Capítulo I

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>Maria

-Shhh, está tudo bem meu querido. A mamã está aqui- digo tentando em vão acalmar o meu filho, João Lucas.

Ele apanhou varicela na escola e mesmo com a medicação que o pediatra receitou os últimos dois dias têm sido complicados. Ele não para de chorar e eu já não sei mais o que fazer! Quer dizer, os cremes para aliviar a comichão que o pediatra também receitou iam ajudar com toda a certeza. No entanto, como eram facultativos e eu não tenho dinheiro para os comprar, vou ter de me virar sem eles. É horrível vê-lo sofrer deste jeito sem poder fazer nada! Se ao menos tivesse a minha mãe comigo, ela ia saber como me ajudar...

Alguém bate à porta, ou melhor, alguém esmurraça a porta. Estranho, muito estranho. Eu nunca recebo visitas.

-Quem é?- pergunto, é que nem vale a pena fingir que não está ninguém em casa porque o choro do João deve ouvir-se no prédio inteiro!

-O CARA QUE VAI QUEBRAR ESTA PORTA E CALAR O SEU FILHO SE VOCÊ NÃO O FIZER! HÁ PESSOAS A TENTAR DORMIR NESTE PRÉDIO, CARALHO!- grita o homem que pelos vistos é meu vizinho.

João assusta-se com a gritaria e chora ainda mais alto. Ai, Deus! O que eu fiz para merecer isto?

-Tenha calma, por favor!- respondo mas sem abrir a porta, eu não sou tão louca assim- Só o está a assustar ainda mais! Eu vou acalmá-lo, não se preocupe!

O homem sonha um grunhido inteligível e afasta-se da porta do meu apartamento, ou pelo menos é o que parece pelo som dos seus passos.

Decido preparar um leite com chocolate para João, para ver se pelo menos isso o acalma.

Maldito prédio! Se eu ao menos tivesse dinheiro para arrendar um apartamento melhor, não precisaria de viver neste inferno! Décimo andar sem elevador, imaginem só subir com ele ao colo? As paredes são mais finas do que sei lá o quê! Para além de se ouvir tudo, o apartamento é gelado no inverno e no verão é tão quente que não se para aqui! Temos problemas de humidade, a luz falha imensas vezes, mas enfim é o apartamento que eu consigo pagar quando ganho apenas o ordenado mínimo e tenho uma criança pequena para cuidar.

João acalma-se com o leite e o cansaço acaba por o vencer e ele adormece finalmente. Mantenho-o no colo mais alguns minutos para ter a certeza que ele realmente adormeceu e depois deito-o no seu berço.

Olho para o relógio, já passam das três da manhã, estou exausta e amanhã tenho de acordar cedo para ir trabalhar. Podia até faltar para ficar com o meu filho mas o meu supervisor foi bem claro que para isso tinha de descontar nas minhas férias e bom estamos no final do ano, já descontei todas as minhas férias portanto isso significaria que iriam provavelmente descontar-me no meu ordenado, e isso está fora de questão!

Solto um longo suspiro e deito-me, em poucos segundos adormeço.

...

Estou literalmente a morrer de sono, por outro lado João hoje estava bem mais calmo, deixei-o com uma vizinha para poder ir trabalhar. Confesso que não fico muito descansada com isso, mas não tem outro jeito, não posso deixá-lo na escola porque está doente e pelo menos a minha vizinha não me cobra nada para cuidar dele.

Trabalho numa enorme empresa de contabilidade como empregada de limpeza, são oito horas diárias de trabalho e não trabalho aos fins de semana, o que é perfeito para mim porque dá para conciliar com o horário da escola de João. No entanto, é um trabalho esgotante e o ordenado não é lá grande coisa.

Apesar de tentar desesperadamente arranjar algo melhor desde que me mudei para a cidade, após a morte da minha mãe, à cerca de seis meses, ainda não consegui arranjar nada em que ganhe mais e que tenha um horário que se encaixe com o da escola do meu filho. 

Portanto, enquanto isso, tenho de conjugar a minha rapidez com a minha eficiência para limpar tudo o que me compete em oito horas. Felizmente nunca tive problemas, mas o mesmo não pode ser dito sobre a empregada que eu vim substituir. Diz-se que ela teve problemas com o dono da empresa e que foi por isso que foi despedida, mas acho que ninguém gosta muito dele, dizem que é arrogante e muito rigoroso. Eu acho que nunca o vi sequer, talvez seja melhor assim...

Enfim, o meu horário de trabalho acaba e eu consegui mais uma vez fazer tudo, no início foi complicado mas agora que já me habituei, fica mais fácil, muito cansativo à mesma, mas mais fácil...

Como hoje não tenho horário para ir buscar João decido ir ao supermercado comprar algumas coisas que me faltam. Ainda que o que eu quero mesmo é correr para casa e ver se está tudo bem com ele! Mas se não fizer as compras agora tenho que fazer no fim de semana e isso significa que tenho de levar o João comigo e ele sempre faz birra porque quer alguma coisa que eu não lhe posso dar. Sejam brinquedos ou doces, tudo o que tem embalagens coloridas e atractivas ele quer! Começa a puxar as coisas das prateleiras, a pôr tudo no chão, a chorar quando lhe digo que não é para levar aquilo ou quando lhe tiro as coisas das mãos. 

Enfim um show completo, para além de vergonhoso fico sempre de coração apertado por não lhe conseguir dar nada de nada. Tem meia dúzia de brinquedos que lhe consegui comprar quando ainda tinha a ajuda da minha mãe, mas agora é totalmente impossível comprar-lhe algum miminho...

Pego no leite para ele, água porque a da canalização do prédio não deve ser própria para consumo com toda a certeza do mundo, compro pão e carne para o jantar. E com isto, lá se vai o resto do ordenado, o que vale é que estamos no fim do mês...

[O que será que aconteceu para a nossa protagonista estar sozinha? Fica aí o suspense! Espero que tenham gostado de conhecer um pouco melhor a rotina de Maria, no próximo capítulo teremos momentos mais emocionantes, eu prometo! Não se esqueçam de deixar o vosso voto se estão a gostar 😉]

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