As fases da chuva

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Ao virar-me, deparei com Yuri. Ele estava escorado na porta. Eu queria ter ido embora. Eu não queria ficar para ajudar Emily a dar um jeito de conquistar Dylan. E também eu não trouxe a minha guitarra. Então o que iria fazer aqui?

— Vamos Charlie, entre.

— Yuri, eu, eu não trouxe minha guitarra.

— Eu tenho uma aqui, você pode tocá-la.

— Mas...

— Charlie! Que bom que você está aqui! — uma voz atravessou a sala.

— O que foi Kathy? — Eu disse quando ela se aproximou aflita.

— É Emily. Eu estou preocupada com ela. Ela tentou se matar mais uma vez.

— Ela me expulsou de lá de cima a gritos, mas saí a tempo de impedi-la de cortar o pescoço — disse Yuri.

— Eu tentei conversar com ela, mas ela está agindo de forma agressiva comigo — começou Kathy. — Talvez você, Charlie, talvez você consiga conversar com ela.

— Eu não sei gente. Se até com vocês ela está assim, agora imagina comigo.

— Todos nós percebemos que ela age de maneira diferente perto de você. Ela parece ter mais o controle de si mesma quando vocês estão juntos.

— Eu vou tentar.

Subi as escadas e me dirigi em direção ao quarto de Emily. A porta estava entre aberta. Eu a abri vagarosamente e entrei. O quarto estava completamente escuro. Havia cortinas na janela para evitar qualquer tipo de luz vinda do exterior. No silêncio do quarto escuro eu apenas escutei o barulho melancólico da chuva cair lá fora e pequenos ruídos de choro vindos do canto direito do quarto. No ângulo de noventa graus formado pelas paredes, estava Emily encostada, com os braços cruzados, apoiados no joelho e sua cabeça escondida entre eles. Aproxime-me lentamente dela. Agachei-me até ficar na mesma altura que ela. Quando ela percebeu minha presença, ergueu a cabeça. Eu não podia ver muito bem, mas sabia que seus olhos azuis estavam encarando os meus. E ali, eu esperei que ela gritasse e que ela me expulsasse. Também esperei que eu dissesse algo, um concelho, uma moral, uma palavra, mas o silêncio tomou conta do lugar.

A chuva engrossava lá fora. Sentei-me próximo a ela encostando-me à parede. Bem, eu já estava aqui dentro. Ela parecia um anjo de pedra. Imóvel. Nem os seus soluços do choro eu já não ouvia mais. Mas ainda assim, sabia que as lágrimas ainda continuavam a escorrer. Deve ser difícil, agoniante e aterrorizante estar assim. Eu já me coloquei no lugar dela. Eu imaginei o que devia ser. Como deveria ser. Respirando fundo, reuni algumas palavras para formular uma frase, qualquer uma.

— Por que você está no escuro?

Não ouvi resposta. Acho que ela não me ouviu, pois não tinha certeza se pronunciava aquilo alto suficiente.

— A luz me irrita. — Emily pronunciou com uma voz fraca e vacilante.

— Você não tem medo do escuro?

— Eu aprendi a conviver com ele. Não tenho medo do que já conheço bem.

— Como você está se sentindo?

— Mal, eu estou muito mal.

— Por quê?

— Está aqui dentro, preso dentro de mim. E doí, muito. É como se eu estivesse sufocada por dentro, como se algo estivesse agarrado em meu pescoço e se nega a soltar. — Ela começou a chorar. — É difícil, eu não consigo suportar isso. Eu deveria morrer, eu quero morrer, Charlie!

Você É Minha CuraOnde histórias criam vida. Descubra agora