O Sucessor

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O príncipe foi educado como uma criança normal, com exceção de alguns detalhes que prejudicaram a sua formação.

A máscara que tinha que usar desde que nasceu acabou se tornando a sua verdadeira face, pois era ela que via a todos os momentos, refletida nos espelhos do palácio.

Emílio gostava de uma em particular, que exibia um gato preto, e os anos de experiência da família ensinaram que era melhor que a criança se adaptasse a somente uma máscara, com isso evitando possíveis distúrbios de personalidade.

Infelizmente, no caso dele, essa sequela do costume antigo não pode ser evitada e como um tipo de gato ele começou a agir desde bem jovem.

Exigia sempre um felino novo a cada seis meses para a sua "coleção" e juntos saiam caçar ratos pelos pelos porões do palácio.

Conforme foi crescendo seus pais descobriram que ele chegava a se alimentar destes ratos e tiveram que tomar uma atitude drástica para evitar que o príncipe contraísse algum tipo de doença: exigiam que os soldados caçassem os ratos antes de Emílio e no lugar destes colocassem outros comprados de um laboratório, que eram nascidos e criados de forma saudável em cativeiro.

Assim o menino cresceu e se tornou um homem, cercado de gatos por todos os lados.

Com o passar dos anos o príncipe deixou de caçar os ratos e decidiu ir atrás de presas maiores.

Na ilha existia uma floresta preservada e era lá que ele agora praticava o seu hobby e foi também nesta floresta, junto com sua escolta e dois amigos nobres, que caçou pela primeira vez a melhor de todas as presas, que eram inteligentes, lutavam heroicamente por suas vidas e podiam lhe matar com a mesma facilidade, pois eram treinados para isso.

Essas suas primeiras presas foram assassinos contratados para matá-lo, vindos diretamente do reino vizinho.

Estavam andando pela mata, armados de arco e flecha, espadas e armas de fogo, preparados para enfrentar qualquer tipo de presa.

Foram emboscados pelo grupo de assassinos ao lado de uma clareira e rapidamente um soldado da escolta e um dos amigos do príncipe foram atingidos por balas de revólveres.

Emílio nunca se sentiu tão vivo e com tamanha adrenalina.

Fez um sinal para que os outros três que estavam com ele saíssem por uma lateral e ao encontrarem o primeiro dos assassinos, o príncipe cortou sua garganta, sujando parte de seu traje de vermelho.

Ao ouvir os gritos de alegria emitido por Emílio, que se assemelhavam aos sons de um leopardo raivoso, os outros assassinos fugiram em disparada, mas logo foram perseguidos e mortos.

Somente então o grupo do príncipe retornou aos feridos e os levaram para o palácio. O soldado atingido morreu, mas seu amigo acabou escapando com apenas um arranhão.

Depois deste dia Emílio passou a soltar na mata assassinos perigosos presos e que aguardavam a execução, para sua nova diversão, tudo acobertado pelos seus pais, os monarcas de Caltês.

Quando acabaram os assassinos, o príncipe começou a pedir que outros prisioneiros de crimes graves entrassem no seu jogo de gato e rato. Acabou conseguindo levar alguns, mas logo foi proibido de fazer isso, com ordens vindas diretamente do rei.

Imediatamente pediu uma audiência particular.

— Como está a sua saúde hoje meu pai? — começou ele, usando a melhor de suas máscaras felinas.

— Muito boa meu filho, que bom que pergunta. E o que seu pai pode fazer por você?

Emílio coçou o bigode falso da máscara, rodou um pouco em silêncio na sala do trono, como se fosse um animal acuado e depois encarou o monarca.

— Por que o senhor me proibiu de levar outros prisioneiros para a caça? — disse o príncipe indo direto ao ponto.

— É simples Emílio! Não posso permitir que você mate pessoas que não cometeram crimes tão graves e que não estão condenados à morte, entre outros que ainda aguardam um julgamento justo...

— Mas...

— Sim meu filho...

— Mas o senhor poderia se assim quisesse, não é mesmo?

O rei não entendeu aonde aquela conversa levaria, mas decidiu seguir adiante.

— É claro Emílio, se houvesse um motivo muito importante para isso, sim, como rei eu poderia condenar esses prisioneiros a morrer nos seus jogos de caça.

— E um bom motivo não seria deixar o seu único filho, futuro herdeiro do trono de Caltês, feliz?

— A sua felicidade é minha prioridade meu filho, mas não através da injustiça...

O príncipe deu um salto na direção do rei e sorriu.

— Eu estou brincando meu pai! — E soltou uma gargalhada que o rei não achou nem um pouco engraçada.

— Eu sei que está meu filho, eu sei...

Assim que o príncipe Emílio saiu, o rei mandou chamar sua esposa e lhe contou sobre o ocorrido. A rainha, apaixonada pelo filho que era, achou ser uma preocupação tola a do marido e pediu que ele tivesse mais paciência com as excentricidades do príncipe.

— Emílio é só um menino grande! — disse a rainha tentando convencê-lo.

Grande e perigoso... — pensou o rei.

🐾🐾🐾🐾🐾

Naquela mesma noite, quando o monarca ainda refletia sobre a conversa que tivera com o filho, já deitado com a rainha, percebeu que a porta do quarto foi aberta bruscamente e por ela entraram vários homens com máscaras de gato e ele soube que algo ruim estava para acontecer.

Na manhã seguinte, logo cedo, a notícia de um ataque ao quarto dos soberanos se espalhou rapidamente pelos quatro cantos da ilha.

Foi encontrado junto ao corpo das vítimas duas insígnias do reino de Maguar e uma carta curta, que foi afixada na entrada do castelo.

Nela estava escrito que a vingança contra a honra da filha do antigo rei Thior finalmente havia sido cumprida.

Esta carta e o fato do assassinato cruel dos soberanos calteses enfureceu o povo, que se reuniu nas portas do palácio, pedindo providências imediatas.

Uma comissão real foi formada por nobres e estes acalmaram a população, informando que brevemente o príncipe Emílio Caltês seria nomeado o sucessor do trono, com a novidade de que ele já havia encontrado uma esposa entre suas diversas pretendentes.

Isso trouxe um pouco de paz aos ânimos exaltados e uma semana depois a cerimônia aconteceu.

Assim que assumiu o poder, o agora rei Emílio nomeou alguns amigos como conselheiros e discursou para o povo pela primeira vez em uma das sacadas no palácio.

Na ocasião trazia uma máscara felina dourada no rosto, assim como faziam todos os nobres que por ali se encontravam.

— Povo Caltês, hoje deveria ser um dia de festa, mas não é!

A multidão urrou em resposta.

— Eu prometi muitas coisas no juramento real, mas existe uma promessa que eu não fiz ainda e a reservei para este momento.

— Não abolirei a Lei das Máscaras, vou manter o costume antigo como uma forma de honrar a memória de meus pais.

Outro urro se ouviu em resposta.

— E eu lhes prometo que após meu casamento com a marquesa, minha noiva, eu pessoalmente caçarei os assassinos que trouxeram tanta dor para o nosso reino. Caçarei os culpados e todos aqueles que estiverem envolvidos, mesmo que para isso eu tenha que destruir a ilha de Maguar e afundá-la no oceano.

Essa demonstração de força alegrou o povo, que festejou por inúmeras horas o novo e poderoso monarca.

Mal sabiam eles que quando não houvessem mais inimigos para caçar, o sucessor escolheria entre eles suas próximas vítimas, sem pensar duas vezes, assim como decidiu acabar com a vida dos seus próprios pais.

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Sob a MáscaraOnde histórias criam vida. Descubra agora