PARTE I - FROM EDEN

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Podemos comer as frutas de qualquer árvore, menos a fruta da árvore que fica no meio do jardim. Deus nos disse que não devemos comer dessa fruta, nem tocar nela. Se fizermos isso, morreremos.

Gênesis 3:2b-3 (NTLH)

...

ANO 2037.

Yago nasceu gay.

Note bem: Yago não se tornou gay e nem virou gay.

Ele nasceu gay. Assim, bem interessado em homens mesmo.

O jovem passou vinte anos e alguns meses da sua vida se escondendo. Retraindo quem era. Mesmo quando entrou na maioridade - que, no Brasil, ainda concedia alguns direitos privilegiados, ainda mais para ele, que era homem -, o garoto não pôde se assumir. Não era seguro. O Brasil que ele vivia não era mais o mesmo ambiente que era há vinte anos atrás.

Não que o Brasil tivesse sido algum dia um território seguro para pessoas LGBTQ. Claro que não. Nenhum lugar no planeta parecia ser seguro, aliás.

Tudo era pior agora, porém. Os fundamentalistas tinham conquistado o congresso, comandado tudo e transformado o lugar em seu jogo de xadrez. Bala e Bíblia. Não havia mais política ou democracia. Havia apenas um ideal comum que "unia" o Brasil: a família e a religião.

Os considerados "diferentes" podiam ser mortos nas ruas, desde que aquilo não entrasse nas casas e destruísse as famílias. A família era o topo do suprassumo social, e deveria ser protegida de qualquer maneira.

E isso não era apenas no Brasil.

Era nos Estados Unidos. Era na Bélgica. Era na Alemanha.

Eram nas potências mundiais. Todas elas. Sejam grandes ou pequenas. Todas ajoelhadas perante um livro preto escrito há mais de dois milênios - e que ninguém entendera, de fato, qual era o real significado.

Começou na Rússia. Propagandas Anti-LGBT. Leis mais e mais duras para os que se assumiam homossexuais - ou transexuais, ou bissexuais e afins. Logo isso chegou em outros países. Foi como uma revolução que começou com burburinhos em bares, passou para mensagens de ódio veladas, violências locais e, depois, apoio nacional generalizado.

O ódio se disseminou como uma epidemia. E, logo, tudo estava fora de controle.

Era neste contexto que Yago, um simples jovem gay, nasceu. E para ele, talvez, fosse um pouco pior: o mesmo era filho de um dos maiores políticos fundamentalistas de Brasília, além de uma referência nacional e figura pública declarada.

Ele buscava sempre ser o filho perfeito que seu pai queria, por meio de sobrevivência, talvez. Só que, mesmo assim, algumas vezes por mês - normalmente duas - ele se aventurava em bares de esquina por fora do Planalto Central. Ele sabia que por ali os bares eram, na realidade, saunas onde a polícia não passava, e que se tornara o point LGBT do estado. Os assumidos, os enrustidos e os que só queriam aproveitar de um momento ou outro de liberdade apareciam por ali todos os dias, a partir das 17h.

Era perigoso ser gay ali. Com a pena de morte finalmente instaurada no Brasil - além da Lei de Limpeza, que permitia que um familiar matasse algum parente que fosse descoberto homossexual -, era fácil para o governo achar brechas para mandar qualquer um para a cadeira elétrica por crime de Sodomia.

Yago era sempre cuidadoso. Sabia que por ser filho de uma figura pública o seu rosto era conhecido por ali. Ele poderia ser facilmente reconhecido e, por isso, tinha que tomar cuidado sempre que passava pelo local.

E ele sempre foi, de fato, cuidadoso.

Menos em um dia.

Quatro horas depois o seu rosto estava estampado em todos os jornais importantes do Brasil e da América.

No mesmo dia o seu pai, que pregava que a família era a base da sociedade e que o amor era a "cola que mantinha todos unidos", deu-lhe uma surra que o fez perder a visão de um olho.

Desamparado, machucado e impossibilitado de andar, ele foi expulso e jogado na sarjeta, sendo deixado para viver pela própria sorte.

Algumas horas depois Yago foi brutalmente assassinado por dois cantores da igreja, a mesma que ficava há poucos metros de onde o jovem estava jogado. Eles estavam caminhando em direção ao templo, prontos para mais um dia de ministração do louvor e, quando viram o jovem, reconheceram-no na hora dos jornais. Seus chutes quebraram vários ossos do jovem, que não resistiu aos ferimentos.

Yago foi apenas um. Todos os dias, por semanas, meses e anos, homens e mulheres como Yago morriam apenas por serem quem são. Alguns escancaradamente assumidos, outros em seus cantos. Ambos vivendo de maneira a não incomodar ninguém.

Mortos.

E tudo ficou pior quando, anos depois, a guerra foi finalmente declarada.

Paraíso InterrompidoOnde histórias criam vida. Descubra agora