Naquela noite Felipe havia dormido bem. Era de se esperar, visto que havia participado de uma queda de braço com uma senhora super forte, ganho habilidades ninja e lutado com um tornado no dia anterior.
Era bom para Felipe acordar com a luz do sol forte e convidativa iluminando a cortina, ouvir os sinos de vento de Nady tocando e ter os braços de sua mãe acariciando seus cabelos, enquanto lia o Acacium.
- Você já está acordada, mãe?
- Não consegui dormir por muito tempo. Me senti aflita e preocupada com tudo isso acontecendo, então resolvi ler todo o Acacium mais uma vez, levando em consideração que agora tudo que ele diz é... real.
- Você também se sente estranha lendo ele?
- Com certeza! Ler essas histórias e lendas e pensar que podemos encontrar qualquer uma dessas criaturas na rua é assustador.
- Não, quer dizer, isso também é estranho. Mas eu estava me referindo sobre o livro te... te mostrar o que conta.
- Mostrar?
- É. Quando eu li o primeiro capítulo, o livro me mostrou, como se eu estivesse mesmo lá, todos os fatos da criação. Eu vi o cara dos raios...
- Tupã? Você viu ele?
- Sim, o cara brilhante e a moça bonita também.
- Você está me dizendo que realmente viu os deuses criando o mundo? Viu tudo aquilo?
- É, foi tipo isso.
A mãe de Felipe o encarava com um olhar fascinado. Ele não via esse olhar animado e encantado a muito tempo atrás. Foi como retroceder no tempo, onde sua mãe ainda era uma feliz e esforçada historiadora. Ela passava noites lendo livros gigantescos e parecia nunca se cansar, dando palestras em universidades, sendo convidada de honra de vários eventos e festivais de História.
- Sinto falta desse seu olhar.
Luiza sorriu e beijou a testa do filho. Era claro que a vida dos dois havia se transformado por completo depois do...
- Toc,toc. Estão acordados?
- Bom dia vovó!
- Venham, o café da manhã já está pronto.
Os três se dirigiram para a cozinha. O asilo estava mais silencioso que o normal. Na cozinha se encontrava o velho Marcos, que tomava desesperadamente uma caneca gigante de café.
- Onde estão os outros?
- Eles estão no interrogatório. Geralmente só Nady dá conta de fazer um contato. Mas quando se trata de Sacis...
- Contato?
- É como a alma humana se comunica entre si e com outras forças da natureza. Assim nós conversamos sem precisar de palavras e conseguimos compreender melhor um ao outro. Foi esse o método utilizado pela Nady para avaliar a sua alma...
- E finalmente chegamos ao ponto em que eu queria. Me avaliaram pra quê?!
- Na verdade eles te avaliaram por que não confiam em mim. Eu tenho certeza sobre tudo que digo, se não eu não diria. Eles queriam constatar sua linhagem Caraibana.
- Mas isso já não é automático? Quer dizer, se eu sou seu neto e... espera ai. Os Caraíbas são essas pessoas que conhecem o tal "segredo da alma humana" e, por isso, podem fazer essas coisas legais que a Nady e o Breno conseguem. Se isso é hereditário, significa que a senhora...
- Sim, eu sou uma descendente Caraibana, assim como todos do asilo são e você também é! Mas as chances do segredo ser passado para próximas gerações diminui muito, se o Caraíba se relaciona com pessoas que não conhecem o segredo, como no caso da família de Marcos e Nady. Infelizmente eles são os últimos herdeiros de suas famílias.
- Então, se Felipe também possui o segredo, significa que...
- Exatamente Luiza, meu filho também era um Caraibano. Temo que essa tenha sido a razão pela qual...
- Qual é o seu poder vovó?- Perguntou Felipe desesperadamente. Mesmo depois de tanto tempo, Felipe não se sentia a vontade em falar sobre seu pai.
- Meu poder?- Disse a senhora sorrindo.
- É, seu "dom sobrenatural".
- Eu tenho uma... afinidade com as plantas.
