Confinados

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  - ESSA MERDA VAI VIRAR!
Felipe realmente esperava que Nady estivesse errada.
  Todos se encontravam num bote, atravessando o raso Lago das Carpas.
  Felipe observava Teresa (desviando o olhar quando notava o mesmo acontecer com ele). Ela estava encolhida, com um olhar assustado... exatamente como Felipe se sentia a todo momento, mas se esforçava para demonstrar o contrário.
  - Ei... tá tudo bem agora. Estamos indo para um lugar seguro...
  Ela sorriu, mas logo retornou a expressão assustada.
  - ... Valeu... Você foi incrível lá. De verdade.
  - Humpf.
  - Eu tô falando sério. Eu sei que você está morrendo de medo também. Mas você foi contra tudo, só para proteger seu amigo... E me proteger.
  Felipe não conseguiu continuar a conversa. Talvez a única coisa mais dolorosa que todos os machucados que ele havia sofrido, era essa situação. E estar preso a isso era horrível.
  - Mas você também...
  - Estamos chegando!
  Marcos estava na extremidade do bote, guiando-o na direção de várias Taboas emergindo do fundo das águas. Não parecia haver nada após elas, nem motivos para seguir aquele sentido mas o bote manteve seu rumo.
  As Taboas impediam de ver qualquer coisa. Elas farfalhavam e batiam de maneira irritante no rosto de Felipe. Não demorou mais de um minuto para que o bote travessasse a cortina de Taboas e revelasse uma cena fantástica: havia um arco largo feito de Baronesas entrelaçadas, ilhas imensas de Alfaces D'água sustentando imensas e belas Ocas. O lago se transformava numa espécie de cidade flutuante, com Vitórias Régias  por todos os lados.
  O Sol se levantava, iluminando a copa das árvores ao longe, a névoa densa que cobria as construções e o rosto de diversas pessoas que olhavam, curiosas, para o bote que vinha chegando.
  Eram crianças, idosos, homens, mulheres... Todos eles silenciosos e atentos.
  - Fiquem calmos, eles só estão... curiosos. Somos os primeiros humanos a visitar a aldeia a um bom tempo.
  - Séculos- disse Sr. Bezerra.
  O barco parou em frente a maior das Vitórias Régias, que sustentava uma espécie de praça, com uma Oca gigantesca ao fundo. Dela saia um grupo de homens extremamente musculosos e com saiotes com mosaicos no estilo africano. Importante relatar que todos eles possuíam apenas uma perna.
  - Eles são...
  - São Sacis. Mas pode ficar tranquilo, são da espécie mais amigável.
  - Menos as crianças. Eles são verdadeiras pestes!- Nady disse com o canto da boca.
  Entre os homens havia uma jovem com duas pernas, uma das mulheres mais belas que Felipe já vira na vida. Ela tinha o cabelo cacheado e volumoso, pele morena e olhos da cor de mel, vibrantes e vivos. Ela caminhava imponente, com roupas no tom vermelho e vinho, várias pulseiras e brincos de argola. Ela parecia uma cigana.
  - Vejo que conseguiram recuperar os jovens que falaram.
  - Precisamos de ajuda, um deles está ferido!
  A moça olhou para Breno, analisando-o. Acenou com a mão e, no mesmo instante, três homens avançaram em pequenos tornados para a direção do bote e apanharam Breno cuidadosamente.
  - Ele vai ficar bem?
  - Veremos. Garanto que ele receberá um atendimento muito mais capacitado que a medicina tola e ignorante que vocês humanos utilizam.
  Felipe não pode deixar de notar que a moça olhava para eles muito relutante. Ela parecia tensa, em alerta. O menino teve medo de descer do bote e acabar recebendo um soco na cara.
  - Hum... Nady. Eu não estou vendo minha avó, minha mãe nem Will. Eles estão...
  - ...Ali em cima.
  Do alto de uma árvore gigante havia uma gaiola de passarinho dourada, no tamanho Extra G, abrigando duas mulheres e um jovem- adulto barulhento.
  - Hey, Felipe! Aqui em cima! Você tá vivo cara, isso é ótimo!
  - Mas... Ele... Mamãe...
  - Filho, você está bem? Se machucou? Por favor, me deixem vê-lo- disse Luiza, se revelando entre outras frestas da gaiola.
  - Olá, querido. Estamos bem! Eu estou aqui pois não poderia permitir que Luiza e o rapaz ficassem aqui sozinhos...
  -  Senhorita Luiza? Dona Nana? São mesmo vocês?
  - Teresa, querida! A quanto tempo não te vejo! Está tão bela...- Nana sorriu ao olhar para a garota.
  Felipe se voltou, irritado, para a mulher a sua frente.
   - Vocês prenderam minha mãe, minha avó e meu amigo numa GAIOLA?
  A morena encarou Teresa, analisando-a e, enfim disse:
  - Prendam a garota também.
  Felipe se colocou entre ela e os dois soldados super bombados da mulher (talvez mais assustadores que uma serpente em chamas).
  - Felipe... Tudo bem.
  Teresa se levantou do bote e estendeu a mão aos sacis. Nisso, uma brisa intensa começou a dançar entre as árvores, a água do lago ondulou delicadamente. A pele de Teresa clareou como algodão, assim como uma mecha de seus cabelos escuros, que dançavam na mesma coreografia que o vento propunha.
  No mesmo instante, todos os sacis e todos  os caraibanos conscientes (isso excluía Felipe, que estava claramente em um transe profundo)se curvaram para a garota, que parecia estar no mesmo estado que Felipe.
  - Me... Me perdoe, Nobre Donzela. Eu... Eu não fazia idéia...
  Teresa olhou para Felipe, um olhar que dizia "an?", E que Felipe respondeu com outro olhar dizendo " Minha filha, o An é meu".
  - Acredito que nem mesmo a menina sabia, senhorita Âmbar-  Nana ia dizendo, enquanto a árvore gigante ia pousando delicadamente a gaiola gigante no nível em que todos estavam.
  - A senhora está... A árvore tá te obedecendo?- Will perguntava, enquanto apontava freneticamente para a senhora e para a árvore.
  Nana sorriu em resposta, mas prossegui dizendo:
  - Ela é a primeira em eras, definitivamente é uma Sacerdotisa.
  - Eu sou uma Sacerdotisa?
  - Dentre as jovens mais talentosas e puras- Âmbar assumiu a palavra- a própria deusa da lua Jaci escolhe uma, que está encarregada de receber o espírito da deusa, servindo de avatar para a mesa, tendo em vista que sua presença no plano material é impossível... se quisermos sobreviver, é claro.
  "Você é uma emissária, um receptáculo para Jaci quando ela quiser se comunicar ou agir entre nós. É claro que teríamos grandes problemas se qualquer deus resolvesse interagir pessoalmente em nosso mundo..."
  Teresa já havia voltado ao normal, mas a palidez em seu rosto parecia ter piorado".
  - Fique tranquila. Iremos te ajudar em tudo o que for preciso. Venha aqui e me dê um abraço, querida.
  Teresa correu para os braços de Nana, do mesmo jeito que fazia quando era menor.
 
