Ontem, fui a uma sessão de acompanhamento psicológico perto da casa de minha mãe. Lá frequentam atualmente pacientes que estão sendo medicados há meses ou até anos com depressão, problemas psiquiátricos diversos ou mesmo que intuem que precisarão passar por isso. São pessoas geralmente muito inteligentes, bastante sofridas e que passam por dificuldades intensas.
Basta a gente frequentar algum tempo essas companhias para percebermos que quase todas aquelas pessoas ultrapassaram algum limite. São pessoas que caíram na situação que as envolve por terem justamente tido a coragem de irem além do que podiam. Não são pessoas covardes ou acovardadas por agora assumirem que não conseguem lidar com certas coisas. São pessoas valentes que agora pagam o preço por suas coragens, que lhes causaram doenças em grande parte dos casos permanentes.
Acontece que, justamente por isso, por terem tido tanta coragem, hoje essas pessoas aparentam uma clara fragilidade. A gente sente que, apesar de serem em geral duras, essas pessoas parecem fracas, de certo ponto de vista. Parecem pessoas talentosas sem o talento de conseguirem lidar com situações às vezes bastante comuns e rasteiras. Mas, como muitas vezes essas pessoas têm talentos específicos, por vezes nos deixamos enganar por eles. E somente com o passar dos minutos percebemos nelas uma certa ausência, ou carência.
Mas é curioso como essa percepção acontece. A gente sente, por exemplo, que por detrás da força daquelas pessoas parece existir um buraco. Não muito fácil de detectar, é claro. E que aquele buraco tem fundamento tão profundo na história daquela pessoa que nem ela consegue percebê-lo claramente. Seja como for, é um buraco que fica muitas vezes patente no comportamento do doente. É algo que nos faz temer por ele. E que nos causa uma grande compaixão. Sabem aquelas pessoas que parecem literalmente carregar uma grande tristeza? Pois é. Ou um grande raiva? Ou às vezes as duas coisas juntas?
Se formos conhecer e analisar a trajetória dessas pessoas, muito provavelmente entenderemos como isso veio a acontecer. E como essa pessoa lutou contra essa tendência, essa tristeza, essa raiva. E como a pessoa foi aos poucos conduzida a ir além daquilo que conseguia aguentar. E como, após ultrapassar todos esses limites, continuou vivendo em seu afã de superar seus problemas. Até o ponto em que adoeceu e passou a precisar depender de remédios para simplesmente viver. Claro que a pessoa então também passou a necessitar de encontros daquele tipo, sendo que muitas vezes passou décadas duvidando da utilidade deles.
Muitas pessoas que passam por situações que as superam também levam muito tempo para admitirem que não conseguem mais. Ou que precisam de ajuda. Ou que precisam simplesmente do apoio de algum tipo de remédio. Até porque suas próprias lutas, seu próprio afã de solucionarem elas próprias as situações, fazem-nas duvidar. Acreditam que conseguem sozinhas. Até o ponto em que admitem que isso é mentira. Ou que é um autoengano.
Mas é curioso, porque a maioria dos casos que eu descubro em meu próprio trajeto de vida como esse tipo de gente parece ter a ver com uma profunda ausência, nessas pessoas (inclusive em mim), de simplesmente carinho. A gente por vezes vê aquele tipo de pessoa e sente que lá ao longe talvez lhe tivesse faltado apenas um simples abraço. Ou um agrado. Ou uma pequena conversa. Aquele tipo de trato que uma pessoa que se cuida admite precisar ter. Uma espécie de aconchego da alma. Algo assim.Não é à toa, creio, que muitas dessas pessoas apelam muitas vezes a muitos recursos de religião e de autoconhecimento para poderem se achegar mais próximas de si. Ocorre que muitas vezes não adianta fazer isso sozinho. Não adianta saber e saber mais sobre si e sobre o mundo. Muitas vezes, a única diferença está mesmo no amor. Num amor calmo e puro consigo, que esse tipo de pessoa, por ser tão aguerrida, por vezes se esquece de dar a si mesma - e ao outro (que ela no final das contas muitas vezes parece violentar, porque ama até mais do que pode).
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Para viver melhor a vida - Crônicas
Short StoryUma pausa para nos sentirmos bem e percebermos assim melhor a vida.