Era realmente reconfortante para, Felipe, poder estar no banco da frente, desta vez.
Felipe já havia cochilado umas cinco vezes, enquanto Breno dirigia como se tivesse dormido um dia inteiro. Era incrível como ele aguentava dirigir desse jeito, mesmo depois de uma corrida mortal (com um bônus em matar sombras com máscaras).
- Ei... Obrigado por me... Por não me deixar morrer.
- Olha só, ele sabe dizer "obrigado".
- Fala sério, sabe o quão difícil é aceitar que eu tô fazendo isso? Você me sequestrou, como acha que eu ia me sentir?
- Agradecido. Ou ,no mínimo, poderia ter só ficar quieto. Teria ajudado bastante.
- Tá, tá. Me desculpa também, acho que preciso ser mais grosso e chato. Poderia me dar umas aulas?
- No quesito "chato" eu já poderia te considerar formado. Pelo visto você também precisa de aulas de leitura.
Felipe tinha esquecido completamente do livro, estava tão cansado que não conseguia ler nem as placas que passavam. E pensar que, mesmo fugindo da escola, teria um livro gigante para ler.
Foi ai que a ficha caiu. E a escola? O que faria se toda essa loucura durasse mais do que um ou dois dias? Não que ele preferisse estar lá do que numa aventura mortal, mas ainda pretendia passar de ano e, finalmente, nunca mais precisar fazer aquelas malditas contas de matemática e conseguir um emprego na Austrália.
- Ei, minha mãe vai ficar bem, quer dizer, depois do efeito passar?
- Você está, por que ela não ficaria?!
- Ok, era só pra saber mesmo. Espero que ela fique segura.
- Fica tranquilo, o que atrai os espíritos ruins são você. Na verdade sua aura, por causa de sua descendência Caraibana.
- Descendência o quê?
- Capítulo dois, página dez. Divirta-se.
Tá legal, Breno realmente queria que Felipe lesse o livro, e ele sabia que quanto mais adiasse, mais irritante e idiota ele iria aparecer.
Então, finalmente, o livro foi aberto. As páginas eram douradas, letras negras e com uma caligrafia impecável, escrita à mão.
"Capítulo um: a origem de tudo que existe"
O primeiro capítulo contava como o mundo foi criado, em detalhes muito minuciosos e concretos, como se o escritor estivesse presente durante o acontecido. Estava tudo lá, a forma como Tupã, o deus dos relâmpagos, criou a matéria a partir de duas almas, uma positiva e outra negativa, e desceu ao monte Aregúa, para criar tudo que existe, e tal.
Com tudo aquilo, o que Felipe so queria saber mesmo era "Quem escolheu o nome desse monte?".
De repente a leitura fluiu melhor, as palavras não travavam a mente. Aquilo acabou indo de uma leitura para uma conversa. Felipe começou a imaginar o cenário da história, viu o gramado se espalhando pelo chão, que antes era só... Bem... Nada.
Ver as árvores, o céu, os rios e todo o resto foi de tirar o fôlego. Toda a criação foi se espalhando pelos quatro cantos do mundo, como uma explosão de vida, levando existência até onde a visão alcançava.
Felipe se imaginou olhando ao redor de tudo aquilo, vendo cada detalhe de tudo, até dar de cara com uma figura que havia esquecido que estava lá. Foi assustadoramente incrível ver aquele ser gigante movimentar os braços como se estivesse regendo a mais bela e sagrada sinfonia, com os olhos fechados e um sorriso tênue, sincero e satisfeito.
Ao finalizar os movimentos ele olhou para cima e foi subindo, cada vez mais alto, até chegar a um ponto do céu onde conseguia ver tudo o que criou. Juntou as duas mão, próximas ao coração, e abriu novamente os braços, agora com uma luz absurdamente intensa se dividindo em cada uma das duas mãos do deus. As luzes dispararam em direções opostas até explodirem em outros dois seres.
A luz da direita se tornou um homem de pele dourada e cintilante, com um sorriso mais brilhante que tudo estampado em seu rosto. A luz da esquerda materializou- se numa mulher encantadoramente linda, com a pele morena e cabelos brancos. Ela tinha um olhar apaixonante e sereno e um sorriso com o mesmo efeito.
-Chegamos.
-An?
O que antes era uma estrada sem fim agora era um estacionamento suspeito com uma caminhonete suja de lama e um carro completamente rosa e chamativo.
- Seus amigos ficam aqui?
- Aqui é onde a gente deixa o carro pra ver meus amigos. Sabe, estacionamento e tal...
- Ok, ok.
Dessa vez Breno deu um breve riso enquanto abria a porta do carro dizendo: "você vai adorar eles".
