Foi um baque terrível.
Felipe precisou se esforçar muito para manter- se acordado.
Os três foram caindo, de galho em galho, até atingir o chão. A dor era insuportável e o cansaço predominante. Passaram-se três minutos para que Felipe conseguisse se movimentar novamente.
- Vocês estão bem?
Felipe ainda possuía a visão turva, mas conseguia enxergar Breno desacordado no chão e Teresa se apoiada aos braços, tentando se levantar.
- O que ... O que está acontecendo?
Teresa estava ofegante e confusa. Felipe deduziu que ela não possuía consciência do que havia feito a pouco.
- Está tudo bem. O perigo já passou. O que precisamos agora é nos abrigar em algum lugar...
Felipe se levantou. Ofereceu ajuda à Teresa para se levantar (atitude muito difícil tomando da parte dele) e examinou o redor.
Estavam em algum lugar ao sul da caverna (que podia ser vista ao longe, sob uma elevada rocha), cercados por árvores e arbustos. Totalmente igual ao resto da cidade.
- Escapamos da morte certa!
- Eu não estou entendendo... Estávamos no auditório... Houve um... Apagão e...
Felipe suspirou. Será que Breno se sentia tão cansado de explicar o inexplicável tanto quanto ele? Ao julgar pelo mau humor corriqueiro, a resposta era previsível...
- Você foi raptada. Muitos alunos mais foram. Eu vim salvar vocês, mas...
Dizer aquilo doeu. Felipe não conseguia parar de pensar no que aconteceria com seus colegas que ainda estavam presos, a mercê dos planos e vontades das sombras e do menino fantasma. Seus olhos encheram d'água.
Foi quando Teresa o abraçou.
- Está tudo bem. Você foi incrível, só por ter a coragem de tentar. Vamos encontrá-los e resolver tudo.
A menina confusa e assustada parecia ter sumido. Agora Felipe sentia em torno de si o mesmo abraço confortável e seguro que recebera em toda sua infância.
Teresa o largou rapidamente.
- M- me desculpa. Eu...
- Obrigado. Eu tava precisando disso...
Ela desviou o olhar e sorriu.
- Sei que está cansada, mas você consegue me ajudar a levantar esse cara aqui?
Felipe envolveu o braço de Breno em seu pescoço e o ergueu do chão. Teresa fez o mesmo com o outro braço e os dois se prepararam para caminhar.
Foi quando uma explosão de chamas monstruosa irrompeu. Vinha da mesma direção em que os três haviam escapado a pouco.
- Isso só pode ser brincadeira.
As chamas cobriam a Pedra Grande por inteiro, crepitando ao longe. Porém, era possível observar uma trilha de chamas deslisando, em ziguezague, na direção em que os três se encontravam.
Felipe mal pode observar o que exatamente era a trilha de chamas que descia a pedra quando gritou: CORRE!Felipe e Teresa fizeram o máximo que podiam. Davam passos descoordenados, tropeçando em pedras e galhos no caminho. O corpo de Breno era muito pesado, balançava e escorregava, dificultando ainda mais a deslocação.
Felipe ocasionalmente olhava para trás, desesperado, tentando localizar as chamas andantes que os perseguiam. Ele só conseguia ver uma luz intensa por entre as árvores e o rastro de fumaça subindo...
- PARA, PARA!
Se não fosse por Teresa, Felipe daria de cara com uma cerca de arames farpados, coberta por plantas, porém, ainda perigoso.
A cerca se estendia pelo horizonte, da direita para a esquerda. Estavam encurralados.
- O que vamos fazer?! Está se aproximando...
- Se esconde aqui atrás dessa árvore. Eu vou tentar atrasar essa coisa. Quando ela estiver...
Do meio das árvores saltou uma gigantesca serpente banhada em chamas. Era quase impossível encarar o mostro, sua luz azul era tão brilhante quanto o sol (o pavor também era um fator muito considerável). Era apenas possível ver suas presas grandes e afiadas como lanças.
A serpente encarou os três, atenta, com sua língua sibilante dançando no mesmo ritmo das chamas.
- KAÎ.
A clava de Felipe irrompeu em chamas. O menino não sabia se era uma boa ideia combater uma serpente flamejante gigante com mais fogo, mas essa era sua única arma.
- Teresa, se você conseguir usar seus poderes novamente, a hora é agora...
- Do que você está falando?!
- CUIDADO!
A cobra avançou. Felipe empurrou Teresa e Breno para longe e se jogou na direção oposta, fazendo o animal investir contra o vento, segundo em direção a cerca.
