Alice saiu de seu apartamento na mesma hora que seu mais novo vizinho de porta.
O rapaz a fitou com a expressão estática, sem esboçar um sorriso. Alice viu nos olhos castanhos uma sombra familiar que a acompanhava todas as manhãs, quando se olhava no espelho rachado do quarto compartilhado com a irmã. Tristeza, medo, incerteza e muitas dúvidas. Mas nenhuma centelha de esperança.
Isso Alice não poderia se queixar de que não tivesse. Era um sentimento soberbo e maldoso, que não a fazia desistir deste mundo cruel e confuso. Por que a mandava seguir em frente para tropeçar e cair mais uma vez? Seus joelhos já estavam puídos de feridas, a alma carregava cicatrizes tão profundas que nem o mais poderoso dos amores poderia curar. Estava quebrada e ninguém poderia consertar seus pedaços desmontados; a figura completa do quebra-cabeça sumira há muito tempo.
— Por que começou a fumar? — ela perguntou de repente, quando o rapaz soltou uma baforada do seu cigarro.
Ele ficou surpreso pelo início da conversa.
— Era uma brincadeira entre amigos, mas acho que me viciei — deu de ombros.
— Por que você deixou se viciar? Li em uma matéria que as pessoas que experimentavam drogas não ficavam dependentes daquilo, elas que se deixavam levar para esse caminho.
Até Alice ficara surpresa com seu surto de palavras. Fazia um bom tempo que não escutava sua voz por segundos incontáveis. Seu vizinho, no entanto, não a escutara vez alguma. Não queria conversar e estava incomodado por ter descoberto uma vizinha tagarela.
Mal sabia ele...
— Tanta coisa melhor para se viciar — Alice continuou, diante do silêncio do rapaz.
Ele arqueou uma sobrancelha, curioso.
— Como o quê, por exemplo?
Alice pensou um pouco e respondeu sorridente:
— Livros! Eles são tão viciantes quanto as drogas. Também te fazem viajar e ter sensações, mas são mais saudáveis que um cigarro, com certeza!
— Me soa como uma via de escape de uma vida solitária.
— Não estou passando pela melhor fase no momento — respondeu, encabulada.
— Com o quê uma pessoa como você poderia sofrer? — O olhar crítico desceu pelas roupas caras da menina. — Não passa fome, tem um lar, não está doente...
— A pior doença é a da alma. Ninguém pode te resgatar dela, a não ser você mesmo.
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Caixinha de Sonhos da Alice
PoetryUm conjunto de pensamentos de uma menina chamada Alice, mantidos dentro de uma caixinha infinita de sonhos. Postagens diárias.