Então a conversa foi interrompida por um estrondo vindo de uma das salas do asilo. Marcos, com o susto, cuspiu café quente no jornal que estava lendo.
- Nana, vamos.
- Certo.
- Eu também vou!
Então Felipe e os outros dois foram seguindo o som continuo de vidros sendo quebrados, que vinha da última sala do longo corredor do asilo.
Ao entrarem, encontraram Breno, Osvaldo e Nady ofegantes ao chão, com uma garrafa de vidro estilhaçada e uma janela no mesmo estado.
- O que aconteceu?!
- Ele escapou. Não sabemos como exatamente, mas ele superou nossas forças e fugiu.
- Se eu estivesse aqui nada disso teria acontecido! Eu avisei vocês que me deixar de fora era uma péssima ideia.
- Você já tava puto com o Saci, ia fazer merda- disse Nady, se levantando.
- A questão é que conseguimos algumas informações- Disse Osvaldo- não sabemos quem está por trás disso mas sabemos o local do próximo ataque.
- Onde?- perguntou Marcos.
- Escola Estadual Santa Helena.
O coração de Felipe parou de bater. Sua escola seria o próximo alvo do inimigo. Ele não gostava da escola e também não tinha nenhum amigo nela, mas não queria que ninguém se machucasse.
- O que estamos esperando?! Precisamos ir logo.- disse Felipe, desesperado.
- Nós não podemos agir assim. Pode haver riscos demais num local público- respondeu Breno- ainda mais sem um plano ou sem saber quem ou o que nos aguarda.
- Eu pensei que fosse dever dos Caraibanos cuidar de qualquer problema que envolvesse o segredo, humanos e espiritos.
- Nós não sabemos se esses ataques tem a ver com o segredo. Aliás como VOCÊ sabe sobre o segredo?
- Não importa. Eu sei que tudo isso está conectado a tribo inimiga dos Caraibanos. Sei que caçar jovens como eu e você tem alguma coisa a ver com tudo isso, inclusive com o homem- relâmpago.
Todos se assustaram nesse momento.
- Você está se referindo a Tupã? Ele nunca causaria problemas...
- Não, Tupã é bem diferente do cara que eu vi.
- Você viu? O que você quer dizer com isso?
- Antes da gente chegar na casa da vovó, eu tive uma espécie de sonho. Nesse sonho eu vi um cara estranho com uma espécie de cajado lá no parque Ibirapuera. Agora tudo parece fazer mais sentido...
- COMO VOCÊ NÃO ME FALA ESSAS COISAS?!
- Pois é, estamos quites não é mesmo?!
- SEU IMBECIL! Como você não... você não devia esconder...
- Mesmo com essa visão e tudo mais, não tem como termos cem por cento de certeza de que isso envolve o segredo...- ia dizendo Osvaldo.
- Não, isso é um problema meu. Fiquem aqui, eu cuido disso.
Breno saiu da sala as pressas, apanhando seu arco e sua mochila e indo em direção á saída.
- Ei, espera ai.- Felipe saiu atrás de Breno.
- Vamos atrás deles!
- Não Marcos, o Vento Uivante sabe o que faz. Precisamos deixar os dois cuidarem disso. Enquanto isso vamos fazer nossa parte daqui.
Breno estava fazendo aquilo de novo. Felipe percebeu que seria praticamente impossível alcançá- lo, já que seu corpo sumia e reaparecia três metros a frente.
- Ei, perai cara!
- Não me siga.
- EU QUERO TE AJUDAR!- Felipe acelerava ofegante.
- Você não pode me ajudar. Você não pode fazer nada!
- Então me diz QUEM DIABOS PODE?!
- NINGUÉM MAIS PODE! O ÚNICO QUE PODIA...
Breno socou o capô do carro. Felipe se impressionou com a velocidade em que haviam chego no estacionamento. Se impressionou com o modo como Breno estava agindo.
A única coisa previsível para ele no momento eram as rodas de um carro ,que Breno pegou do estacionamento, acelerando para o além, deixando Felipe para trás.
