O Corsário Negro, sempre absorto nos seus pensamentos, apressou o passo, como se estivesse impaciente por chegar a algum local.
Meia hora depois parava na orla de uma plantação de canas altas, de cor amarelo-avermelhada, que, sob os raios do Sol, prestes a cair no ocaso, tinham reflexos purpurinos.
O Corsário Negro parou um momento, depois atravessou aquele trato de terreno cultivado e tornou a parar do outro lado, em frente de uma graciosa habitação.
Era uma casinha de dois andares, pintada de vermelho, adornada de azulejos, de telhado coberto por um grande terraço cheio de vasos com flores.
Diante da porta de entrada estava sentado Moko, o gigante africano, fumando cachimbo.
O Corsário Negro ficou um momento imóvel, observando primeiro as janelas, depois o terraço; a seguir, dirigiu-se ao africano, que rapidamente se erguera.
- Onde estão Carmaux e Wan Stiller?
- Foram ao porto saber se havia algumas ordens.
- Que faz a duquesa?
- Está no jardim.
- Sozinha?...
- Com as suas criadas e os pajens.
- Que está fazendo?
- Preparando a mesa para vós.
- Para mim? - perguntou o Corsário Negro, enquanto o rosto se lhealegrava.
- Tinha a certeza de que virieis cear com ela.
- Realmente, esperavam-me noutro lugar, mas prefiro a minha casae a sua companhia.
Transpôs a porta, metendo por uma espécie de corredor, e saiu pelo outro lado da casa, entrando num jardim espaçoso, cercado de muros. O Corsário Negro aproximou-se, sem fazer ruido, de uma espécie de cabana formada por uma enorme cuieira.
O Corsário Negro parou a pequena distância, observando através da folhagem; debaixo daquele pitoresco retiro estava preparada uma mesa coberta com uma alva toalha de linho da Flandres.
Grandes ramos de flores tinham sido dispostos em volta de dois candelabros e à volta de pirâmides de frutos delicados.
A duquesa estava ajeitando as flores e os frutos, ajudada pelas duas mulatas. Ostentava um vestido azul-celeste, com rendas de Bruxelas, que fazia sobressair a alvura da pele e o loiro dos cabelos.
O Corsário Negro detivera-se a contemplá-la. Os seus olhos, animados de uma viva chama, observavam-na atentamente, seguindo-lhe os mais pequenos movimentos.
Parecia que o tinha deslumbrado aquela singular beleza, pois quase não ousava respirar.
A donzela flamenga, ouvindo ligeiro ruido, voltou-se.
Um leve rubor lhe tingiu logo as faces, enquanto os lábios desabrochavam num sorriso.
- Ah!, sois vós, meu amigo!...
Depois, enquanto o Corsário Negro tirava delicadamente o chapéu, acrescentou:
- Já vos esperava...
- Esperáveis-me?... - perguntou o Corsário Negro, depondo um beijona mão que ela estendia.
- Bem o vedes, cavaleiro. Aqui tendes um pedaço de peixe-boi, avese peixes que só esperam que os comam. Eu própria dirigi o cozinhado, sabeis?
- Vós, duquesa?
- E de que vos admirais?... As mulheres flamengas costumam preparar por suas próprias mãos as refeições para os seus hóspedes...
- E esperáveis-me?
- Sim. . .
- Senhora - disse o Corsário Negro -, eu tinha dito a um dos meusamigos que me esperasse para a ceia; mas, viva Deus! Pode esperar-me enquanto queira, porque não renunciarei ao prazer de cear convosco. Quem sabe! Talvez seja a última vez que nos vejamos.
- Que dizeis? - volveu a donzela, estremecendo. - Acaso o CorsárioNegro tem pressa de voltar para o mar?... Acaba de regressar de uma audaciosa expedição e já quer correr em busca de novas aventuras?... Não sabe, então, que no mar pode esperá-lo a morte?
- Sei, senhora; mas o Destino impele-me para longe, e irei.
- E nada poderá deter-vos?
- Nada, senhora - respondeu ele, tristemente.
- Nenhum afecto?
- Nenhum.
- Nenhuma amizade? - insistiu a donzela com crescente ansiedade.
O Corsário Negro ofereceu à donzela uma cadeira e disse:
- Sentai-vos, senhora; a ceia esfriará e penalizar-me-ia não fazer as honras a estes acepipes preparados por vossas formosas mãos.
Sentaram-se em frente um do outro, enquanto as duas mulatas começaram a servir. O Corsário Negro tornara-se amabilíssimo, e enquanto comia, ia falando com espirito e gentileza.
A juvenil flamenga escutava-o, sorrindo. Parecia, no entanto, preocupada por um constante pensamento, porque, respondendo-Lhe, voltava sempre ao assunto da sua expedição.
Já tinha anoitecido havia duas horas quando o Corsário Negro se levantou. Só naquele instante se tinha lembrado de que o Olonês e o Vascongado o esperavam e que antes da alvorada devia completar a tripulação do Relâmpago.
