06. Estagiários

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Finalmente cheguei ao meu quarto, eu estava exausto, minha cabeça estava pesada e eu queria desesperadamente um banho, não percebi que havia passado tanto tempo no quarto de Liam, já estava escuro, devia estar próxima a hora do jantar e por incrível que pareça eu estava com fome, foi estranho, eu realmente queria comer, não por estar zonzo ou me sentido fraco, só estava com fome, e eu não me lembrava qual foi a ultima vez que me senti assim, resolvi me enfiar no chuveiro e esperar pelo jantar no quarto, geralmente uma enfermeira trás o jantar se você não descer para comer até as 20:00h, ou se você chamar e dizer que não pode descer, como já eram quase 19:45h era mais prático tomar banho primeiro. O banho foi ótimo, não sei quanto tempo fiquei lá, mas eu precisava de cada minuto, reparei que não lavava o cabelo fazia dias, minha cabeça parecia mais leve quando sai do banho.

Eu sai do banheiro esfregando o cabelo com a toalha, bem distraído, quando levei um susto, tinha um cara vestido de branco segurando uma bandeja, com o que pareceu ser o meu jantar, parado ao lado da minha cama me olhando surpreso, engraçado a pessoa entra no meu quarto sem ser convidada, e fica surpresa quando dá de cara comigo, não que eu tenha moral para falar sobre invadir o quarto alheio, estou apenas fazendo uma observação já que agora estou do outro lado da situação, mas digamos que essa situação seja um pouco mais constrangedora, pois como se não bastasse eu estar só de toalha, a pessoa do nada larga a bandeja em cima da minha cama , vem correndo na minha direção e agarra os meus braços, obviamente eu me assustei, minha toalha caiu, e eu acabei totalmente nu, com um cara que agora eu já não sei se é um enfermeiro ou um interno maluco, e que por sinal era bem mais forte do que eu, tudo bem que no momento uma criança de cinco anos é mais forte do que eu, mas isso não vem ao caso, segurando os meu braços e me impedindo de fazer qualquer coisa, eu estava prestes a gritar, quando ele começou a tirar as bandagens molhadas dos meus braços com os dedos trêmulos, foi só então que eu notei o sangue, ele escorria pelos meus braços, as bandagens estavam em tom de vermelho claro, e minha toalha no chão estava toda salpicada de vermelho, logo do ponto de vista dele eu devia estar parecendo um zumbi ou a loira do banheiro, me surpreendi por ele ter vindo me socorrer, apesar de eu não estar em perigo, ao invés de ter saído correndo e gritando por ajuda, já do meu ponto de vista eu era um completo idiota que se esqueceu completamente da proeza que havia feito, e apesar de não ter sido a primeira vez, parece que eu ainda não aprendi que não pode molhar os pontos e nem ficar mexendo os braços como se estivesse batendo um bolo.

Acabou que fiquei só encarando ele enquanto ele terminava de tirar as bandagens, fiquei com pena dele, tinha cara de ser o seu primeiro dia e ter que lidar logo comigo era sacanagem com ele, provavelmente de todos os estagiários novos ele era o que a Linda queria se livrar mais rápido... Não é como se eu fosse o pior caso do hospital, nem de longe eu era o pior, mas eu era um dos internos mais difíceis de se lidar, eu sou sarcástico boa parte do tempo, ou simplesmente não respondo quando falam comigo, não é de propósito eu simplesmente travo e não sei conduzir uma conversa, então esses são meus mecanismos de defesa, eu não fazia tudo o que mandavam e não seguia todas as recomendações, não por teimosia, mas por esquecimento. Eu tinha os apagões, mas nunca ninguém sabia quando eu estava plenamente consciente ou quando eu só estava ali, então muitas vezes eu não lembrava o que haviam me dito, como provavelmente me disseram para eu ter cuidado com os pulsos, mas em minha defesa eu não me lembrava nem de ter feito isso, tudo somado ao fato de eu já estar no hospital a mais de um ano e de eu já ter feitos pelo menos umas dez proezas. O que me tornava o interno perfeito para se livrar de:

-Estagiários que acham que sabem mais que todo mundo

-Estagiários preguiçosos

-Estagiários que não tem preparo físico e emocional para lidar com pacientes psiquiátricos

E o que a Enfermeira Chefe mais detestava

-Estagiários que não estavam ali porque passaram na prova e sim por terem QI. (Quem Indique).