 
  A tarde já estava chegando ao fim. Após um bom período de descanso e recuperação, Felipe resolveu visitar sua mãe e Will na gaiola gigante, já que não eram bem vindos ao meio da população Saci.
  - Oi, gente. Vocês estão bem?
  Luísa dormia encolhida num canto da gaiola. O único acordado era Will, que bebia água em uma folha larga.
  - E ai, baixinho. É, acho que estamos... na medida do possível.
  - Eu prometo que vou tirar vocês dois daí. Eu ainda não consigo entender o porquê...
  - É porque eles são humanos.
  Das sombras, se aproximou um jovem Saci, com um olhar envergonhado e receoso. Ao deixa a luz do pôr do sol o iluminar, Felipe o reconheceu como o mesmo Saci que havia atacado o Asilo anteriormente.
  - Ei, parado aí! Eu sei quem você é.
  - Eu sei. Acredite, eu entendo sua reação. Mas é exatamente por isso que vim até aqui.
  "Eu preciso me desculpar por tudo o que eu fiz. Eu não me lembro o que exatamente, mas sei que causei problemas para vocês e seus amigos. Eu fui forçado a tudo aquilo, eu realmente não queria..."
  Os olhos do jovem se encheram d'água. Suas mãos tremiam ferozmente, assim como sua voz.
  - Ok, tudo bem. Eu acredito em você. E te perdoo. Nós notamos que você estava sem essa sua...
  - Carapuça.
  - É, isso. Mas, se você só fez tudo aquilo por obrigação, quem foi que te controlou?
  - Eu não sei. Não me lembro, na verdade. Parece que parte da ordem que recebi incluía algo como "esquecer de tudo o que foi feito". Só conheço minha participação nisso tudo pois seus amigos contataram nossa tribo, que me achou desacordado na floresta e me notificaram.
  - Quer dizer que é possível ordenar coisas desse jeito? Tão detalhado e... Uau.
  - Pois é. Terrível. É exatamente pela vasta possibilidade de ordens que eu estou sendo julgado nesse momento. Pode ser que haja alguma outra ordem sobre meu domínio no momento.
  - Wow. Isso é pesado. Até meio assustador...- Will disse, se afastando do jovem lentamente.
  - Éé... Então. Você sabe o porquê de só prenderem minha mãe e Will, e não todos nós?
  - A princesa odeia humanos. Ela tem um certo trauma em relação a eles. Há muito tempo ela se envolveu com um homem. Ele dizia amá-la, e a fez fugir da tribo para viver com ele.
  "Durante a noite, enquanto ela dormia, ele roubou sua carapuça e a fez prisioneira por anos. Quando ela resistia às vontades dele (coisa que só ela em toda a história foi capaz de fazer) ele a aprisionou numa garrafa por anos".
  - E como ela escapou?
  - Ninguém sabe. Mas sabemos que ela retornou, assumiu a liderança da tribo e excluiu qualquer contato com os humanos. Claro, com excessão dos Caraibanos, que assinaram uma aliança eterna  com os Pererê.
  - É, isso explica um pouco...
  - Caramba, que barra. Como um cara foi capaz de fazer isso com uma mulher?! Ainda por cima, uma que desistiu de uma vida na realeza sobrenatural?!- Will escorregou as costas pelas grandes da gaiola.
  - Homens fazem coisas terríveis quando sentem o poder tão próximo deles.
  Felipe cerrou os punhos. Ele nunca havia pensado nesse detalhe da humanidade, pelo menos não agora que era parte de algo sobrenatural. E se, em algum momento, ele mesmo caísse na tentação do poder? O que ele seria capaz de fazer?
  - Bem, agora que me expliquei, preciso voltar à Oca de reclusão. A reunião já deve estar no fim... Me desculpe, novamente.
  O jovem Saci se afastou, sumindo por entre as várias Ocas que flutuavam no  lago.
  - Ele me pareceu muito bolado...
  - Pois é. Mas, infelizmente, o fato dele poder ainda estar sendo controlado realmente é um problema.
  - Espero que tudo fique na moral logo...
  - É... Vamos dar um jeito nisso tudo, não importa como.
 
 

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⏰ Última atualização: Jan 15, 2019 ⏰

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