- Como o tempo voa junto de vós, senhora - disse. - Que misteriosa fascinação possuís, para me fazer esquecer que ainda tenho graves negócios a concluir?... Cuidava que apenas fossem oito horas e já são dez.
- Creio que terá sido o prazer de descansar um pouco em vossa casa, depois de tantas fadigas no mar, cavaleiro - disse a duquesa.
- Ou antes os vossos belos olhos e a vossa agradabilíssima companhia.
- Em tal caso, terá sido a vossa companhia que me terá feito passar estas horas deliciosas... e quem sabe se outras gozaremos ainda, juntos, neste poético jardim, longe do mar e dos homens?... - acrescentou ela com profunda amargura.
- Muitas vezes a guerra mata, mas algumas vezes a fortuna poupa.
- A guerra! E o mar, não contais com ele? O vosso Relâmpago nemsempre vencerá as vagas.
- O meu navio não teme as procelas, quando sou eu que o governo.
- Visto isso, voltareis breve para o mar?
- Amanhã, de madrugada, senhora.
- Dir-se-ia que a terra vos causa horror.
- Eu amo o mar, duquesa, e, depois, não será aqui que eu podereiencontrar o meu mortal inimigo.
- Tende-lo sempre fixo no pensamento?
- Sempre! E esse pensamento só se extinguirá com a minha vida.
- É para ir combatê-lo que partis?
- Talvez.
- E ireis?... - perguntou a donzela com uma ansiedade que não passou despercebida ao Corsário Negro.
- Não vo-lo posso dizer, senhora. Eu não posso trair os segredos dos corsários. Não devo esquecer que vós, até há poucos dias, fostes hóspeda dos espanhóis de Vera Cruz e que também tínheis conhecimentos em Maracaíbo.
A donzela flamenga encarou o Corsário Negro com uma expressão de desgosto.
- Desconfiais de mim?
- Não, senhora. Deus me livre de desconfiar de vós, mas devo respeitar as leis dos corsários.
- Magoar-me-ia muitíssimo que o Corsário Negro tivesse podido duvidar de mim. Tive ocasião de reconhecer quanto é leal e fidalgo.
- Obrigado, pela boa opinião que de mim fazeis.
Pusera o chapéu na cabeça e deitara o capote no braço; mas parecia não se decidir a retirar-se. Ficara de pé, diante da donzela, fitando-a tristemente.
- Tendes alguma coisa a dizer-me, não é verdade?
- Tenho, senhora.
- E tão grave é que estais embaraçado?
- Talvez.
- Falai.. .
- Queria perguntar-vos se na minha ausência abandonareis a ilha.
- E se assim procedesse?... - perguntou ela.
- Penalizar-me-ia muito não vos encontrar quando regressasse.
- Sim?... E porquê? - perguntou a duquesa, sorrindo e corando ao mesmo tempo.
- Não sei porquê... mas sinto que seria tão feliz se pudesse passaroutra noite como esta, junto de vós... Compensar-me-ia de tantas amarguras!...
- Pois bem, se vos seria desagradável não me encontrar, confesso-vos que também eu sentiria não tornar a ver o Corsário Negro - disse a juvenil duquesa, inclinando a cabeça para o seio e cerrando os olhos.
- Nesse caso, esperar-me-eis?... - perguntou o Corsário Negro, comimpeto.
- Farei mais, se mo permitirdes...
- Dizei, senhora.
- Pedir-vos-ei ainda uma vez hospitalidade a bordo do vosso Relâmpago.
O Corsário Negro tornou-se imediatamente sombrio.
- Não... É impossivel - disse com firmeza.
- Acaso vos causaria estorvo?
- Não; mas não é permitido aos corsários, quando empreendem uma expedição, levar consigo alguma mulher. É certo que o Relâmpago me pertence, que sou eu o senhor absoluto a bordo do meu navio, mas...
- Continuai - disse a duquesa, que se tornara triste.
- Não sei dizer-vos porquê, senhora, mas sinto que teria medo devos ter a bordo do meu navio. É o pressentimento de alguma desgraça que não posso prever, ou alguma coisa pior?... Vós fizestes-me esse pedido, e o meu coração, em vez de exultar, experimentou uma dor cruel; olhai para mim: vereis que estou mais pálido que de costume...
- É verdade!... - exclamou a duquesa, com espanto. - Meu Deus!
Poderá esta expedição ser-vos funesta?
- Quem pode prever o futuro?... Deixai-me partir. Neste momento sofro muito!... Adeus, senhora! E se eu tiver de perder-me nos abismos do grande golfo ou morrer com uma bala ou um ferro no peito, lembrai-vos sempre do Corsário Negro!
Fim
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O Corsario Negro
Historical FictionFINALIZANDO!!! Até onde você iria por vingança? Quando seu pior inimigo tenta tirar tudo oque você tem? O Corsário negro não conhece limites quando o assunto é sua vingança! Em seu caminho vai encontrar alguma pessoas que ira ajudar em seu propósito...