Felipe começou a correr novamente, para variar. Se já era difícil seguir um super- índio que se teleportava,ele já poderia imaginar como era seguir uma Ford Courier em alta velocidade.
O carro já havia escapado do campo de visão de Felipe. Já era tarde.
Felipe olhou em volta, na esperança de encontrar algo potente e que ele soubesse pilotar... uma bicicleta, por exemplo. Mas a área era realmente vazia, só era possível observar os destroços que o Saci havia feito em seu ataque. As pessoas do asilo haviam feito uma boa escolha em relação a localização da base, não havia perigo de exposição ou dano para a população.
O desespero estava vindo quase tão rápido quanto o vulto que passou sobre Felipe, deixando cair do céu algo dourado e felpudo.
Felipe encarava um pequenino filhote de lebre cor de mel, que havia aterrissado em suas mãos trêmulas . Os olhos redondos e fofinhos estampavam o desespero de uma viajem turbulenta. Felipe olhou para o céu novamente, procurando o vulto novamente. Ele seguia o mesmo caminho que o carro de Breno havia percorrido. Felipe não sabia como, mas tinha certeza que deveria seguir o vulto. Tinha certeza que podia confiar nele.
Colocou a pequena lebre entre suas mãos, aproximou- as ao peito e começou a correr novamente. O vulto se movia rápido demais, quase igual ao carro. Felipe não podia deixar essa chance passar, não poderia perder o vulto de vista.
E foi ai que aconteceu de novo. Seu coração pulsou mais forte novamente, seus braços, pernas... todo o corpo foi tomado por um impulso de energia. Em sua mente só existia uma palavra: "Pule".
Seu corpo obedeceu ao pensamento, involuntariamente. Toda a energia que percorria seu corpo canalizou- se em suas pernas e, enfim, Felipe deu um salto. Depois outro. E mais um.
Ele saltava muito rápido e muito longe, não demorou muito para compensar a distância que o vulto veloz havia dado.
Felipe agora estava numa autoestrada, com vários vultos coloridos passando da direita para a esquerda.
O vulto voador acelerou o ritmo, seguindo a mesma direção dos carros, sobrevoando a pista. Felipe não tinha outra escolha, seguiu seu caminho no meio da estrada, pulando velozmente e desviando de vários carros e caminhões, que buzinavam loucamente, sem conseguir entender o por quê de ter um ninja saltitante entre eles. Ninguém nunca entende o trânsito no Brasil.
Ao longe, Felipe localizou a picape de Breno, mantendo a mesma velocidade de quando havia deixado o mesmo para trás.
Seria impossível alcançar Breno com todos aqueles carros e caminhões ente os dois. Felipe concentrou mais força nas pernas e deu um salto de aproximadamente cinco metros, aterrissado no teto solar de uma Ecosport vermelha. Sua super agilidade trabalhava bem com seu novo poder de super salto, fazendo com que Felipe saltasse de capô em capô sem muitos problemas, até dar seu último salto em direção a carroceria da Courier prateada.
Felipe pode observar o olhar de surpresa de Breno pelo retrovisor (como se fazer o carro ziguezaguear na pista não bastasse para expressar o sentimento).
- Como diabos você...
- Cara, tá na hora de você entender: agora eu estou no jogo. Ninguém, nem mesmo você vai me impedir de salvar a minha escola.
Breno encarnou Felipe com seus olhos castanhos profundos, esboçando novamente um sorriso.
- Eu não vou fazer paradas para ir ao banheiro.
Com um sorriso, Felipe entrou pela janela do carro, sentando- se no banco de carona, e assim, seguiu para aquilo que é mil vezes mais assustador do que sombras mascaradas ou um Saci: a escola.
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O Chamado do Vento Uivante
Avventura" Quando se recebe um dever do destino, é necessário atendê-lo. Quando o vento uivante sopra, é seu dever escutar." O Brasil esconde diversos segredos, dos seus tempos mais antigos até os atuais. Um problema foi causado por conta de um desses segr...