Mar de Estupidez

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RICHARD LAURENT

Eu estava transtornado. Completamente fora de mim.
Quando cheguei em casa minha mãe se encontrava sentada no sofá, conversando com Mellanie sobre umas fitas de cetim que ela trouxera da França.
Mellanie era uma velha amiga de infância. Nunca chegamos a ter uma conversa interessante, ela não conseguia dizer duas palavras sem corar e baixar os olhos. E isso simplesmente me irritava.
Seus pais foram meus vizinhos, eram fazendeiros ricos. Laisla e Liza passavam quase todo o tempo na propriedade deles.
Diane sempre fez muito gosto em ter Mellanie na nossa família, embora soubesse que a ideia me desagradava. Não que a garota não fosse atraente, ela era, e muito.
Confesso que por volta dos meus treze anos eu a espiava tomando banho no riacho. Acredito que era um mal perdoável de um pobre garoto cheio de hormônios que não tinha muito o que fazer a não ser estudar. Mas minha curiosidade com Mellanie nunca passou disso.
Ela era como todas as garotas. Gostava de rosa, de flores, e de palavras doces. E eu achava tudo aquilo bem idiota, para dizer o mínimo.
- Por onde andou, querido?
Como se ela se importasse. Encarei Diane, falando com firmeza:
- Em nenhum lugar de seu interesse.
De fato era verdade.
- Você estava com ela, não é? Com a empregadinha?
Respire, Richard. Respire.
- JÁ disse que não lhe interessa aonde eu estava ou com quem!
Mellanie se encolheu na ponta do sofá. Fiquei realmente com pena dela. Ela não merecia estar aqui.
- Aquela mulherzinha está virando a sua cabeça, meu filho!
Eu não queria discutir com ela. Não queria ver ninguém! Que saco!
Queria somente me trancar no quarto e me torturar pro resto da vida por ser tão detestável.
Passei por minha mãe sem dizer uma palavra e bati a porta do quarto, igual a um adolescente rebelde.
Eu me odiava tanto! Me odiava por fazer tudo errado, me odiava por ter feito a Kimberlly chorar, me odiava por tê-la deixado sozinha. Mas ela não entendia! Eu estava tentando protegê-la.
Geralmente eu poderia ser facilmente associado à uma bomba relógio, uma hora ou outra iria explodir e levaria comigo todas as pessoas que eu amava. Que de qualquer forma, não eram muitas.
Meu temperamento me condenava. Tinha tendência à magoar as pessoas. Depois eu me sentia um lixo. Como agora.
Ela não entendia que nós não podíamos nos envolver assim. Eu iria acabar machucando-a ainda mais.
Tudo o que eu tinha feito hoje era para evitar que amanhã ela se arrependesse, e me culpasse por existir. Bom... ela já devia estar fazendo isso.
Quão egoísta o ser humano conseguia ser? Tinha um lado meu que tinha uma justificativa melhor para minhas atitudes. Agi por impulso. Fiz o que julguei ser melhor pra mim. Não pra ela.
Deixe-me esclarecer uma coisa. Eu tinha tido a melhor noite da minha vida, com a única mulher que não fazia sentido algum pra mim. E isso a tornava mais especial do que todas as outras. Ela sempre conseguia me surpreender.
E talvez eu tivesse me assustado um pouco quando percebi que ela era...importante pra mim, e isso me deixou louco. A Kimberlly veio como um furacão, ela apareceu de repente, destruiu todas as minhas barreiras e deu um outro sentido à minha vida. Do dia pra noite, eu não vivia somente para mim, eu viva para ela. E em algum momento no meio disso tudo, eu quis ser melhor, por ela. Tentei. Me esforcei o máximo que pude, ou talvez nem tanto assim... Mas ela merecia alguém menos complicado. Ela merecia o mundo e eu não podia dar a ela nem metade disso. Eu era somente o caos. A escuridão que apagaria sua luz, porque ela brilhava como a estrela da árvore de natal.
Eu admirava aquela mulher por infinitos motivos. A forma como ela lidava com as coisas, por exemplo. E embora ela se metesse em mais confusões do que qualquer um julgava ser normal, ela sabia se virar. Nem de longe era tão dependente quanto parecia. Kimberlly sempre conseguia o que queria.
Ela jamais me perdoaria. E eu teria que conviver com a certeza de que deixei a mulher mais incrível do mundo escapar. Ela me odiava. Dissera isso tão claramente que meu cérebro fazia questão de reproduzir suas palavras de segundo em segundo.
"Te odeio", "te odeio", "te odeio"

Não demoraria muito e algum sortudo menos idiota do que eu a encontraria em algum corredor, se apaixonaria pelo seu sorriso infantil, assim como eu. Ele não seria um babaca com ela. Esse cara lhe convidaria para sair e não se importaria com as regras de etiqueta. Provavelmente eles iriam à um restaurantezinho barato, com as comidas que ela gostava e que sabia pelo menos pronunciar o nome. Ele a faria rir com piadas prontas. Seus olhos cinzentos como chuva de inverno se tornariam uma linha fina e enrugariam nos lados. O cara acharia aquilo tão lindo quanto eu acho, mas ele lhe faria um elogio que a faria corar e sorrir mais um pouco. E então ela começaria a tagarelar sobre futilidades e o cara de sorte ouviria a tudo prestando atenção, sem deixar de notar como seus lábios eram cheios e delineados e imaginando que gosto teriam. Bom... Mais tarde ele descobriria que tem gosto de brilho labial de morango. Não seria um beijo desesperado, seria um beijo lento que faria os dedos dos pés dela se contorcerem dentro dos mocassins. E esse homem a conquistaria todos os dias. Provaria a cada segundo o quanto ela era importante. E ele não seria um covarde, não fugiria quando percebesse que a amava mais do que à sua própria vida.
Se ele for inteligente irá imediatamente à uma joalheria e comprará o anel mais bonito, aquele que combine com a estrela brilhante que há no fundo de seus olhos e fará dela a mulher mais feliz do mundo.
E eu? Bom...eu continuaria com a minha rotina, sabendo que perdi a minha única chance. Sabendo que serei condenado ao inferno todos os dias de minha vida porque era assim antes dela aparecer e será assim de agora em diante, porque eu sou um imbecil.
Segurei o globo de neve que havia ganhado de aniversário. Eu não merecia aquilo. Não mesmo. Então o guardei no lugar onde sempre guardava coisas do tipo.
A porta branca no fundo do meu quarto. A mesma que Kimberlly tentara abrir quando nos vimos pela segunda vez. Era lá dentro que eu guardava meus...tesouros.
Abri a porta. Tábuas cobriam os quatro cantos das paredes. Não era um cômodo grande. Era meu pequeno museu.
Coloquei o globo de neve em uma das prateleiras, entre o relógio de bolso do meu pai e a caixa de música de Laisla.
Aquele era um lugar especial.

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