- Meus pais estão em Paris! - Contava Nicholas - Faz uma semana já! Mamãe conheceu a torre Eiffel e está eufórica! É divertido de se ver. Ela me envia muitas fotos.
Dei um largo sorriso. Eu gostava da mãe de Nicholas, dona Adelle era uma mulher com um senso de humor único e com um gosto culinário peculiar. Ela era cozinheira e a maioria de seus pratos eram de sua própria autoria, isso mesmo, ela inventava todos, ou os inovava...
Já seu pai, Natanael, era um homem mais sério que aturava calado e satisfeito todos os caprichos da mulher, valorizava muito os valores familiares e a educação dos filhos. Acho que ele teria um ataque se soubesse das dívidas do filho primogênito. Natanael, acima de tudo, era um homem honesto.
- Nicole implorou para ir junto. Não deu muito certo - Deu de ombros - Então decidimos vir pra cá.
O fitei por um momento.
- Obrigada, Nicholas - Suas sobrancelhas se juntaram.
- Por...?
Sorri com sua confusão.
- Por me ajudar sempre que preciso. Por estar aqui agora mesmo depois de eu ter dito pra ir embora...Obrigada por tudo.
Sua mão entrelaçou na minha. Observei como o encaixe era perfeito, como se sua mão fosse modelada para a minha, suspirei desanimada. Essas coisas eram tão complicadas. Me soltei delicadamente.
- Kimberlly, sobre aquele cartão que você encontrou...
- Por favor - Levantei a mão, pedindo que parasse - Você não me deve satisfações.
Jogou a cabeça pra trás, olhando o teto, apertou os olhos
- Queria que as coisas fossem diferentes para nós, Kim.
Eu também. Queria tanto estar em seus braços, sentir seu hálito de menta... Mas ao mesmo tempo a assombração do Nicholas com sorriso abobalhado e cheiro de bebida invadiu minha mente, me lembrando que não devia acreditar em suas palavras doces. E em outro canto da minha mente eu pensava em Richard... Caramba como eu estava dividida.
A maioria das pessoas bebem, não é um super defeito, mas não é algo que eu queira pra mim: Um cara que bebe e fica agressivo a ponto de berrar e arremessar coisas no chão, Nicholas nunca levantou a mão pra mim, mas eu temia as coisas que o outro Nicholas, aquele fora de si, desequilibrado, poderia fazer.
- As coisas não serão diferentes - Falei tão baixo que pensei que ele nem fosse ouvir. Me enganei
- É. E agora você já está saindo com outro cara, e...
Interrompi.
- Não estou saindo. O Richard, ele só... Me salvou.
Semicerrou os olhos, com aquela expressão de desconfiança
- Richard... - Repetiu, sua boca se contorceu como se algo estivesse fedendo - Te salvou?
- Uns caras me cercaram em um beco ... Richard chegou e me tirou de lá. Me levou pro apartamento e dormimos. Só isso, só dormimos, cada um para um lado - Eu não precisava me explicar daquele jeito embaraçoso mas vi uma imensa necessidade de fazer isso.
- O que fazia em um beco, Kim?
Aaah, essa pergunta!
Apenas levantei os ombros indiferente.
- Não preciso de mais sermão
Assentiu.
- Então esse Richard é meu concorrente?
Ampliei os olhos, franzindo a testa em seguida.
- Ele é só... um amigo. E aliás, acho que ele não é do tipo que morre de amores por mim.
Nicholas pareceu mais aliviado, e isso me causou raiva. Deveria ter dito um "É, ele pode ser seu concorrente".
- Por quê? Ele é gay?
Soltei uma risada alta.
Eu também já havia chegado a tal conclusão. Não que Richard se comportasse de acordo mas seu TOC as vezes me deixava com um pé atrás.
- Não. Ele só não vai com a minha cara, acho - Levantei os ombros.
- O que você fez? Pisou no pé dele? - Percebi que Nicholas fazia grande esforço para se manter desinteressado.
- Não exatamente. Ele não precisa de muitos motivos pra se irritar, basta dizer "Oi".
Balançou a cabeça.
- Se ele te odeia - E Nicholas queria acreditar nisso - Então por quê, te salvou?
Eis uma pergunta interessante, que infelizmente eu também não sabia a resposta.
- Richard não é um monstro. Ele tem um bom coração por baixo da faixada de cretino.
