Para viver, basta estar vivo, dizem ou pensam alguns. Não concordo muito com isso, por saber e experimentar que às vezes estamos vivos mas não nos sentimos realmente vivos. Mas isso é difícil explicar para outras pessoas, que ou levam vidas mais tranquilas ou não passaram por dificuldades tamanhas que fizeram-nas mudar. Mas mudar mesmo também é algo que não acontece de repente. Nem em sua totalidade. Diria que vivemos aos poucos, mudamos aos poucos e, se tivermos sorte, aos poucos chegamos em outras situações, com as quais poderemos ou não lidar.
Muitos de nós sabemos disso sem dificuldade. Porque nossas vidas a gente também as constrói aos poucos. De repente conhecemos pessoas, mas com elas lidamos aos poucos, apenas. Vemos como aos poucos elas mudam (ou não), e como aos poucos elas ganham e perdem coisas. Experimentamos ver pessoas sumindo de repente, e outras também aparecendo de repente. Mas em geral vemos que as pessoas avançam, melhoram, pioram, e também morrem. Não sabemos o que se passa no interior delas. Não percebemos os dramas por que passam. Não entendemos como elas de repente aparecem perdidas, e como querem solução imediata para dores que as afligem. Sabemos que essas dores também não desaparecerão (se o fizerem) de repente. Sabemos que tudo se dará aos poucos.
Há pessoas, porém, que para conseguirem (ou se prontificarem a) mudar, precisam de uma espécie de choque em suas vidas. Pessoas que não conseguem enxergar o mundo direito, e que para se conscientizarem de que o mundo não funciona como elas esperam elas precisam mudar. E isso de repente. Para essas pessoas, às vezes envolvidas com crimes ou com situações muito graves (que lhes transtornam as vidas), a vida aparece muitas vezes de repente. Elas não enxergam o que está à frente delas, mas de repente, pimba!, conseguem ver. É estranho o que acontece com essas pessoas. Estranho e transformador. Por vezes, vemos pessoas como essas - ex-condenados, ex-prostitutas, ex-donas de casa, ex-empregados, pegos na vida com surpresa e chorando em algum canto. Ou olhando para o horizonte, meio perdidas. Ou refletindo na vida, quando talvez devessem precisar se esforçar mais em determinadas ocasiões. Essas pessoas, diria eu, ultrapassaram um ponto na vida que não tem mais volta. Chegaram aos seus limites, e não sabem mais claramente para onde se dirigir. Foram pegas sem cuidado no meio de uma situação insustentável. E perceberam que perderam, que mudaram, que algo nelas mudou, e que algo nelas nunca será o mesmo. Parecem assumir posturas plácidas, muitas vezes, essas pessoas.
Para pessoas assim, todo dia parece uma conquista. Todo dia parecem viver novamente. É como se tivessem renascido. E por passarem por isso elas sabem que a partir de agora suas vidas serão como as dos outros, um passo de cada vez. Podem passar por privações extremas, mas de repente elas se lembram de como eram, do que fizeram de errado, de tudo o que lhes aconteceu meio que por milagre, e percebem que só lhes resta mesmo andar para a frente. Muitas vezes correndo, sofrendo muito, mas com maior placidez, agora. Essas pessoas também aceitam o que vem com maior calma, sabendo que é a vontade de Deus ou aquilo que estava esperando-as. Ou seja, são mais cônscias do seu real destino. Param de reclamar tanto, de lutar tanto por coisas inamovíveis, de teimar contra coisas fora de seu alcance, e se tornam pessoas, pela primeira vez, realmente. Há quem não precise, claro, passar por tudo isso. Há quem simplesmente descubra isso no dia a dia, refletindo, meditando, e aprendendo. Mas nem todos têm essa sorte. Ou quem sabe quem tenha sorte mesmo seja quem de repente olha para a vida e se surpreende com a beleza do dia, dos instantes, ou do seu destino.
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Para viver melhor a vida - Crônicas
Historia CortaUma pausa para nos sentirmos bem e percebermos assim melhor a vida.