Eles sairam do estacionamento na direção de uma das únicas construções da rua. Era um galpão consideravelmente grande, com uma pintura amarela mal cuidada e portões de grades brancas e meio enferrujadas com uma placa sobre ele contendo um sol enrugado e com uma expressão satisfeita, lendo um jornal descansando numa poltrona e também as palavras "Asilo acalento do sol".
- Seus amigos são... velhos? Tipo, os velhos que jogam xadrez, alimentam pombos e fazem tricô?
- É... quase isso ai.
O lugar parecia abandonado, totalmente silencioso ( não que Felipe estivesse esperando por um baile Funk) e tranquilo. Os dois entraram na sala de recepção e avistaram um senhor idoso sentado numa poltrona com seus olhos, quatro olhos, vidrados num...
- Aquilo é um Nintendo Switch?
- Esse é o senhor Osvaldo Bezerra.
- Maldito Lynel- exclamou o senhor ao perder uma batalha no jogo, percebendo então que já não estava sozinho na sala- Breno? Já de volta?
- Bom dia Sr. Bezerra, Dona Nady está?
- Ela deve estar no salão de Yôga. Quem é o seu amigo?
- Eu sou Felipe, é um prazer. O senhor gosta de vídeo game?
- Quem não? Devo admitir, fizeram um ótimo trabalho nesse novo Zelda...
- Desculpa, mas a gente precisa correr, depois trago Felipe para conversar melhor com o senhor...
- ELE JOGA ZELDA!
- Felipe, depois.
Os dois foram caminhando por mais corredores silenciosos, até chegarem numa sala com uma porta de correr feita de vidros coloridos em formato de flores. Felipe ouviu o som de vários sinos de vento, o que aparentemente denunciava o espaço ao ar livre que se encontrava após a porta. Felipe já não sabia o que esperar, agora a perspectiva e visão dele havia sido completamente alteradas pelas experiências recém vividas. A questão era, não importava o que fosse, Felipe tinha certeza que já não se surpreenderia.
Como de costume, ele novamente estaria enganado.
- Devo dizer que antes de entrarmos, você vai precisar procurar na sua cabeça oca o mínimo de educação e gentileza que você tiver. Quem você vai conhecer agora é uma pessoa muito séria e importante e que vai ser a responsável pelo seu teste.
- M-meu... teste?
As portas se abriram. Atrás delas se encontrava uma senhora nos seus sessenta e poucos anos de idade, usando uma roupa de ginástica completamente rosa, num tom berrante, e de cabelos roxo. Ela estava de costas, dançando loucamente ao som de Cláudia Leite e segurando em sua mão direita uma caneca personalizada dizendo " Confia na mamãe".
- Séria e importante você disse né?
A senhora se deu conta de que estava em companhia, pondo- se a dançar e remexer ainda mais enquanto caminhava na direção dos dois.
- Cabeluuudo, bom te ver novamente. Parece que o trabalho dessa vez demorou um pouco hein- então ela encarou Felipe com um sorriso- mas obviamente valeu a pena. Meu nome é Nady, toca ai.
Os três se sentaram ao redor de uma mesinha circular, cada um com sua caneca em mãos contendo uma boa dose de Nescau em cada uma.
- Então, você ja sabe por que está aqui?
- Ham, não exatamente. Acho que é por que minha aura atrai monstros, ou algo assim.
- Éé, já é um começo.
- Ele já tem uma idéia básica da verdade -Disse Breno enquanto tornava a afiar sua adaga.
- Ele sabe o equivalente ao SEU básico ou ao básico "Ah beleza, agora entendi".
- Definitivamente o primeiro -Disse Felipe.
- Entendi. Seguinte, eu vou fazer uma parada muito louca com você agora. Preciso que você relaxe e confie na titia aqui.
- Eu vou esperar os dois lá fora, ok?- Breno se levantou e caminhou em direção á porta. Enquanto as fechava, Felipe pode ver um olhar de ansiedade e esperança, como se Breno estivesse sedento por uma coisa que a muito tempo esperava.
Com um estrondo, Nady pôs o seu braço direito sobre a mesa, apoiando seu cotovelo.
" Imagino que já conheça esse joguinho. Vamos ver o quão forte você é".
- Tá me convidando pra uma queda de braço?
- Exatamente. Vem com tudo.
E lá se foi Felipe, jogar com uma senhora vida louca e se submeter a mais uma experiência que, inevitavelmente, iria acabar com (pelo menos) alguém pegando fogo.
- Ah beleza, vamos jogar.
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O Chamado do Vento Uivante
Adventure" Quando se recebe um dever do destino, é necessário atendê-lo. Quando o vento uivante sopra, é seu dever escutar." O Brasil esconde diversos segredos, dos seus tempos mais antigos até os atuais. Um problema foi causado por conta de um desses segr...