Capítulo 7 - O Preço de ser Diferente

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Porquanto assim afirma o Alto e Sublime, Aquele que vive para sempre, e cujo Nome é Santíssimo: "Habito no lugar mais majestoso e santo do universo; contudo, estou presente com o contrito e humilde de espírito, a fim de proporcionar um novo ânimo ao quebrantado de coração e um novo alento ao coração arrependido!"

Isaías 57:15 (BKJ)

...

DAVI

- Eu realmente não entendo a sua necessidade em fazer isso. – Jônatas estava irredutível em relação a minha decisão matutina de acompanha-lo – Você não precisava mesmo fazer isso.

- Tá brincando? – sorri – Além de dar um passeio, saindo um pouco da minha rotina e disso tudo que eu já vejo todo dia, eu também estou perdendo o meu primeiro dia de trabalho em seis anos. Eu não poderia estar mais feliz com a minha escolha nem se quisesse, acredite.

- Fico pasmo em como você tem o talento de enunciar de maneira séria e sincera frases que tinham tudo para serem totalmente irônicas. – seu rosto se virou para o meu por um momento. Um esboço de sorriso surgiu em seus lábios, enquanto seus olhos tentavam captar algo em meu rosto que eu não sabia ao certo o que era, mas que estava me deixando tímido. Não era acostumado a ser reparado pelas pessoas.

- Mas não foi, você sabe. – respondi.

Eu sempre me alegrei por ser uma pessoa sincera.

- Eu sei. – afirmou Jônatas, encarando a imensidão verde a nossa frente. Pude notar uma pontada de tristeza em seu rosto, mas sabia que não deveria dizer nada.

Quando aquela manhã surgiu, com um sol forte aparecendo no horizonte, mesmo que eu evitasse em pensar sobre aquilo, sabia que Jônatas iria embora. Sabia que, no exato momento em que ele abrisse os olhos, o pequeno casulo em que nós nos enfiamos durante a noite – aquela bolha que criamos para proteger aquelas horas que nós convivemos lado a lado um com o outro – teria que se desfazer. Eu precisaria me preparar para me despedir dele.

Lembrava bem do que ele havia me dito no dia anterior. Jônatas estava voltando para o Seminário, e provavelmente não voltaria para Samaria tão em breve – mesmo que adorasse trabalhar por aqui. Sentia um aperto tão grande quando pensava nisso, no fato de que nós dificilmente nos veríamos novamente tão cedo. Era uma sensação forte e frustrante – carregada de uma tristeza que eu não sabia como descrever direito – que se assemelhava muito com a que eu sentia ao ver a minha mãe se curvar em violentas tosses.

Era o medo da morte.
O medo de ter que enfrentar A Passagem.
O medo do luto.
De ver alguém que eu amo muito... ir.

Gosto de pensar que, mesmo que eu não soubesse exatamente o que estava acontecendo comigo na época ou o que eu estava sentindo, eu agi em plena confiança com o que os meus instintos me indicavam. Desde criança eu ouvia a minha mãe dizer que os instintos eram, por muitas vezes, a própria voz de Deus nos guiando em seus caminhos – e, desde então, eu jamais deixei de confiar neles.

E... eu tinha que agir.
Como filho de uma mulher que tinha uma doença que poderia mata-la a qualquer momento, eu sabia muito bem o quanto aproveitar todos os momentos possíveis com alguém que te dá alegria e que te faz sentir bem era essencial. Quase que uma prioridade.

Nós éramos pobres e vivíamos uma vida de merda. Nós merecíamos qualquer momento de alegria que a vida pudesse nos proporcionar.
Eu merecia.

Olhando para trás, analisando este exato momento sob uma óptica bem mais distante e com um conhecimento muito maior sobre os acontecimentos que vieram depois desse ato, eu consigo ver que esta fora uma das decisões mais fáceis que eu já tomei em toda a minha vida. Jônatas era alguém que eu não conseguia entender, que ainda não conhecia, e eu queria fazer isso. Nunca fui uma pessoa conhecida por criar vínculos. Sempre tive meus companheiros de trabalho – que, em sua maioria, eram um bando de homens velhos e sem educação, que viviam a sacanear um ao outro –, os conhecidos da Feira e um ou outro rosto familiar que eu via na cidade. As pessoas sabiam quem eu era graças ao meu trabalho. Sabiam que eu era o Davi que faz as espadas, mas nada além disto. Jamais tive uma conexão real com nenhuma pessoa daquela cidade, e eu também nem tinha tal vontade. Eram pessoas que eu encontrava ou que era forçado a conviver com.

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