UMA TIMIDEZ IMPERSCRUTÁVEL

2 0 0
                                    

Passei 11 anos num casamento sem conseguir me abrir. Moral da história (triste): ela se separou e eu fiquei vendo navios.
Aprendi algo de vida, desde então, mas não mudei.
Há poucos meses, ela me chamava para seu apartamento e se expressava como podia. Era linda, e eu me deixava levar pelo seu jeito. Mas a timidez, e minha razão irrequieta, não me deixavam me abandonar.
Ela se cansou, sendo que eu estava apaixonado. Passei pelo sofrimento, escrevi mais de cem páginas, ela me chamou um dia, porque havia se machucado, e nos reaproximamos.
Ela estranha por que eu racionalizo tudo. Ora tremo que nem vara verde e fico parado. Ora fico admirando sua beleza, e ela não gosta (até me proíbe). Ora vou e volto rápido, ocupado com outras coisas. Percebendo que não vai (ao menos naquele momento) dar em nada.
Hoje eu lhe perguntei se queria conversar. Ela até estranhou. Subi mas com a condição de não racionalizar. Tentei. Não consegui de todo.
Minha timidez me impede, me bloqueia, me transtorna os sentimentos. Amo-a, e ela sabe disso. Me observa quando eu me descuido, como eu também faço.
Nós dois somos tímidos incuráveis, que aprenderam a tratar o mundo com chicotes. Que se aproximam aos poucos, enquanto se reconhecem na timidez - e no lindo amor que descansa por detrás de nossas aparências.
Ela, a bela e a fera; eu, a fera e a bela.  

Para viver melhor a vida - CrônicasWhere stories live. Discover now