Em um certo lugar da Mancha...
Numa região de vastos campos rodeados por fazendolas e vilarejos, havia uma casa ampla, bonita e confortável. Era onde residia um homem até então bastante comum: o senhor Quejada.
Por toda a sua longa vida, ele sempre havia sido bastante estimado e considerado pelas pessoas daquele pequeno povoado, e era também muitíssimo querido por todos de seu convívio. E naturalmente não vivia só: morava na companhia de sua jovem e adorável sobrinha, Angélica. E também residia na casa uma senhora governanta: pessoa simples que era quem tomava conta de todos os afazeres do lar. Além de um garoto muito prestativo que ajudava em tudo. E não se pode deixar de contar dois amigos que tinha, que estavam sempre presentes e já eram antigos frequentadores da casa.
Quejada não era propriamente um homem rico, mas apesar disso podia-se dar o gosto de permanecer de pijamas e pantufas durante a maior parte do dia. No maior sossego!
E como já estava ficando um pouco velho, suas atividades preferidas se reduziram a apenas duas: a caça esportiva. - apesar de já não ter tanta paciência e nem disposição. Mas isso não faz mal: porque Quejada adorava muitíssimo também a literatura de livros: - em especial os que tratavam de heróis. Na época era o famoso gênero de Romance de Cavalaria. Por isso, nos intervalos que tinha - e como não tinha mesmo nunca nada o que fazer - passava então a ler seus livros.
Lia-os tanto, e com tanta satisfação, que foi devagar dia-a-dia envolvendo-se cada vez mais em suas histórias. Ele se divertia muitíssimo, por vezes até rindo sozinho, já outras vezes roendo as unhas na maior aflição porque ficava angustiado com suspenses e não largava do livro até poder respirar aliviado no fim. Assim foi ficando tão apegado a essa distração que, com o passar do tempo, já não comia, nem dormia direito. Tornou-se tão obcecado que acabou perdendo o interesse em todo o resto. Já não pensava mais nos problemas da casa nem do campo. Chegou até mesmo a vender alguns trechos de terras, rebanhos e colheitas, somente para comprar mais e mais livros - virou, por fim, um grande colecionador.
Começou a passar o dia inteirinho enfiado em sua biblioteca, saindo de lá muito raramente, somente para ir a cozinha apanhar o que comer e beber, ou para ir ao banheiro - mas isso somente quando era muitíssimo necessário!
A sua sobrinha e a governanta eram bastante protetoras e começaram a se preocupar com ele. Claro, porque aquilo não era uma coisa normal! Então insistiram que saísse para dar umas voltinhas pelas redondezas de vez em quando só para respirar um pouco de ar puro. Meio a contragosto, ele concordou. Mesmo assim nunca se esquecia de levar consigo algum volume debaixo do braço: só por garantia!
- Olá, Olá! Senhor Quejada! Como tem passado? Praticando suas leituras!? - perguntavam amigavelmente alguns dos seus vizinhos sempre que o encontravam de passeio pelo campo, ou então quando o viam sentado debaixo de uma árvore folheando um livro.
- Sim, claro! Porém, somente as boas leituras! - respondia ele toda vez, com simpatia. Concluindo com essa frase que adorava: - Afinal, o homem é aquilo o que lê!
***
Logo acabou famoso em toda vizinhança por gostar tanto de histórias. Sobre isso, os aldeões e camponeses das vilas da Mancha ficaram divididos em suas opiniões: Para alguns ele era um homem realmente excelente, apenas um incompreendido, uma pessoa culta e de grande imaginação. Já para outros, era um doido maluco bem desocupado da vida - Isso sim!
Contudo, no fim da tarde quando todos estavam reunidos na bodega Roda-Redonda, e por acaso faltasse assunto que discutir, logo alguém levantava e dizia animado: - Ei! Escutem todos, já estão sabendo da nova do Quejada!?
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Cavaleiro D'Astúrias
FanfictionUma releitura e reinvenção de um clássico. Uma livre adaptação do romance Dom Quixote de La Mancha. Modificada de modo a tentar manter a essência, e ao mesmo tempo criar um novo clima pra a história. Tentando torná-la boa para quem já leu e ainda m...