realeza consigo.

O ódio deste povo também permaneceu inalterado, mas foi contido, três séculos depois, por um ódio maior ainda, por um ódio voltado não somente para os maguares, mas para toda a raça humana...

849 palavras

Sob a MáscaraOnde histórias criam vida. Descubra agora