"não é a mesma coisa festejar sem ti"

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14 de maio de 2017, 02:37

Rafa está a ligar...

Rafa? Está tudo bem?

Do outro lado da linha, Eva conseguia ainda distinguir o ânimo dos festejos, o que a levou a concluir que o número vinte e sete estaria ainda a celebrar a inédita conquista do seu clube. Ainda assim, a ideia de ter acordado a meio da noite com uma chamada de Rafa só a remetia para pensamentos negativos e era difícil não estar preocupada.

Eva, hm, sim, está tudo ótimo! Desculpa, devias estar a dormir, que parvo!

Estava, sim, mas não tem problema. Parabéns pelo tetra! 

Obrigado, anjo.

Ele murmurou e, a quilómetros de distância, a rapariga sentiu-se tremer. Quatro anos depois, Rafa já não devia mexer assim tanto com ela, muito menos apenas com a sua voz rouca e uma ou outra palavra carinhosa. 

Eu vi a tua mensagem e tive que ligar. Não é a mesma coisa festejar sem ti, digo, sem vocês.

Rafa...

Desculpa...

Ele suspirou do outro lado da linha e Eva sentiu o seu coração apertar.

Eu não devia ter ligado... 

Não! Rafa!
Eu, hm... Eu também gostava muito de estar a festejar contigo.

O silêncio instalou-se entre o ex-casal durante algum tempo. Não um silêncio constrangedor, desconfortável. Um silêncio que os embalava em memórias de há quatro anos atrás, que os deixava confortáveis, que os fazia sentir em casa.

Foi Rafa quem acabou por quebrá-lo, trazendo à tona um assunto no qual não tocavam há mais de três anos.

Sabes... Eu sempre acreditei que teríamos resolvido as coisas se não tivesses ido embora.

E não me entendas mal, não quero de todo culpar-te por teres aproveitado uma oportunidade tão feita à tua medida, nem mesmo por não termos dado certo. Mas parte de mim não consegue não perguntar-se sobre aquilo que podíamos ter sido.

E agora que voltaste...

Já foi há tanto tempo Rafa...

As palavras de Eva saíram-lhe num sussurro sôfrego, como se lhe tivessem arranhado a garganta antes de ser ditas. O discurso do ex-namorado e a forma como o tinha pronunciado, quase num murmúrio, foram o suficiente para deixar a rapariga à beira das lágrimas, tentando suprimir emoções que julgava há muito enterradas.

Então por que é que parece ter sido ontem? Por que é que parece que ainda te sinto nas pontas dos dedos mesmo não te vendo há quatro anos?

Conheço a sensação...

Ela confessou, deixando uma gargalha irónica escapar pelos seus lábios enquanto as lágrimas já lhe caíam pelo rosto. Desde que voltara a Braga que tentava ignorar que o rapaz estava em todo o lado, mesmo estando a quilómetros de distância.

Mas não sei se é a altura certa para falarmos sobre isto, Rafa. Já passou tanto tempo... Já não somos as mesmas pessoas que éramos há quatro anos atrás.

A resposta dele veio rápida, como se estivesse precisamente à espera que ela dissesse aquelas palavras ou como se aquela conversa já tivesse sido ensaiada na sua cabeça vezes e vezes sem conta. Talvez tenha sido essa mesma velocidade o que conferiu tanto impacto às suas palavras. Isso ou o tom convicto da sua voz, que mostrava a Eva que ele estava certo do que dizia.

E ainda bem que não! Há quatro anos atrás, acabámos. Por que raio haveríamos de querer ser os mesmos miúdos se podemos ser muito melhores agora?

Um silêncio confortável instalou-se então entre os dois durante alguns minutos, mas só o facto da rapariga não levantar objeções à sua afirmação foi resposta suficiente para Rafa. Ele não queria apressar nada e a verdade é que ela tinha razão, não são as mesmas pessoas que eram quando ela foi embora, mas ele queria dedicar parte do seu dia a conhecê-la, a conhecer a mulher em que ela se tinha tornado.

Ainda que à distância, a rapariga ouviu quando uma voz masculina chamou o jogador, pedindo-lhe que voltasse à festa. Ouviu também quando ele despachou o amigo, dizendo-lhe que estaria de volta em breve e rindo.

Falamos depois, vai lá celebrar, campeão!

Eu vou, mas volto. Boa noite, anjo.

...

Algumas horas depois, contudo, quando acordou, Eva recordou toda a conversa que tinha tido com o moreno e uma intensa onda de pânico tomou conta dela. Será que as palavras que trocaram durante a madrugada faziam algum sentido? Eles não eram, de todo, os mesmos jovens adultos que se tinham separado pouco antes de ela partir em Erasmus, mas seriam a pessoa certa um para o outro? Ainda mais importante que isso, estariam eles, realmente, a sentir aquilo que diziam, ou estavam apenas a ser controlados pela nostalgia, pelas memórias que tinham um do outro?

Embora fosse domingo, a rapariga resolveu ocupar o seu dia com o manuscrito que tinha para analisar, acabando até por dizer aos amigos que não veria com eles a partida do Braga. Ela precisava de tempo sozinha, de se desligar e concentrar totalmente em si e no seu trabalho. Talvez voltar para Portugal não tenha sido assim tão boa ideia...

habits of my heart || rafa silva [pt]Onde histórias criam vida. Descubra agora