Thierry passou a nos guiar pela mesma sensação que nós todos sentimos. Íamos casa vez mais para dentro do território de Sazar, familiar para Heyden.
Fazia quase um mês que estávamos juntos, eu, Heyden e Collen, e uma semana que estávamos com Thierry, andando devagar.
A cada três ou quatro encontrávamos caçadores. Com mais um para nosso grupo, era fácil e quase entediante espantá-los.
Tonakai, o vilarejo onde Heyden morava, ficava no caminho e ele nos guiou pela floresta até seu chalé. Ele morava sozinho até Collen o achar e eles fugirem para me encontrar.
O chalé era pequeno, de um único andar, com telhado branco lotado de musgo, paredes azuis desbotadas cobertas com videiras. A erva daninha começava a tomar conta da entrada mas Heyden mexeu o pulso e abriu caminho para nós.
Thierry era gentil e tímido e preferia andar na retaguarda. A contragosto, levava uma pequena faca para emergências. Eu andava a alguns poucos passos dele, sempre alerta.
Eu e Collen éramos os guerreiros, Heyden o caçador e Thierry o cérebro. Era uma bela combinação mas também era perigosa.
Na entrada do chalé, tínhamos uma pequena sala, com um sofá e uma poltrona velha, uma mesinha de centro de madeira, uma estante praticamente vazia e um tapete empoeirado. A sala ficava ao lado da cozinha--um cômodo pequeno de utensílios brancos um pouco amarelados pelo tempo--e havia dois quartos no corredor, separados por um banheiro.
"É simples mas podemos ficar aqui e despistar os caçadores por uns dias. Precisamos de um banho, comida decente e camas. Todos nós. Principalmente Collen, que está quase há dois meses fora de casa e longe de conforto. "Heyden disse enquanto abria as janelas para ventilação.
Em resposta, Collen se jogou contra o sofá e gemeu quando seu corpo se ajeitou com a espuma.
"Me acordem quando o mundo acabar. "Ele disse e nós rimos.
Mas em poucos minutos ele já roncava, com Thierry adormecido na poltrona.
Heyden sorriu para mim. "Sobrou para nós, Nay. O que acha de ficar comigo na cozinha enquanto eu preparo o jantar?"
Eu o segui para a cozinha e me empoleirei na ampla janela, onde eu podia sentir a brisa úmida do início do verão.
"O que vai fazer?" Eu perguntei enquanto ele abria os armários e tirava de lá várias latas.
"Sopa de legumes e faria alguma carne se ainda tivesse alguma. A maior parte das coisas dessa geladeira está estragada. " Ele disse, parecendo se sentir idiota.
Eu ri e o puxei para perto. "Vamos caçar então. Você caça e eu coleto alguns legumes e ervas frescas. Melhor do que essas coisas enlatadas e estranhas que você tem aí. " Brinquei.
Ele riu e apoiou o braço na parede atrás da minha cabeça. Então me dei conta da nossa proximidade.
Estávamos a dois palmos de distância e comigo sentada na janela, quase da mesma altura.
Ele pareceu perceber também e seu sorriso sumiu.
Ficamos ali, parados, compartilhando a respiração e meus olhos encontraram os dele.
Eram castanhos, mas não como chocolate. Eram como terra fofa e úmida, como troncos de árvores, como um tronco numa lareira quente.
Depois do beijo com Archer, eu não havia mais pensado nisso. Mas naquele momento eu pensava.
Olhei para baixo lentamente. Para seu nariz reto e perfeitinho, para uma pequena cicatriz acima de seu lábio superior e então para seus lábios.
Meus olhos traiçoeiros pararam ali, estagnados, e eu me peguei observando as linhas angulosas de seus lábios. A parte de cima tinha metade da grossura do lábio inferior e meus olhos me negavam o direito de desviar o olhar.
Heyden se afastou, parecendo um pouco aturdido. Ele me estudou e então abriu um sorriso travesso. "Vamos, Nay, vamos caçar antes que você me ataque. "
Fiz menção de lhe jogar uma lata de ervilhas mas ele saiu pela janela antes que eu pudesse fazê-lo.
Eu o segui para o lado de fora, até uma portinha escondida nos fundos do chalé.
Ele destrancou com uma chave--escondida entre os galhos de uma samambaia--e tirou de lá um arco, uma aljava e uma faca. Ele me entregou a lâmina e ajeitou em si mesmo os outros dois.
"Sabe quais ervas são boas para o consumo?" Ele perguntou, sério.
Eu assenti, me lembrando das aulas de botânica.
Recolhi temperos para a carne e sopa e peguei cenouras, batata, beterraba e repolho, não sabendo se todas essas comidas combinavam com sopa.
Encontrei Heyden--ele me encontrou, na verdade--algum tempo depois. Ele trazia no ombro um trio de codornas gordas e parecia muito feliz por ter achado ovos também.
Eu me sentei na janela novamente enquanto ele preparava a refeição. Collen e Thierry se juntaram a nós algum tempo depois que a sopa estava pronta e jogos baralho até sentirmos sono.
Feliz com um banho, eu me demorei debaixo da água. Quando saí, enrolada numa toalha, uma camiseta e um calção estavam dobrados no chão em frente ao banheiro.
Vesti as roupas, sentindo o cheiro forte e amadeirado de Heyden.
Por incrível que pareça, Collen já dormia novamente no sofá, jogado com uma das mãos batendo no chão.
Heyden e Thierry conversavam do lado de fora, sentados na grama.
Com medo de estragar as roupas de Heyden, eu fiquei de pé até ele perceber.
"Sente-se. Tenho bastante roupa no armário. "
Eu me sentei entre os dois e o ar quente e pesado da noite me surpreendeu.
Gotas enormes de suor escorriam pelo meu pescoço e eu estava incomodada.
Senti uma brisa fresca passar por mim diversas vezes, o que me ajudou muito.
Vi os dedos tamborilantes de Thierry e dei risada.
"Obrigada. Odeio esse calor todo. " Eu disse.
Thierry nos manteve frescos até resolvermos dormir.
Heyden insistiu para que eu ficasse num dos quartos e Thierry no outro. Ele disse que faríamos rodízio no dia seguinte mas éramos os que pareciam pior.
O quarto era pequeno: com uma cama, uma cômoda, um armário e um espelho redondo.
Me deitei sob um fino lençol e deixei a janela aberta, para ver a lua cheia que iluminava a floresta.
Quando fechei os olhos, a lua foi substituída por olhos castanhos.
Ei gente! Desculpa pela demora. As últimas semanas têm sido bem corridas. Prometo voltar a postar com mais frequência. Realmente estava sem tempo. Espero que estejam gostando.
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A Ruína da Rainha
Teen FictionNum reino onde as mulheres governam e os homens são apenas soldados, Anaya está destinada a subir ao trono. Como a mais forte, corajosa e inteligente do seu grupo, ela tem certeza de que será a próxima rainha. Mas um defeito a coloca entre os mais o...