O despertar de Tudo em Um Só

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  Essa história provavelmente já aconteceu. Talvez a cem anos,ou dez...
Toda história é assim. Toda história se repete, pelo menos quando não se aprende com ela.
  O nome dele era Felipe. Ele tinha catorze anos quando tudo resolveu "reacontecer", dessa vez com ele.
  Tudo começou num dia comum de outubro.  Ele estava lá, como sempre, em seu último período da escola, prestes a ser livre para mais uma tarde entediante em seu quarto. Sozinho.Como vêem, uma vida comum na cidade de São Paulo.
  Isso era normal para ele, sua adolescência inteira havia sido dessa maneira: só ele, um lápis, papel e tranquilidade.  Já havia se acostumado .
  Dizem que estar preso em algum lugar é horrível, mas e quando você é sua própria prisão? Uma da qual, quanto mais você fuja, estará cada vez mais apertando suas algemas. Era assim que Felipe se sentia.
  - Olá querido, alguma novidade da escola?
  - Amanhã vão fazer uma festa de Halloween.
  - E qual vai ser sua fantasia?
  - Lençol.
  - Vai de fantasma?
  - Não, eu vou faltar. Não vai ter matéria nem nada importante.
  - Vai deixar outra festa de lado? Filho, você precisa ser mais...
  - Sociável? Adolescente?
  - ...Feliz. Você precisa aproveitar o tempo que tem. Ser um adolescente enquanto é um adolescente. Já não te vejo se divertir desde quando você era pequeno...
  - Mãe, tá tudo bem. Eu só preciso do meu quarto. Ah é, e uma nova caixa de lápis.
  - Já será a terceira do mês.
Então Felipe se dirigiu ao seu caminho cotidiano, o corredor, para ir de encontro á sua porta favorita e se enterrar em uma pilha de papel sulfite.
Pensar no que sua mãe havia dito? Pratica a muito tempo perdida. Ele sabia que ela estava errada, afinal. O que ele poderia fazer naquele lugar? Passar uma tarde preciosa de sua vida sentado em uma cadeira desconfortável, num aglomerado de pessoas aleatórias e completamente diferentes  dele.
Simplesmente não valia a pena tentar interagir, eles eram muito diferentes de Felipe. Ele não os entendia e eles não queriam entendê-lo. Há muito tempo ele havia decidido colocar um muro entre ele mesmo e o mundo. 
Ele fez seu ritual diário: tirar os sapatos com a sola dos pés, ligar a Tv e se jogar em sua cama com seu estojo e todo o resto.
A Tv ficava sempre no canal de notícias, fazia ele se lembrar do pai. Também ajudava ele nas aulas de geografia e a âncora era muito bonita.

  Geralmente, Felipe desenhava coisas que ele gostaria de ver no mundo, como carros futuristas, magos... ou a Megan Fox. Esse último tinha mais frequência.
  Mas hoje foi diferente, nada disso vinha a mente. Na verdade nada vinha a mente dele, ele se sentia estranho. Muito mais do que o normal. Começou a sentir um cansaço extremo, como se tivesse passado  o dia todo numa aula de educação física intensa. Seu corpo, depois dessa sensação de dor, se tornou dormente e leve, igual a como ele fica nos domingos, após o almoço.
   Seus olhos pesavam, seu coração batia mais devagar, porém, ele conseguia ouvir cada batida, como se estivesse com os ouvidos bem próximos. A cada batida seus olhos pesavam mais... Respirava... Escutava... Dormia.
  O som de seu coração se tornou a única coisa existente num vácuo escuro. Ele batia tão alto quanto um tambor. Ritmado. Constante. Forte.
  Ele sentia seu corpo estremecer a cada estrondo, mesmo não conseguindo ver seu corpo naquele sonho estranho. Os sons foram ficando mais intensos, rápidos, com uma dinâmica e rítmica totalmente diferente, como uma canção antiga. Era parecido com as batidas que Felipe ouvia na aula de educação física, quando estudou a Capoeira. Era um ritmo selvagem, estimulante. Fazia Felipe se sentir... Animado. Ele sentia correntes de energia percorrer seu corpo. Sentiu ela aumentando, cada vez mais.
  Até ele, num salto, acordar com a campainha tocando ferozmente.
  Em suas mãos estavam um lápis e um desenho estranho, que ele não se lembrava de ter desenhado. Era uma sombra, a sombra de uma ave.
  A campainha continuava tocando. Era estranho a mãe de Felipe ainda não ter atendido a porta. Resolveu ele mesmo ir atender.
  - Já vai, já vai. Credo, até parece que o mundo vai...
Ele abriu a porta e deu de cara com um cara. Ele era alto e meio moreno, com cabelos longos e escuros. Os olhos eram meio puxados e profundos, severos e fixos nos olhos de Felipe.
  -Que horas são?- disse ele
  - Que?
  -Rápido, que horas são?
  - Humm, não sei. Seis e dez?
  - Ótimo - Disse o estranho entrando pela porta- por acaso mais alguém veio aqui?
  - Ei, você não pode ir entrando aqui e... -Disse Felipe enquanto o menino tirava de uma mochila uma espécie de tubo de madeira comprido, e colocando nele pequenas agulhas.
  - Felipe? Quem está ai?- disse a mãe de Felipe, que vinha a caminho da sala, aparentemente ela estava dormindo.
  - Esse cara maluco, ele apareceu aqui ... O QUE VOCÊ TÁ FAZENDO?!
  O menino atirou uma das agulhas com o tubo de madeira, mirando no pescoço da mãe de Felipe, fazendo com que ela desabasse no chão instantaneamente.
  - Faça suas malas, precisamos sair rápido.- disse o menino, como se nada tivesse acontecido. Talvez fosse comum desmaiar mães.
  - SEU MALUCO! SE AFASTA DA MINHA MÃE, EU VOU CHAMAR A POLÍCIA...
  - Tô vendo que vai ser do jeito difícil...
  Então o menino apontou o tubo na direção de Felipe e depois tudo escureceu.


 O Chamado do Vento UivanteOnde histórias criam vida. Descubra agora