Felipe ainda estava exausto e machucado de sua luta anterior, sua confiança também havia sido danificada. Seus super reflexos e seu salto não respondiam.
A serpente se recuperou do impacto contra a grade, se enrolou num alto Pinheiro e investiu novamente. Dessa vez Felipe não pôde desviar totalmente, queimando de raspão seu braço esquerdo. As chamas azuis mal haviam encostado, mas o calor era tão forte quanto o de uma explosão.
- Aaaaaargh!
- FELIPE!
- CAI FORA DAQUI! ELA ESTÁ MIRANDO EM MIM!
- Eu não...
A serpente contornou os três com seu imenso corpo. As chamas aumentaram a intensidade, fazendo Felipe se aproximar cada vez mais de Teresa e Breno.
A serpente ergueu-se, imponente, preparada para o bote final.
Ela avançou. Foi nesse instante que o braço direito de Breno se ergueu contra a face da serpente. O movimento fez com que uma espécie de bolha se expandisse de Breno, cobrindo todos numa área de 5 metros, aproximadamente.
Tudo dentro da bolha parou. As chamas, a serpente, o corpo de Felipe e Teresa... Tudo congelou.
Breno foi o único capaz de se movimentar na bolha. Com um pouco de esforço, ele se apoiou ao chão com seus próprios pés, limpou a testa suada e massageou o próprio peitoral.
Magicamente, os cortes e feridas em seu corpo foram desaparecendo. O mesmo aconteceu quando Breno tocou o ombro das duas estatuas apavoradas que o cercava. O braço queimado de Felipe parecia intacto, assim como todo o resto.
Então Breno segurou a mão de Felipe e Teresa e pôs-se a correr para longe da cobra flamejante.
No exato momento em que cruzaram o limite da "bolha", tudo retornou ao normal (se é que essa escala ainda existe), os gritos, o vento, as chamas, a investida da serpente...
Felipe acompanhava os passos de Breno, ainda sendo segurado por ele. Haviam momentos durante a corrida em que o mundo... saltava para frente. O chão se tornava uma espécie de esteira que impulsionava os três para frente.
Felipe se lembrou dos momentos em que via Breno se "teleportar" quando corria ou andava rapidamente. Agora ele sabia qual era a sensação.
- Caramba, isso aqui tá... A gente tá...
Os três abriram uma boa distância da serpente (que persistia na perseguição), quando fizeram uma pausa. Breno parecia exausto novamente, enquanto Felipe e Teresa estavam mais revigorados do que nunca. Nem sequer ofegavam.
- Vocês... Estão... Ok?
- Breno! Cara, isso foi incrível! Você sempre soube fazer essa coi...
Felipe mal pôde terminar a frase quando Breno curvou- se para frente. Ele abraçava o próprio abdômen e tossia freneticamente.
Felipe e Teresa foram socorre-lo mas foram impedidos pelo próprio Breno, que estendeu a mão.
- Lembra quando te contamos sobre O Segredo? Que cada um possui uma habilidade, um domínio sobre algo específico...?
-Você cura e se teleporta?!
-Aquilo era uma cobra gigante?!
Breno enrugou a face novamente, dobrando- se e tossindo.
- Não... Podemos... O monstro ainda...
- Sim... Ele está vindo. Mas você não parece ter se recuperado tão bem quanto nós. Me diga o que fazer e descanse, Teresa vai cuidar de você.
- Não toque... nas chamas. E não encare os olhos, nem por um instante.
- Você já conhece esse bicho?
- Eu ainda não... Acredito que não leu... Acacium...
- Tá, tá. Ler todo o livro. Mais alguma coisa?
- Toma cuidado.
" Você é tudo o que os dois tem no momento. Esqueça seus medos, pelo menos por agora." Valeu, voz sábia da mente. Felipe sabia daquilo, os três sabiam. Mais uma vez, Felipe era a única aposta válida, mesmo sendo totalmente inexperiente e frágil.
- Ok, se esse vai ser o jogo, vamos jogar direito.
Felipe respirou fundo. Invocou seus poderes (ainda era difícil, mas Felipe já estava pegando o jeito) e as chamas da clava.
"Beleza Felipe, pense. Como vencer uma serpente gigante em chamas (sem ferrar tudo novamente)?"
Felipe olhou para as árvores ao redor, eram altas e robustas. A idéia veio automaticamente na mente de Felipe.
Ele preparou seu super salto e escalou uma delas até a copa, que era um pouquinho maior que a própria serpente, quando se levantava para dar botes. De lá pôde ver ela se aproximando, feroz, contornando as árvores sem siquer queimar uma. Parecia que as chamas escolhiam o que iria ser consumido.
