Convém Confessar

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Ora, aqui vimos de que forma Quejada desfez o primeiríssimo agravo de injustiça com a qual se deparou; (Que fiasco!). Embora ele, porém, não pensasse assim. Aliás, muito pelo contrário, pois seguia tão todo satisfeito de si próprio que ia dizendo:

- Bem logo fui oficializado cavaleiro e já desfiz um torto!

- Eu sou mesmo tão bom!

Nisto chegou em um caminho em cruz, pois outra estrada cortava a via por onde seguia, imediatamente então lhe vieram à lembrança as grandes encruzilhadas em que os cavaleiros se detinham para refletir sobre suas jornadas. Por isso, parou e ficou pensando consigo: - Uma estrada forquilhada simboliza um homem dividido pelo destino! Difícil saber que caminho tomar em bifurcações. Assim são os heróis quando se vêem encruzilhados pela estrada da vida! – Quejada ficou ali divagando essas filosofias e acabou cochilando um pouco por sobre o cavalo sem perceber. Só despertou porque ouviu um tropel de cavalos que denunciava que chegavam pessoas montadas pela outra estrada, que eram, como depois se veio saber, uns meros mercadores de Toledo, apenas. Entretanto, assim que Quejada avistou tantos cavaleiros teve logo para si ser coisa de nova aventura. Concluiu que era boa oportunidade para se fazer conhecido daquela comitiva de "príncipes". Por isso se pôs na frente, bloqueando a passagem, aguardando que bem se aproximassem e alto falou:

- Todo o mundo se detenha! Alto lá, meus senhores. Pois se desejarem prosseguir em paz, convém confessar agora mesmo que a formosa Dulcinéia de Toboso é a mais bela dama do mundo inteiro!

Os mercadores surpresos acharam tudo muito absurdo, tanto os trajes de armadura que usava, como também as coisas sem sentido que dizia. Por isso não levaram a sério e um dos mercadores que não estava com paciência para conversas disse:

- Maluco, nós não conhecemos Dulcinéia nenhuma! Saia já da nossa frente e nos deixe passar que é melhor! – avisou e tentou passar, mas o novo Rocinante se adiantou e entrou na frente outra vez, bloqueando o caminho.

- Seu infame infeliz. Prepara-te para a luta!

- Calma lá, senhor! – apaziguou depressa um deles, o mais moço, que era curioso e gostava de ser brincalhão. – De quem é que esta falando afinal? Quem é essa moça?

- Sou o famoso Cavaleiro Quixote, se é que não me reconheceu ainda! Sendo assim eu não poderia, portanto, estar me referindo a nenhuma outra senão a mais bela dama, a única e sem-par, Princesa Dulcinéia Imperatriz de Toboso!

- Ora, então porque é que não nos disse logo! – falou o rapaz rindo por notar que provavelmente o velhote tinha miolo mole.

- Nunca a vimos! Por favor, nos deixe passar! – pediu um outro homem mais pacato vendo que tal encontro não podia dar em boa coisa no fim.

- Claro que deixo: Basta para isso fazer imediatamente o que vos ordenei! – respondeu Quixote irredutível e teimoso.

- Arg! Alguém tire esse desmiolado do caminho, ou eu...

- Espere! Vou resolver! – disse o rapaz brincalhão. – Será que o senhor poderia nos mostrar um retratinho pintado desta donzela e então poderíamos opinar sobre sua beleza com a consciência mais tranquila! Porque, como se diz: "É pelo dedo que se conhece o gigante". Quando não: "É por um fio que se puxa todo o novelo".

- Nada disso. Deveis acreditar sem vê-la! Assim como se crê no Deus acima de nós! Além do que não são dignos de admirá-la pondo olhos tão gordos e esbugalhados sobre tão pura beleza! Por isso repito: Sem vê-la haveis de reconhecê-la. Porque quem assim não concordar ser ela a mais bela do mundo... ora, então que venha e lute! Entre comigo em batalha: Quer venham um por vez como manda as leis de cavalaria, quer venham todos de uma só vez, de roldão como é costume de gente da ralé! – desafiou.

Cavaleiro D'AstúriasOnde histórias criam vida. Descubra agora