05. Domingo

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"Às vezes ficamos tão atribulados na busca pelo que acreditamos ser felicidade, que esquecemos que ela é feita de momentos, muitas vezes pequenos momentos, ela está nos pequenos detalhes, nas pequenas coisas... Podemos encontrá-la em um bom café, em uma vista do céu, no formato de uma nuvem, em um cachorro brincando na rua, ao apreciar o fim da tarde em uma varanda..."

Com a voz um pouco tremula eu terminei de ler e fiquei em silencio, não que eu tenha achado o texto ruim, pelo contrário, é que minha mente foi invadida por tantas lembranças e pensamentos ao mesmo tempo, que eu não conseguia articular uma frase, os momentos passavam como um filme antigo na minha mente, algumas cenas mais nítidas do que outras, uma imagem da minha avó cortando uma massa de nhoque em cubinhos, enquanto eu e meu irmão os passávamos em um garfo para ficarem redondinhos, era sempre assim no almoço de domingo, eu me lembrava do quanto eu ficava feliz em acordar antes das dez da manhã todo domingo só por causa disso, quando minha avó dava um aviso divertido sobre não sobrar nada para o almoço se nós continuássemos a comer a massa crua, a risada da minha mãe se divertindo com a nossa bagunça enquanto fazia o molho, o meu pai chegando trazendo um frango assado, os copos de refrigerantes coloridos, o cachorro em baixo da mesa esperando pelo momento nada planejado em que eu e meu irmão derrubaríamos pedaços de frango no chão achando que ninguém estava vendo, um latido, um gargalhada, manchas de molho, a corrida de fórmula 1 que meu pai insistia em deixar passando na TV, ninguém em casa ligava para futebol, a gente só via jogos na copa e olhe lá, mas a Formula 1 , treino de manhã e corrida à tarde, domingos eram sagrados, domingos eram cheios de pequenas coisas, milhões de detalhes que me deixavam feliz, eu não entendia a corrida, mas gostava da empolgação quando via aquela bandeirinha do Brasil do lado das primeiras colocações, Barrichello, Piquet, Schumacher, Alonso, Moreno e o incomparável Ayrton Senna, esses são os nomes que me vem à cabeça quando falam de grandes astros do esporte, brasileiros ou não. Nós tínhamos carrinhos de rolimã e meu pai sempre nos levava para andar de Cart, podíamos dizer que em casa Domingo era sinônimo de felicidade, que nada poderia estragar um Domingo, mas nem sempre é assim. Eu ainda me lembro da corrida de 1994, mesmo tendo só cinco anos na época, acho que ficou gravado na minha memória porque foi a primeira vez que eu vi o meu pai chorar, ele não foi o único, minha mãe, meu irmão, minha avó, eu também chorei, acho que essa foi a primeira vez que eu fiquei triste em um domingo, mas obviamente não foi a última.

É engraçado como a tristeza vem sem avisar, está tudo bem em um minuto e no outro logo em seguida tudo desmorona, nada está a salvo, nem um domingo, a tristeza sempre chega, eu talvez não consiga me lembrar todos os pequenos momentos felizes que já tive, mas com certeza posso me lembrar de todos os momentos triste, a tristeza nos marca deu uma forma diferente, parece que o ser humano é programado para funcionar com base na tristeza, quando pensamos em fazer algo sempre pensamos primeiro na dor que esse algo pode nos causar, desistimos facilmente de coisas com baixa probabilidade de sucesso, desistimos de pessoas por pequenas coisas, sofremos mais do que o necessário pelo simples fato de nossa negatividade fazer com que as coisas pareçam piores do que realmente são, é peculiar a tendência que temos para a auto sabotagem, já perdi as contas de quantos momentos felizes estraguei por insegurança, por pensar demais, quantos relacionamentos foram deixados de lado, ou acabaram antes mesmo de começar, quantas portas eu mesmo fechei, tudo para evitar a tristeza, mas o que não percebermos é que ela sempre chega...ela sempre chega, mas ela também sempre vai embora, ela não dura para sempre, a felicidade sempre volta, mas quanto mais tempo nos focamos na tristeza, menos percebemos a felicidade, menos chances damos as pequenas coisas, menos chances para o sorriso espontâneo, menos chances para aquela gargalhada gostosa que faz doer a barriga, que chance tem o Domingo se você fica pensando na segunda?

Acho que fiquei muito tempo perdido nos meus devaneios, quando dei por mim eu tinha os meus olhos cinzas mareados e perdidos, enquanto o par de olhos azuis me fitavam com curiosidade, tentei me recompor, mas não acho que obtive muito sucesso, fiquei em silencio mais um tempo, ele me olhava com um certo fascínio e me deixou bem desconcertado, quando eu tentei falar ele me interrompeu.

"Não precisa dizer nada, não tem como você ser mais sincero do que isso!"

"Er... hã?"

Juro que eu não entendi.

"Você viajou totalmente no texto, ou você é muito mais louco do que aparenta ser, ou o texto mexeu mesmo com você..."

Eu não queria admitir, mas já era a segunda vez que eu acabava perdido nos meus pensamentos e com lagrimas nos olhos, por culpa de palavras tão simples, esses textos pareciam gatilhos para minha mente desenterrar milhares de coisas, e eu já não sabia se isso era bom ou ruim, mas algo me dizia que eu ia descobrir...

"Leve o caderno, leia, volte amanhã e me conte como se sentiu..."

"Não sei se é uma boa ideia..."

"É sim, faça isso, quem sabe não nos lembramos de como sentir..."

Não soube como responder a isso, acabei me levantando com o caderno nas mãos sem muita certeza de nada, só sabia que teria que tomar cuidado na minha próxima sessão com o meu psiquiatra, se eu falasse para ele sobre hoje, ele não ficaria nada feliz de saber que eu faltei a sessão da psicóloga de propósito, e tenho o péssimo hábito de mencionar informações desnecessárias para ele. Eu ia saindo por onde eu entrei quando me lembrei de uma coisa:

"Você não me disse seu nome..."

"Liam, meu nome é Liam."

"Prazer Liam, eu sou o Wil"

Coisas óbvias, Que ninguém sabe...Onde histórias criam vida. Descubra agora