Felipe gritou e balançou a clave sobre sua cabeça, para chamar atenção da cobra. É, funcionou.
Ela parou sua trajetória e levantou sua cabeça na direção de Felipe, exibindo suas presas.
"Não olha nos olhos!"
Felipe focou no tronco do animal. Ele se enrolava como uma mola, para suspender a cabeça da serpente. Seria perigoso manter o corpo perto de Breno e Teresa...
A cobra atacou. Felipe aproveitou a distância entre eles para se prontificar a se mover mais rápido. Saltou para a árvore mais próxima, gritando e sacudindo o bastão novamente.
- Hey peçonhenta! Sua mãe é uma minhoca!
A cobra atacou novamente, dessa vez cravando suas presas no tronco da árvore, segundos depois de Felipe saltar novamente.
- Errrou!
A serpente esmagou a árvore com as presas e se preparou novamente.
- Ééé, tá pegando fogo bicho!
As piadinhas não eram o suficiente para extinguir o medo em Felipe, mas é sempre mais fácil lidar com qualquer coisa assustadora usando pérolas de um apresentador de programa de auditório.
A serpente estava se irritando cada vez mais. Seus ataques eram cada vez mais fluidos, rápidos, porém menos calculados.
Felipe se posicionou na árvore mais próxima. Não dava para ficar brincando a noite toda...
- Acho que tenho que arriscar...
Felipe pulou o mais alto que conseguia, deu três giros no ar e preparou sua clava para acertar a cabeça da serpente.
Como instinto, a serpente levantou a face e encarou Felipe com seus olhos gigantescos, profundos e flamejantes.
"Me ajude... Por favor!"
Tudo estava escuro. A floresta silenciosa como sempre. Felipe rastejava por entre as árvores e arbustos, como toda noite. Tudo parecia certo, até um relâmpago cair num dos mais antigos Jequitibás brancos da área, queimando totalmente sua copa.
Do ponto em que o raio caiu, havia agora um homem agachado, com cabelos compridos dançando ao vento e um cajado em mãos. Seus olhos encaravam Felipe mortalmente, como um animal selvagem encara sua caça. Houve outro relâmpago, mas desta vez veio direto do corpo do homem, parando diretamente na frente de Felipe, como se o relâmpago fosse, na verdade, o próprio homem.
O homem não se amedrontou com as chamas de Felipe, não se preocupou em não encarar seus olhos, nem com a ameaça que Felipe fez... Ele simplesmente estendeu a mão direita sobre a face de Felipe e disse:
- A partir de hoje, meus propósitos são teus propósitos. Minhas vontades são suas prioridades e teu prazer é meu prazer. Tu não tens mais nome, passado ou objetivo, além dos meus.
Então Felipe acordou. Estava caindo direto para a boca da serpente. Não havia como desviar...
- Peguei!
Uma mão gigante e meio enrugada envolvia Felipe. Ao mesmo tempo, um homem voador e cintilante dava socos absurdamente fortes na serpente, sem se importar com as chamas azuis.
Felipe foi posto ao chão. Lá estavam Breno, Teresa, um desacordado Sr. Bezerra (com seu Nintendo em mãos) e as mãos gigantes de um velho Marcos gigante, com Nady em seu ombro direito, como um papagaio empoleirado.
- Eu sabia que não era uma boa ideia deixar as crianças irem para a morte certa tão cedo. Não aguentam nem um Boitatá...
- Cala a boca Marcos. Eles se sairam mil vezes melhor do que você se sairia sozinho, seu velho babão!
O Marcos gigante limpou Nady do seu ombro.
O homem brilhante nocauteou a serpente e voou em direção ao corpo de Sr. Bezerra, possuindo o mesmo.
- Uhuuuuuul!! É DISSO QUE EU TO FALANDO... AAAAI MINHA COLUNA!
- Crianças, vocês estão bem?
Felipe não podia acreditar. Era incrível, como ver a liga da justiça da terceira idade em ação, depois da aposentadoria...
- Breno está meio...
Havia sangue escorrendo do canto dos lábios de Breno, seus olhos estavam meio vagos e pesados.
- Ok, deixa ele comigo. Temos que ir logo, o Boitatá não fica muito tempo no chão. Além do mais, estão nos esperando no Refúgio...
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O Chamado do Vento Uivante
Adventure" Quando se recebe um dever do destino, é necessário atendê-lo. Quando o vento uivante sopra, é seu dever escutar." O Brasil esconde diversos segredos, dos seus tempos mais antigos até os atuais. Um problema foi causado por conta de um desses segr...