VIVER JUNTO

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Tenho uma grande amiga pela qual caí em paixão indômita há alguns meses. A paixão arrefeceu, voltamos a entrar em contato e hoje somos grande amigos. Ela mora perto, e me chama de vez em quando para conversar, pedindo algum favor ou para me dar algum presentinho.
Ontem, ela me chamou para me pedir um pequeno favor e me recebeu bastante à vontade, sem se arrumar muito. Estranhei um pouco, mas entrei e conversamos brevemente. Eu tenho andado muito ocupado, então normalmente não fico muito. Estranhei que ela não tivesse se aprontado, e olhei detalhes de si que me deixaram algo estranhado.
A gente cria ilusões com gente muito bonita (e ela é muito bonita), então é meio chocante por vezes ver essa pessoa bonita que a gente quer com o rosto amarrotado, sem ter tomado ainda banho, ou sem ter se depilado direito. Olhei para todos esses detalhes (fico o tempo todo ligado), e fui para casa em seguida.
Reparei que eu sempre estou meio mulambento. Que faço questão de estar assim o dia todo, até porque não tenho mesmo muito tempo livre e fico em casa, trabalhando. Reparei que eu sempre lhe digo que estou assim antes de ir ao seu apartamento, e que ela finge não ligar. Mas é curioso, porque agora recebi o troco.
Pensei em que consiste o convívio entre pessoas que se conhecem. Que namoram ou que transam. Ou que são REALMENTE amigas. E o convívio desse tipo de gente é meio assim mesmo. A gente encara nossos amigos com boas ou más disposições. Quando estão bonitos ou feios. Quando acabam de sair do banho ou quando chegam fedendo da rua.
Foi curioso, contudo, porque depois ela me chamou novamente, sendo que estava cuidada, porque estava com seu filho, que cozinhava. Reparei que eu estava idêntico, mas que ela havia se cuidado. E reparei que eu me sentia à vontade, seja como fosse, e que me sentia quase parte daquele ambiente. Como se fosse um grande amigo, quase membro da família.
Não fico viajando. Não crio ilusões. Conheço-a bastante bem, e sei como ela se aproxima e se afasta, de acordo com o que sente. Sei também que eu tenho tendência a me apegar demais, e que isso afasta por vezes até mesmo quem está bem próximo/a de mim. E portanto sei que há um descompasso. E que eu tendo a me iludir.
Mas é legal perceber como as pessoas se aproximam do nosso jeito quando percebemos que não mudamos. Ou quando mudam quando percebem que mudamos. Ou quando nos atraem para seu jeito de ser quando percebem que querem ser mais elas mesmas. E quando percebemos que com isso vivemos, e que nossos espíritos vivenciam-se mutuamente.
Amor é isso.  

Para viver melhor a vida - CrônicasWhere stories live. Discover now