Acacium

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  Estar numa floresta escura e tenebrosa já nem importava mais.  Ele só queria acordar logo desse pesadelo. Só queria reiniciar o dia todinho e tentar mudar alguma atitude, para ver o tal " Vento Uivante" soprando seu barquinho a vela pra longe daquele mar.
  Era inacreditável a maneira como vovó Nana falava cada palavra, com uma convicção e firmeza inabalável. Sem gaguejar ou exitar, certa de que tudo era real e que, de alguma forma, ele estava envolvido em tudo isso.
  A lua brilhava forte, completa e imponente, iluminando um garoto chorão sentado numa pedra grande e plana as margens de uma pequena lagoa. Se estivéssemos nesse mesmo lugar a alguns anos atrás veríamos o mesmo garoto, risonho e inquieto, nadando e pulando de uma margem a outra junto de um homem alto e bonito, seguindo, de margem a margem, o garotinho elétrico.
  Felipe sentia muita saudade de seu pai.
  Pensar nisso nem o fez notar o barulho de galhos quebrando com passos vindos em sua direção. Só pode perceber que alguém estava próximo pelo reflexo que era reproduzido nas águas da pequena lagoa.
  - Veio me sequestrar de novo? Ou me contar como a minha avó jantou com o Saci pela primeira vez? É sério, me deixa em paz pelo menos por um seg...
   Quando Felipe se virou ja era tarde demais para perceber que aquele não era Breno. Quase tarde demais para desviar de uma adaga com lâmina negra indo ao encontro de seu peito. E Felipe não teria desviado mesmo, se não fosse pelo vulto mais rápido e calculista que o mundo já vira, que ,numa distância de cinco centímetros do peito de Felipe, conseguiu retirar a adaga das mãos de uma figura assustadoramente estranha, com uma máscara de madeira feita a mão ilustrando uma careta que faria qualquer bebê (ou adolescente chorão) se borrar.
  A sombra voadora fez uma curva e, com outro rasante, perfurou o peito do mascarado, fazendo o corpo dele estremecer, assim como a água faz quando uma pedra é arremessada, e finalmente sumir.
  O vulto fez novamente um rasante, deixando cair no colo de Felipe uma bolinha de papel, e se pôs a voar em direção á lua.
  Felipe até pensou em ver o que havia no papel, mas ouviu mais passos vindo em sua direção e resolveu correr para entre as árvores.
  Ele lembrava cada caminho como se ainda fosse o garotinho sorridente. Cada curva, raiz e galho. Só se sentia tão em casa em seu quarto e naquela floresta.
  O problema é que o perseguidor, aparentemente, também se sentia assim. Os passos dele se aproximavam  numa velocidade absurda, e Felipe já estava ficando cansado de tanto correr, desmaiar e repetir o processo. Se continuasse correndo,poderia acrescentar mais um ciclo para a conta, e ele não estava determinado a fazer isso.
  De repente os passos cessaram. Felipe não sabia reconhecer se era um bom ou mal sinal, e também não ficaria lá para descobrir.
  Acelerou os passos ainda mais olhando para trás para ver se já havia tomado uma boa distância, quando bateu contra um objeto sólido a sua frente. E não era uma árvore.
  Ele já estava rezando para o Vulto Acrobata fazer mais uma manobra heróica quando percebeu que não se tratava de um dos mascarados. Era só Breno,  o sequestrador, fazendo o famoso sinal do silêncio com o dedo indicador nos lábios.
  - O que você está fazendo aqui?!
  - Salvando a sua vida,  pra variar. E você tá ai, fazendo escândalos, pra variar.
  Um grupo de árvores começou a cair á uns metros dali. Seja lá o que for que estava seguindo os dois, era forte. Ou um grupo forte.
  - Achei que tivesse fugido dos passos. Como eles me encontram?
