A OBEDIÊNCIA E O ASSENTIMENTO

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Quando a gente se descobre acreditando em Deus, percebe algumas coisas, de forma bastante clara. Primeira, que a gente acredita com o coração. Claro, muito já foi dito e ainda pode ser repetido ou dito de novo sobre isso. Mas, para quem ficou muito tempo desacreditando, e que se tornou um coração duro, essa verdade é bastante óbvia. Isso assim se dá porque aquele desse tipo, quando resolve acreditar, sente em si mesmo algo muito forte. Diria até que o coração, quando estava fechado, mas se abre repentinamente, chega a doer quando isso acontece. É uma dor física até (pelo menos no meu caso foi assim).
Outra coisa que aparece para aquele que de repente se vê acreditando é que ele sente que precisa obedecer. É curioso quando isso acontece. Porque, aqui no mundo real, aquele que apenas obedece pode aparentar fraqueza. Claro, no mundo real a gente em geral precisa ter muita força de vontade para conseguir as coisas. Mas uma coisa é ter força de vontade, mandar em si mesmo ou mesmo nos outros. Outra coisa é mandar de forma inapropriada, num momento inadequada, com quem não se deve. Porque é curioso: aquele que se sente acreditando sente-se também assentindo com maior facilidade. Percebe-se mais cordato, menos agressivo, mais compreensivo.
Mas isso de obediência a gente muitas vezes não consegue compreender direito. A gente chega a imaginar que precisamos ler tudo o que está escrito e fazer tudo de acordo com isso. Muitas vezes, a gente se vê lendo os textos bíblicos com atenção desmedida, tentando captar ali alguma mensagem escondida, algo que nos diga como fazer em nossos problemas reais. É como se a gente quisesse entender o que fazer para podermos, lá na frente, nos sair melhor. É como se esperássemos uma mensagem do além, embora retirada de livros. Outros pensam ver a mensagem de Deus nos gestos alheios, em atos falhos, em situações inesperadas. Já outros pensam que devem apenas fazer o que devem, e deixar o resto com Ele. Ou seja, que o imperativo da obediência está neles mesmos, em suas boas vontades, em seus bons sentimentos. E que, de resto, se algo acontecer de errado, assentir, aceitar e não reclamar. Porque seria a vontade de Deus.
Eu passo alguma parte de meu tempo pensando nisso. Sei que, dentre tudo o que passo, há coisas sobre as quais tenho algum controle. Sei também que muito do que me acontece não posso prever. Sei que posso influenciar, para mais ou para menos, algumas vontades ou alguns acontecimentos na minha vida. Sei também que existem coisas que não consigo fazer, e que para as quais não consigo influenciar de forma alguma. Sei também que existem coisas no âmbito do inexplicável, e outras no âmbito do inesperado. Nessa situação, minha força tem limites, e para muito do que me acontece preciso apelar a Deus mesmo. Mas, na minha relação de obediência para com Ele, muitas vezes não sei de onde retirar subsídios.
Por vezes, eu tenho que admitir, leio a Bíblia com o pedido de que ela me diga o que fazer. Por outras vezes, até penso que Ele pode estar determinado algo para mim, e meio que me deixo levar pelas coisas que acontecem. Mas, na maior parte do tempo, estou perdido. Não sei o que fazer, nem o que pensar sobre o que acontece. Ajo de forma insistente em tentativas de sanar minha situação, mas sinto que algo de errado acontece comigo. É como se não estivesse fazendo o que é correto a fazer. Como se no fundo, em uma camada mais profunda de mim, eu não soubesse o que acontece. Ou como se, enquanto me sentisse incomodado com minha própria situação, fizesse mesmo assim coisas ou todas as coisas do jeito errado. Sinto-me a maior parte do tempo como se tentasse acertar mas não conseguisse.
Vivo num condominio repleto de crianças. E considero que com criança a gente tem que admitir que elas vivem num mundo à parte. Com elas, existe o bem e o mal, o errado e o certo, assim como coisas realmente erradas, e coisas realmente certas. Mas tudo com elas é bastante diferente de com os adultos. Por outro lado, as crianças vivem sujeitas à autoridade dos adultos. Suas tarefas são fazer o que os pais lhes dizem para fazer, obedecer, aquiescer, mas também brincar. Elas estão em geral sempre felizes (quando têm um lar bom que as cuide), e sente-se coisas erradas em sua criação quando cometem erros determinados. Muitas delas são traquinas, e insistem em fazer coisas consideradas erradas pelos pais e mães. Mas elas são crianças, e ficam à mercê dos pais, seja como for. Elas não são responsáveis por si. Nem a lei as obriga a tomar ciência do que fazem, quando ainda são crianças.
Voltando a minha relação com Deus, é curioso como o chamamos, de Pai. E como entendemos que acima dEle não há nada. E que sua vontade, soberana, é manifesta. Mas que temos o mundo aqui conosco, e que, quando temos liberdade e condições de decidir, somos fruto de nossas próprias escolhas. Mas sabemos que no final das contas Ele sabe o que faz. O tempo também nos mostra isso. O tempo conserta, explica, resume. Muitas vezes, até para aquele que não acredita, o tempo resolve a questão. Pois, reparando nas crianças aqui no prédio, e em minha aparente situação de desconsolo por não saber o que fazer, noto então que talvez eu precise viver a vida seguindo o que é correto, pura e simplesmente, atendo-me às consequências do que faço, também, mas sabendo que a vontade dEle é como a do Pai que tem o controle e no qual precisamos confiar. Claro que muitas vezes as coisas não saem como devido. Mas no final da história é Sua vontade que nós, que acreditamos, sabemos que permanece. Talvez assim eu consiga conviver com o homem errado em que, em boa parte, me transformei nesses quase 50 anos e consiga levar minha vida com maior altivez e independência.

Para viver melhor a vida - CrônicasWhere stories live. Discover now