Capítulo 4 - Atlas (ou a mania de carregar o mundo inteiro nas costas)

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Filipe encontrou a Natanael e disse-lhe: "Encontramos Aquele sobre quem Moisés escreveu na Lei, e a respeito de quem também escreveram os profetas: Jesus de Nazaré, filho de José". 
E Natanael disse-lhe: "Pode alguma coisa boa vir de Nazaré?".

João 1:45-46a (BKJ)

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JÔNATAS

Quando jovem eu sempre tentava entender o que era aquilo, o nome para a sensação que eu tinha para tentar ajudar tanto os outros.

A sensação de querer sempre carregar o mundo nas costas.

Eu, Jônatas Miriam, não me tornei padre por opção do meu pai – que é, basicamente, o que todos acham quando olham para mim. Não, longe disso.

Ser padre sempre foi o que eu queria ser. Sempre amei a Deus – e ele sempre foi o único Pai que eu realmente reconheci – e ao Santo Serviço, mesmo quando não tinha muita noção do que ambos significavam. E, admito: não era como se hoje em dia eu soubesse muito sobre o que ambos eram. Deus era envolto em mistérios e o Santo Serviço...

Mas eu amava fazer aquilo. Um dos maiores prazeres que eu tinha era o de sentar-me na desconfortável cadeira do confessionário e atender os fiéis. Eram, no geral, pessoas que estavam desesperadas – ou não – por não pecar, ou que apenas estavam ali para cumprir a quantidade exigida de confissões para os cidadãos de Paradiso. Amava estar ali, atrás do tablado negro e enorme de madeira, naquele local abafado e quente e, por horas, ouvir a vida das pessoas, seus problemas, medos e fraquezas. E não apenas isso: era um prazer ajuda-las a achar a paz – ou, ao menos, tentar achar a paz, claro.

Eu não era o Espírito Santo, o Consolador, claro. Eu sabia disso. Mas não ousaria nunca dizer que Ele não me inspirava em meus conselhos, e até nas "penitências" – sim, eu sempre odiei esse termo.

Meu pai sempre odiou isso em mim. Claro, ele era o total oposto de tudo o que eu acreditava: Saul tinha se tornado padre apenas com o objetivo de ascender socialmente, enriquecer e conseguir influência no país. Ele, claro, nunca gostou que as pessoas soubessem disso. Mas eu me lembrava bem das suas palavras quando subira de cargo e, efetivamente, não precisaria mais lidar com os fiéis, mas apenas com os membros da ordem: "Este é o dia mais feliz da minha vida, filho".

Não sei bem o que me marcou mais naquela pequena fala. Talvez a frieza com que dissera, porque eu sabia bem que aquela felicidade era por estar conquistando o plano de sua vida – o de se tornar importante socialmente para todo o País –; talvez porque eu sabia que ele estava feliz por não ter que lidar com aquele bando de sofredores que viviam mendigando através da salvação, segundo suas próprias palavras; ou porque aquela fora a única vez em que senti o mínimo de calor em sua voz ao se referir a mim.

Note, ele nunca me chamava de filho. Ele sempre usava algum adjetivo pejorativo ou, quando me chamava de filho, usava todo o desprezo que sentia para dizer a tal palavra. Mas naquele dia ele me chamou assim com uma felicidade genuína que, nos doze anos de vida, na época, eu jamais tinha ouvido.

Aquela foi a última vez que ele me abraçou – há mais de dez anos.

Quando jovem eu sempre tentava entender o que era aquilo, o nome para a sensação que eu tinha para tentar ajudar tanto os outros. Era quase como se eu enxergasse a todos como necessitados, pessoas que precisavam de mim e da minha ajuda de maneira desesperada – mesmo que, na realidade, elas sequer soubessem da minha existência. Ou, pior: que apenas tinham a mim como o filho de trejeitos duvidosos do grande membro da Ordem em Paradiso.

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