4 - Memória Acinzentada

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Os olhos verdes de Mary fitavam o escolhido assustado, com as mãos ainda sobre sua cabeça. Enquanto isso, os olhos verdes, arregalados e assustados de Agnis se concentravam no caminho à frente. Jane mantinha os seus fechados, de braços e pernas cruzados e cabeça apoiada no encosto do banco.

O silêncio não se manteve ali por muito tempo, apenas o suficiente para aquelas cenas se tornarem claras na cabeça de cada um. Nada do que aconteceu parecia real, mas naquele dia, tal conceito de realidade não se aplicava. Um tinha dúvidas sobre o sentido de sua própria existência e, agora, sobre uma outra, azul como a cor do céu, mas com um sorriso de um branco perturbador.

- Quando acho que finalmente vou entender... - começou Um - Tudo se torna ainda mais sem sentido! Por que?

Jane abriu seus olhos vagarosamente, olhando para Um através do retrovisor:

- Logo depois daquela frase de efeito impactante e quase sem sentido, não é? Parecia até a glória do protagonismo, mas isso é vida real, apesar de não parecer.

- Muito ainda vai acontecer - Agnis começou um discurso - a maior parte será incompreensível, sobrenatural e nem mesmo eu vou poder te explicar o que está acontecendo. Por isso estamos correndo para o santuário, para termos as respostas que lhe são necessárias e...

- O que é esse tal santuário afinal? Acha mesmo que vamos chegar inteiros lá? É muito distante? Estamos próximos? Por que toda resposta significa mais perguntas? - Um entrou em desespero por apenas alguns segundos. Após apertar seus dedos em seu cabelo e deixar uma de suas lágrimas molhar o rosto da irmã, lembrou-se porque deveria se manter firme.

- O santuário é um lugar nas montanhas habituado por famílias de sábios, que sabem muito sobre o escolhido e onde existem os únicos e poucos registros sobre as tais nuvens que te perseguem. Minha casa não estava naquele lugar à toa, sabia? Ela ficava de costas para o santuário, para servir de vigia, defende-lo. Por isso, seguiremos em frente, passaremos pela floresta e chegaremos aos pés do monte inverno, então subiremos até o santuário, onde você poderá encontrar respostas, enquanto isso, o que deve te manter firme é a esperança de que irá encontrar todas elas.

- Até mesmo a esperança parece ter se tornado um fardo para mim - disse, olhando nos olhos da irmã - Eu sou a própria, segundo minha mãe e, me assusta a ideia de que eu possa decepciona-la. Eu... Estou com medo!

- Não se culpe por ter medo... É natural para um humano, ainda mais para uma criança - respondeu Agnis.

- Você não é criança, muito menos um humano, pelo menos não um normal - Retrucou Jane - Quando se está doente, você toma remédio ou repousa para se recuperar. Você não vai ter esse privilégio para tratar esse medo doentio. Saia para procurar sua cura. Vou com você se precisar.

As palavras de Agnis pareciam algo diminuto e supérfluo, apesar de singelo, equiparado às pérolas pronunciadas por Jane, que penetraram o corpo, alma, coração e mente da criança escolhida.

O carro começou a perder velocidade quando Agnis retomou a palavra, estando um pouco nervosa, mas ainda concentrada em todo o redor. Falou alto:

- Acho que tem um mini-mercado bem próximo seguindo essa pista, mas ir até lá significaria mudar o curso de nossa viagem e darmos ainda mais visibilidade ao inimigo, nesse momento isso não seria favorável, mas, ir até lá também significaria uma gama maior de recursos para continuarmos o caminho pela floresta.

- Se eles são capazes de nos encontrar no tal mini-mercado - questionou Um - por que não nos encontrariam na floresta?

Com uma resposta imediata, parando o carro no acostamento e erguendo um dedo indicador, Agnis respondeu:

- De acordo com as histórias, a floresta verdejante é protegida com magia, mas não uma magia simples. Uma força ancestral chamada natureza age lá, algo que aqueles de coração puro podem enxergar.

- Muito conveniente, será que pode me dar um pouco mais de protagonismo? - reclamou Jane, irritada, colocou sua bolsa lateral e saiu do carro, logo depois Um com Mary em seu colo e uma mochila nas costas. Por último, Agnis.

Estava começando a anoitecer e logo teriam de montar acampamento, pois simplesmente dormir em um carro seria perigoso demais. Esta parecia a oportunidade perfeita de Um para ir atrás de sua "cura".

- Nós vamos procurar um lugar pra ficar. Você pode ir para o mini-mercado se quiser, mas não vai adiantar ter suprimentos e não ter um lugar para nos escondermos e passar a noite - disse.

- Olha Um, não vou impedir se quiser encontrar um lugar para ficarmos, aliás, foi muito bem pensado, mas não acho seguro levar Mary com você. Ela nem sequer vai te ajudar em algo. A floresta vai te proteger do que existe do lado de fora, mas não do que está lá dentro. E se um urso atacar vocês, por exemplo? Será mais difícil de fugir carregando Mary. Consigo protegê-la se deixá-la comigo.

- Eu nem pensei em levar Mary comigo mesmo... - Um retrucou

- Então, com licença - Agnis tomou Mary em seus braços - Parece estranho e irresponsável fazer isso, mas - Agnis entrou no carro, abriu a bolsa de roupas de cama, colocou-a aberta no banco do passageiro e deitou Mary em cima dos panos, depois prendeu a bolsa pelos passantes, com o cinto - É mais seguro que você siga sozinho. Eu estarei devolta o mais rápido possível!

Agnis deu a partida e foi embora, deixando para trás o olhar confuso de Um.

- Sozinho? - Indagou, voltando seus olhos para Jane, que parecia decepcionada, porém, conformada.

- Eu realmente não existo mais pra ela. Vamos, Um, vamos continuar.

Eles acenderam suas lanternas antes de mergulharem na escuridão da floresta cautelosamente. Um fitava a garota que andava em passos largos e velozes à sua frente, crente de que percebera algo perturbador

Um - A EscolhaOnde histórias criam vida. Descubra agora