Qualquer um poderia achar que eu estou inventando isso tudo, mas os últimos dez estagiários que ficaram responsáveis por mim pediram para mudar de estagio, e depois do terceiro Linda já tinha deixado claro o quão feliz estava com saída deles, e eu não sou um gênio, mas o padrão era óbvio: Linda não gostava de alguém e essa pessoa se tornava responsável ou por mim ou por outros dois pacientes do terceiro andar, em compensação Linda se responsabilizava por mim a maior parte do tempo, e confesso que me livrar deles para ela as vezes era divertido,para a maioria eu não fazia nada, ser eu mesmo bastava para que eles desistissem, mas com alguns eu era conscientemente insuportável, não que eu ou ela tenhamos algo contra eles , mas vamos ser realistas, se a pessoa não consegue lidar comigo que: não sou violento, não sou mal educado e não preciso de ajuda para atividades básicas, imagina lidar com pacientes complicados, e se enfermeiros com anos de experiência em pronto socorro as vezes não conseguem se adaptar a um hospital psiquiátrico, então imagina alguém que acabou de sair da faculdade.

Quando ele terminou de tirar as bandagens começou a examinar os pontos, dois deles haviam estourado no pulso esquerdo e um no pulso direito, mas que droga, os pontos teriam que ser refeitos, e eu não estava nem um pouco a fim levar agulhadas hoje, como ele não disse nada, eu acabei dizendo...

"Será que antes de você me espetar, eu posso pelo menos por calças?"

Ele me olhou como se eu tivesse dito a coisa mais estapafúrdia do mundo, até ele olhar para baixo, não acredito que ele estava tão concentrado nos meus pulsos que não notou que eu estava sem roupas, ele soltou os meus braços, mas pediu para eu ficasse com eles erguidos e com os pulsos voltados para cima, foi até o armário e pegou uma camisola descartável, claro que eu não fiquei nem um pouco feliz com isso, eu odiava aquelas coisas, eram desconfortáveis e todo mundo podia ver o meu traseiro, ele a colocou em mim com cuidado, e eu estava até me solidarizando com o rapaz, até que ele olhou na minha cara não se aguentou e riu, no começo ele até tentou se segurar, mas logo ele começou a gargalhar, o cara estava tendo um ataque de riso, ele estava rindo DA MINHA CARA, NA MINHA CARA!!!

"Me deixa ver se entendi, você invade o meu quarto, me assusta, joga o meu jantar de qualquer jeito, me toca sem permissão, me faz usar esse treco ridículo e desconfortável e não contente ainda ri da minha cara? É isso mesmo? Ou eu me esqueci de alguma coisa? Você cursou enfermagem por correspondência por acaso?"

Eu queria parecer furioso e intimidador, mas nas condições que eu estava, ainda mais sem poder mexer os braços, eu devia estar parecendo o gasparzinho com constipação, mas eu ainda estava com raiva.

Ele foi controlando o riso e começou a se desculpar...

"Me... haha... Me Desculpe, é que você fez uma cara por causa da camisola, que eu simplesmente não consegui, foi uma expressão sensacional..."

Ele cobria a boca com a mão para abafar os resquícios do riso, eu não conseguia me conformar com aquilo, a menina nova que não sabia disfarçar surpresa hoje de manhã, era a mestra da sutileza perto desse cara. Eu fiquei realmente irritado agora.

"Você vai continuar rindo, enquanto eu estou SANGRANDO!"

Parece que ele consegue se controlar afinal, ele ficou em silencio e me guiou até a cama, comigo sentado com os braços apoiados nas pernas, ele pegou o interfone e pediu para que alguém trouxesse um kit de suturas para ele, depois pegou uma cadeira e sentou de frente para mim enquanto aguardava. 

Coisas óbvias, Que ninguém sabe...Onde histórias criam vida. Descubra agora