2 - Brilho Azul

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"Um dia, eles viveram ignorando aqueles rostos normais, procurando por sua divina face. Você estava lá e ninguém o notou. Um dia, eles clamaram a sua volta, e você voltou, mas não era quem esperavam. Um dia, lhe procuraram em livros e construções, materiais e imateriais, acreditaram tê-lo encontrado, mas você não estava em nada disso. Você estava ao redor. Em todos. Em mim. Pois você sou eu. Eu sou você. Tudo é você e você é tudo. Todos somos esperança. Todos... Somos... ~Gravação corrompida~"

Um não se viu adormecer, mas sabia que havia dormido. Apesar de aquela voz ser parte de uma gravação, ela não estava sendo tocada naquele quarto, que era tão desconhecido para a criança, quanto o que acontecera na noite anterior, após deixar sua antiga casa. Sentou-se na cama onde repousava e olhou ao redor, era um quarto de menino, as paredes eram cobertas por pôsteres de filmes antigos, animes e bandas de rock. Um coçou o topo da cabeça enquanto bocejava, estreitando seus olhos lacrimejados. As cortinas na janela à frente tremulavam com a brisa da manhã, permitindo uma linha de luz do sol a tocar o lado esquerdo de seu rosto de tempos em tempos. Do outro lado do quarto, pôde avistar um berço.

A luz do quarto se acendeu. Ao lado do interruptor, uma garota de cabelos curtos e coloridos de branco e azul. Usava um batom escuro, uma camisa branca sobre um top preto e calça jeans com correntes penduradas. Os jovens se encararam por alguns segundos, mas antes que Um pudesse dizer algo, a moça quebrou o silêncio, enquanto andava em direção à janela:

- Maneiro né? - Disse - Demorei um tempo para conseguir todos, alguns são raros, outros até autografados. Amo todos eles. - A garota fez uma pausa, sentando na janela e olhando para o lado de fora, depois, voltou-se ao garoto novamente - É bom ter alguém com quem possa conversar. Meu nome é Janeth, mas me chame de Jane.

Jane estendeu sua mão direita em direção a Um, que não a apertou. Sua confusão se tornava cada vez maior, assim como sua preocupação. Desviou seus olhos para o berço novamente.

- Ah, sim. Você está se preocupando demais, como esperado. Ela não se feriu muito, só algumas queimaduras.

- Ela estava intacta quando saí de casa ontem à noite! O que fizeram com ela? Quem é você?

- Ontem? - Jane riu um pouco - Você está dormindo há dois dias... Sua irmã estava intacta quando saiu de sua casa, ok, mas o caminho até aqui não foi fácil. Não fizemos mal a ela, acredite. Ainda não entendo tudo que está acontecendo, minha mãe não me dá detalhes, mas tudo que ela está tentando fazer é cuidar de vocês dois, então mantenha a calma e tente conversar com ela.

- Você já não fez isso? Acabou de dizer que não funciona.

- Nunca disse isso. Ela não me dá detalhes, mas porque eu não peço por eles. Não nos falamos muito, entende? Se você pedir por explicações, ela não terá escolha a não ser dizer tudo o que sabe.

- Então vou tentar, obrigado - Disse - A propósito, meu nome é...

- Um - A garota interrompeu - Disso eu já sabia. Minha mãe ficará muito feliz ao te ver, não se assuste com a empolgação dela.

Um foi até Mary e a pegou no colo. Ela tinha algumas pequenas manchas pelo corpo, mas nada realmente alarmante. Ao sair para o corredor, fez uma última pergunta a Jane:

- Como devo chamar sua mãe?

- Você provavelmente vai se lembrar dela, seu nome é Agnis.

A bombeira que outrora havia tentado salvar sua família, agora estava cuidando deles mais uma vez.
Um ficou feliz em saber que não estava em perigo, mas sua falta de informações continuava o incomodando.

Sentiu um cheiro familiar de algo preparado no fogo, claro, era café. Correu até a cozinha para encontrar Agnis, que, ainda com a camisola branca que usou para dormir e uma expressão cansada de quem acabara de acordar, o recebeu com um enorme sorriso.

- Graças a Deus, você acordou! Sabia que não demoraria muito mais tempo, mas estava preocupada! - Ela se abaixou e abraçou as duas crianças ao mesmo tempo, depois, se levantou e apontou para a mesa - Venha! Eu preparei o café, logo vou esquentar a mamadeira de sua irmã, também.

Um viu seu pai naquela mulher praticamente desconhecida, o gesto dela era igual ao que ele costumava fazer: chamá-lo para o café, abraçá-lo e perguntar como estava se sentindo. Por um momento, a criança se sentiu novamente em casa.

Agnis puxou uma das cadeiras para Um e se sentou em outra, de frente. Enrolou a franja de seus cabelos castanhos para prendê-lo atrás da cabeça, revelando uma queimadura ao redor de um de seus olhos verdes, no caso, o direito.

- Foi você quem tentou salvar nossa família ontem, não é? Obrigado...

- Ontem? Ah, querido, você dormiu por dois dias inteiros. Você deve estar tão faminto... Por favor, coma tudo que tiver vontade, ok? - Na mesa havia biscoitos, bolos, pães e duas garrafas: uma com café e outra com leite - Não tenha vergonha.

Um entendeu que a mulher não gostaria de tocar no assunto, após desconversar de tal forma, mas ainda assim, ela tinha razão. Havia muito para se perguntar, muitas coisas que Um ainda tentava entender, ou lembrar, tinha alguns problemas para resolver e no momento, a fome era um deles, portanto, não pensou duas vezes, antes de começar a resolver o seu problema mais solucionável naquele momento.

- Creio que deve ter muitas perguntas, já que não viu nada do que aconteceu depois de sair da sua casa. Vou responder todas elas, não se preocupe com isso

Ao olhar para Agnis mais uma vez, com a boca estufada de biscoitos, Um viu seus pais, mas não como viu seu pai anteriormente. Dessa vez, ambos estavam atrás da bombeira, repousando suas mãos sobre os ombros dela, enquanto encaravam Um em silêncio, com um sorriso puro em seus rostos.

Um - A EscolhaOnde histórias criam vida. Descubra agora