  -Os passos que você ouviu eram meus. Esses estavam logo atrás de mim.
  - Quer dizer que foi você que parou do nada e depois apareceu na minha frente?
  - É, isso. Agora pra trás de mim, e se prepara pra correr.
  Breno puxou de suas costas um arco de madeira e várias flechas decoradas com penas azuis e vermelhas, iguais as de uma arara. Ele mirou na direção de uma árvore e atirou. Felipe assistiu as flechas voarem em direção a árvore mas, no meio do trajeto, as flechas sumiram na escuridão.
  - Por que você mirou naquela árvore? Seja lá o que é está atrás de umas vinte árvores, é impossível você...
  - A pergunta mesmo é POR QUE VOCÊ AINDA ESTÁ PARADO AI E NÃO ESTÁ CORRENDO?!
  Felipe não sabia se dava um soco na cara de Breno ou se o obedecia. Como sabia qual seria a consequência preferiu optar pela segunda opção. Os dois correram mais quinze metros até Breno segurar o braço de Felipe e arrastá- lo para trás novamente dizendo " acho que já está bom. Vem, vamos voltar".
  Felipe decidiu não questionar, só seguir as instruções de Breno e viver por mais uns três minutos. Tomaram o caminho inverso que seguiam, porém mais a direita. Passariam bem do lado dos perseguidores em poucos minutos.
Estavam a cinco metros: Felipe podia ver o que pareciam tochas nas mãos de um grupo de oito mascarados. Três metros: os dois seguiam incessantes a corrida, Felipe estava preparado para ser visto e, ocasionalmente, morto.
  Finalmente ficaram lado a lado. O tempo pareceu desacelerar naquele momento. Se encontravam exatamente na região em que Breno haviam disparado as flechas que, como mágica, apareceram de repente no ar, como se estivessem sido recém- disparadas. Estavam perfeitamente alinhadas para acertar partes vitais dos corpos dos mascarados, incluindo alguns bônus como pernas, braços e... Lugares mais dolorosos.
  Quando os mascarados perceberem que os meninos estavam logo ao lado deles o tempo voltou a fluir normalmente, as flechas atravessaram seus alvos na mesma velocidade que uma bala faria. Agora a árvore, que antes era o alvo de Breno, se encontrava cravejada de flechas, pois os mascarados já haviam desaparecido assim como o primeiro, que foi morto pelo vulto.
  Se afastaram mais alguns metros da floresta  e depois pararam para recuperar o fôlego.
  - Tá legal, como você fez aquilo?
  - Aquilo...?
  - Fala sério, você parou de me seguir do nada e depois apareceu logo na minha frente e também atirou àquelas flechas e depois de uns cinco ou seis minutos elas ainda estavam lá, preparadas pra acertar os caras de máscara. Era como se você tivesse acabado de disparar.
  - Se você não fosse um bebê chorão e ouvisse tudo o que sua avó tinha pra dizer você saberia.
  - Você tá falando sério mesmo? Sem brincadeira?
  - Quando inventarem um jeito de falar sério de brincadeira eu posso tentar praticar. Toma - disse Breno, tirando de sua mochila o livro que Felipe havia jogado no chão - tudo o que precisa saber está escrito ai.
  Felipe sabia que Breno estava certo. Não havia outra explicação para tudo aquilo que aconteceu. O que ele precisava fazer era aceitar e começar a ler.
  - Vem, você pode começar a ler no caminho. Não vai ser seguro ficar na cabana, agora que sabem que nós estamos aqui.
  - E pra onde a gente vai?
  - Vamos ver uns.. amigos.
  Encarar aquele livro era difícil, era o mesmo que gritar ao mundo " Eu acredito no Papai Noel" e sair saltitando. Mas, com certeza, isso era bem pior do que receber um presente ruim de Natal. O livro " Acacium", que Felipe segurava entre os braços, estava prestes a mostrar isso.
 
 

 O Chamado do Vento UivanteOnde histórias criam vida. Descubra agora