3 - Era de trevas

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Um não conseguiu continuar com sua refeição, limpou os cantos da boca com as costas de sua mão direita, engoliu seco e começou a falar:

- Agradeço tudo que está fazendo e não quero apressá-la, mas entenda minha situação: minha casa pegou fogo, perdi meus pais, estou dormindo há dois dias, morando nesse lugar que nem sei onde é. Por favor, me explique como minha irmã se machucou, o que estou fazendo com você nessa casa, eu... Eu não entendo nada!

- Eu poderia te preparar para dar essa notícia, tentar te ajudar a aceitar o que você é antes de jogar todas essas verdades absurdas, afinal, você é só uma criança, ah, Deus! - Disse Agnis.

- Aceitar o que eu sou? Do que está falando? - Um arregalou seus olhos, incrédulo do que estava estava ouvindo

- O humano escolhido, Um. Sei que você não teria conseguido sair daquele incêndio sozinho, sem qualquer ajuda sobrenatural. Não sou apenas uma bombeira qualquer, se é o que pensa.

- Não? Então, o que você é? O que estava fazendo lá? Foi você quem queimou a minha casa? - Gritou Um, se levantando rapidamente.

- Foi você quem queimou sua casa! - Retrucou Agnis, segurando os ombros da criança assustada. - Sei que você não faria isso se tivesse escolha, por isso estamos aqui. Por isso fomos perseguidos, por isso você não entende nada do que está acontecendo e por isso você deve ter paciência e esperar que eu explique!

Um silêncio desconfortável tomou conta do local. Os olhos assustados de Um deram lugar a um olhar entristecido, que desceu em direção ao chão. Se deu conta de que ainda não havia parado para pensar na perda de seus pais, na saudade, naquela angústia suprema que assolava seu peito e, ali mesmo, pôs-se a chorar. Apesar de ser uma criança, seu desenvolvimento era diferente, Um não tinha qualquer tipo de pensamento ou mesmo atitudes infantis, apesar disso, Um era incapaz de ignorar aquela dor, apenas tratá-la com mais maturidade.

Mais tarde, naquele mesmo dia, todos foram para a sala. Um se sentou e ao seu lado, Jane despencou sobre o braço do sofá. Agnis se sentou em uma poltrona, com Mary em seu colo. Não demorou muito até Agnis começar suas explicações:

- Como você sabe, essa é minha casa.

- Ah, por essa ninguém esperava - Jane resmungou.

- Passei minha infância aqui. Depois que meus pais faleceram, a herdei e continuei a morar nesse lugar. Não há muito mistério nisso, só era um lugar pelo menos um pouco inesperado de se procurar alguém como você.

- Agnis, o que significa ser o escolhido? Por que você sabe dessas coisas? - Um questionou

- Tenha calma, disse que vou explicar tudo e não vou sair daqui até ter feito isso.

- Por que não para de enrolar então? Que droga! - Jane, mais uma vez marcando sua presença.

Agnis respirou fundo, fechou seus olhos e se concentrou em sua história mais uma vez:

- Existem lendas que falam sobre uma pessoa que nasce a cada cem anos com uma missão, uma escolha específica, a qual pode mudar o destino da Terra. Essa lenda corre com tanta força, que o governo decidiu considerar tal pessoa um perigo universal, por isso, eles vêm sequestrando, usando os possíveis escolhidos para fazer experiências e pesquisas. Pessoas escolhidas sempre estão envolvidas em um acidente fatal e sobrevivem ao mesmo, quase sempre sendo um incêndio. Como já fazem mais de cem anos desde a última vinda de um escolhido, eles estavam de olho nas crianças de sua faixa etária, apenas esperando que uma delas atraísse uma certa força sobrenatural, que ainda é a parte que nenhum de nós entendemos.

- As nuvens vermelhas! - Exclamou Um.

- Então você as viu. As lendas são reais. Não faria sentido o governo dar tanta moral para uma lenda qualquer, na verdade, mas não sei como eles podem ter tal conhecimento - Agnis continuou - Não vamos poder ficar aqui por muito mais tempo, vou te levar para o santuário, o mais rápido possível.

Um - A EscolhaOnde histórias criam vida. Descubra agora