- Estou me sentindo uma garota de 15 anos - Falou.
Soltei uma risada.
- Por quê?
- Você ai falando toda animada sobre homens e eu aqui, escutando como se fosse "sua melhor amiga" .
- Aaah, você é uma boa ouvinte, amiga! - Lhe dei um empurrãozinho.
Acabamos rindo.
- Minha vez! - Nicholas falou com uma voz mais aguda do que a da Esquilete , de Alvim e os esquilos - Sabe o que acho sobre homens?
Meu riso saiu pelo nariz dessa vez, aaaaah aquilo seria hilário.
- Me diga, amiga, o que você acha?!
Ele "(a)" examinou suas unhas com ar despreocupado "(a)".
- Eles são um pedaço de mal caminho, é isso que eu acho. Com aqueles bíceps... E tricéps! Minha nossa! - Se abanou com a mão - Quase não me aguento... Mudando de assunto... Qual tom de batom você acha que mais combina com minha pele? Quero impressionar um gato, um tal de Nicholas Vanner, pensa só em um homem maraaavilhoso! - Me deu uma piscadela.
Cai na gargalhada aplaudindo sua performance.
Fez uma reverência sem jeito.
- Obrigado, obrigado, obrigado - Falou presunçoso.
- Como é bobo você!
Uma senhora de olhar abatido nos lançou um sorriso. Não tínhamos percebido o homem de jaleco branco nos espiando pela porta entre-aberta.
- Uau - Levantou as sobrancelhas impressionado - Você tem talento.
Nicholas balançou a cabeça, discordando.
- Só estava tentando deixar minha garota feliz - Deu uma cotovelada de brincadeira em minha costela.
Fechei a cara. Eu não era a garota dele.
- Entendo. - O médico falou - Esse lugar é tão triste... É difícil ver pessoas sorrindo.
Nicholas olhou pro chão corando.
- Desculpe, nem percebi que estava incomodan...
O médico espalmou as mãos.
- Não, não está incomodando! De maneira alguma. Só achei... Interessante. Você tem experiência com crianças?
Trocamos um olhar.
- Não muita...
- Faz imitações?- Persistiu o médico.
- Hã... Imito o pato Donald, ouso dizer que muito bem... - Soltou uma risada, o cara de jaleco também riu.
- Eu sou Edmund Hassan. Pode me chamar de Doutor Hassan - Estendeu a mão para Nicholas - Sou especialista no tratamento de crianças com câncer. Trabalho em um hospital não muito longe daqui. Mas hoje estou escalado pra cá.
Meu ex - namorado apenas anuiu.
- Então - Continuou - Crianças com câncer tendem a ficar muito deprimidas... O hospital, de vez em quando chama o pessoal do circo para visitas... em fim... Será que você se interessaria em trabalhar conosco? Para a alegria da criançada?
Olhei anciosa para os dois.
- Bom... Primeiramente, sou Nicholas Venner, e sua proposta é muito... Tentadora mas só estou passando uns dias aqui.
- De onde você é Nicholas?
- San Francisco , California - Respondeu.
- Bom... Se puder ficar pelo menos um mês... Ficaremos felizes em te aceitar lá no hospital, saiba que é bem vindo.
- Irei pensar - Falou educadamente.
O médico tirou uma caderneta do bolso do jaleco e uma caneta esferográfica azul, escreveu alguma coisa e entregou ao Nicholas.
- É meu número, para o caso de resolver ficar.
Ajudar crianças com câncer. Não conseguia imaginar Nicholas fazendo isso. Ele meio que levava jeito, mas mesmo assim...
O médico saiu, fique fitando as paredes brancas.
- Eu devia me sentir ofendido por ele insinuar que sou um palhaço?
Revirei os olhos.
- Você devia aceitar - Falei - ... A proposta, digo.
- Não quer que eu vá embora?
Um fio de esperança cintilou em seus olhos.
- Só acho que seria uma boa ideia trabalhar com crianças.
Não dissemos mais nada, e assim ficou por várias horas, até que cai no sono ali mesmo na cadeira reclinável.
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Inverno Em Saturno
Romance"As pessoas são solitárias porque constroem muros ao invés de pontes" - O Pequeno Príncipe. Um coração partido, uma irmã doente, um pai desaparecido. A vida de Kimberlly Drayton não é nenhum mar de rosas, mas ela sempre tenta ver o lado p...