Capítulo 1

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Em viagem de férias pelos estados do Nordeste brasileiro, eu e minha mulher, Vitória, visitamos a pequena cidade de Angelin, onde passa o rio Canhoto, perto de Garanhuns, no estado de Pernambuco, quase divisa com o estado de Alagoas. Lá, conhecemos a senhora Custódia, mãe de cinco filhas, todas com nomes de pedras preciosas: Esmeralda, Ametista, Turmalina, Safira e Agatha. A mais velha era Esmeralda, com dezessete anos; e a mais nova, Agatha, com onze. Ametista e Turmalina eram gêmeas, com quase dezesseis anos, e Safira estava com treze.

Muito pobre e viúva, Custódia perdeu o marido em um acidente na pedreira onde trabalhava, quando uma enorme pedra caiu sobre ele. Não deixou pensão por morte, pois era um simples prestador de serviço sem vínculo empregatício e sem pagar previdência social. A família vivia do que plantava e de poucos animais que criava para o abate, como porcos e galinhas. Tinha um pequeno sítio, cujo produto servia de alimento para ela e suas cinco filhas. O excedente, vendia uma parte e trocava outra por gêneros de primeira necessidade: pão, farinha, calçados e roupas.

Ao saber que éramos um casal sem filhos e morávamos no Rio de Janeiro, Custódia nos pediu, pelo amor de Deus que trouxéssemos conosco a menina Safira.

– Ela sabe fazer todos os serviços domésticos e é muito prestativa – disse a mãe. – Pode ser de muita serventia para o casal. Não precisa pagar salário. Basta que ela possa estudar em uma boa escola. Assim estarão ajudando a ela e a mim também – concluiu a mãe.

Dona Custódia nos disse que Safira era a mais inteligente de suas filhas, que já estava ficando mocinha e tinha necessidades que ela (a mãe) não podia satisfazer. Eram todas alfabetizadas. Isso, para as outras, já era o suficiente, mas Safira era muito questionadora e precisava ir mais além na escola.

Oferecemos algum dinheiro à senhora, que não queria aceitar, mas sua necessidade a obrigou., e trouxemos a menina.

Safira era muito calada e introvertida. Tinha cabelos castanhos, lisos e longos.

No caminho para casa, fiz o trajeto passando, propositalmente por Salvador, na Bahia, para que Safira visse as praias. Perguntei se ela queria que fechássemos os vidros e se o vento a estava incomodando. Ela disse não com o movimento da cabeça. Deslumbrava-se com a paisagem e as praias. Olhava tudo. Seus olhos grandes e bonitos brilhavam, mas ela não emitia uma palavra.

– Você está achando bonitas as praias? – perguntou Vitória.

Safira respondeu com um "sim", apenas balançando a cabeça.

– Vou te levar para passear pelas praias do Rio de Janeiro. Você vai gostar? – insistiu minha mulher, e recebeu mais um sim com a cabeça, como resposta.

Quando comecei a sentir que o vento do mar estava muito frio, fechei os vidros do carro. A partir daí, eu e Vitória percebemos que Safira estava agitada. Sua respiração se acelerou, como se estivesse com falta de ar. Nesse momento sentimos alguma coisa bater no carro. Pensamos ter sido algum pedaço de madeira ou pedra que estava na estrada e a roda do carro tivesse jogado contra a lataria, mas logo em seguida vieram duas batidas.

– Isso foi pedrada – falei para minha mulher, enquanto encostava o carro junto à calçada.

Saí do carro e constatei três amassados na lataria do veículo, bem no meio da porta traseira, onde estava a menina. Olhei em volta para ver se via algum moleque por perto. As pedras bateram no lado do carro que ficava voltado para a praia, poderiam ter vindo da areia, onde era fácil alguém se esconder. Atravessei a rua, fui até lá e não vi ninguém suspeito. Estávamos passando por Itapoá. Normalmente, ali há muitas crianças nas ruas e nas praias por causa dos turistas. Seria difícil flagrar algum moleque na areia, pois eles sabiam como se esconder. Era uma tarde fria de julho e as praias estavam praticamente desertas. Poucos casais passeavam na beira da praia. Voltei para o carro. Assim que entrei, ouvi, pela primeira vez, a voz de Safira.

– O senhor poderia abrir os vidros? – pediu, timidamente.

Eu já estava mesmo com calor, devido aos últimos acontecimentos. Desci os vidros das janelas até o meio, e vi que Safira se tranqüilizou. Retomei a viagem de volta para casa.

A MENINA QUE ATIRAVA PEDRASOnde histórias criam vida. Descubra agora