Capítulo XXIII

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>Maria

-É aqui- eu digo indicando para Steve que chegámos.

Ele acena e estaciona em frente à entrada do meu prédio.

-Obrigada pelo dia de hoje. Eu diverti-me imenso e o João também- digo.

-Não tens de quê. Eu é que tenho de agradecer pela vossa companhia- Steve diz sorrindo para mim.

Um silêncio constrangedor instala-se sobre nós enquanto nos continuamos a encarar e agora nenhuma das crianças nos vai salvar visto que a tarde foi tão cansativa que ambos adormeceram assim que se sentaram nas cadeirinhas e o carro começou a andar.

-Bom, obrigada mais uma vez. Eu vou indo, vemo-nos amanhã- eu digo.

-Não queres ajuda para levar João para cima?- ele pergunta.

-Não, não é preciso. Obrigada, mas eu mesma o levo- respondo.

-Tudo bem, até amanhã então- Steve responde.

Por algum motivo desconhecido, a minha vontade era de ficar mais tempo na companhia de Steve, no entanto nenhum de nós tem mais nada para falar. Abro a porta do carro e saio, abrindo logo depois a porta de trás para tirar João da cadeirinha. Agarro-o enquanto ele resmunga qualquer coisa e despeço-me mais uma vez de Steve.

-Boa noite.

-Boa noite- ele responde de volta.

Fecho a porta do carro e caminho em direção à porta de entrada do prédio. Steve permanece estacionado junto à porta até eu entrar, e só quando já me encontro no interior oiço o carro arrancar.

Entro no elevador enquanto reflito sobre tudo o que aconteceu hoje.

Durante horas esqueci-me totalmente de que Steve era meu patrão e desfrutei da sua companhia. E foi uma tarde realmente bastante agradável. João divertiu-se imenso e isso é, sem dúvida, o mais importante.

Quanto a mim e a Steve, isto não significou nada ou talvez até tenha significado. Eu não sei, mas o dia de hoje não faz qualquer diferença, ele continua a ser o meu patrão e eu uma simples funcionária. Para além do mais ele é meio bipolar, o melhor é ignorar e fingir que nada aconteceu e depois logo vejo como ele reage...

...

-João- chamo enquanto o abano para ele acordar.

-...- ele diz ainda ensonado.

-É hora de acordar, meu amor- digo acariciando a sua cabecinha.

João boceja e vai despertando aos poucos.

-Onde estão James e Steve?- ele pergunta olhando à volta.

-Em casa deles- eu respondo estranhando a sua pergunta.

-Ah, está bem. Nós vamos vê-los hoje outra vez?

-Não me parece- respondo e ele parece desiludido- Talvez outro dia- respondo só para animá-lo.

-Sabes mãe, eu gostei muito do dia de ontem!- ele diz muito fofamente.

-A sério?- pergunto feliz.

-Sim, brincar com James foi divertido e Steve é muito simpático, não achas?

Às vezes, João diz umas coisas que me deixam estupefacta. Por exemplo, a pergunta de ontem sobre as nossas possibilidades financeiras. E o facto dele estar a elogiar James e Steve também me deixa surpresa, apesar de eu saber que as crianças têm esta capacidade de se adaptar facilmente a novas pessoas. No entanto, eles também se apegam facilmente, como é prova esta conversa, e confesso que isso me assusta um pouco. Steve é muito imprevisível, eu nunca sei o que esperar dele, portanto não é boa ideia nenhum de nós dois se apegar muito a ele e à sua generosidade...

-Sim, eu acho- respondo por fim- Mas agora temos de nos despachar, sim? Porque hoje tu tens de ir para a escola e eu para o trabalho.

-Está bem, mamã- João responde ainda animado levantando-se finalmente da cama.

...

Ao chegar ao escritório, o meu objetivo de agir normalmente continua de pé. Vai-se lá saber o que é que Steve pensa sobre o que aconteceu ontem!

No entanto, antes que eu veja sequer Steve deparo-me com o envelope que recebi ontem ainda em cima da minha secretária por abrir.

Confesso que nunca mais me lembrei dele com tudo o que aconteceu depois, apesar de ter ficado bastante surpresa por alguém entregar uma carta para mim no meu local de trabalho.

Decido abrir o envelope antes de começar a trabalhar, mas o que se encontra lá dentro deixa-me horrorizada.

Com as mãos a tremer retiro todas as fotografias de dentro do envelope. Vou passando uma a uma nas minhas mãos e apercebo-me que todas elas foram tiradas no Domingo quando fui ao parque com João.

Há fotos dele a andar de mão dada comigo, dele a brincar sozinho, eu a observá-lo, eu a falar com Steve,...

O que é isto?, é a primeira coisa que penso.

Procuro mais alguma coisa dentro do envelope, mas para além das fotos este não trazia mais nada, nem um bilhete sequer...

Não entendo nada. Eu e João estamos a ser perseguidos? Mas por quem? Porquê? Para quê?

Fico durante alguns momentos paralisada devido ao choque e ao medo que sinto crescer dentro de mim. Não me lembro de alguma vez me ter sentido com tanto medo na vida...

Passados alguns minutos, o meu cérebro começa a funcionar novamente e apercebo-me de que alguém tem de ter deixado este envelope aqui para mim, visto que ele não tem endereço não pode ter chegado pelo correio.

Ainda com as mãos trémulas marco o número da recepção para saber quem é que entregou o envelope.

-O teu envelope? Por acaso fui eu quem recebi. O tipo não se apresentou, mas era alto, moreno, tinha os braços tatuados... Um gato! É algum admirador secreto? Se for, olha que te deste bem, Maria!- uma das recepcionistas com a qual me dou razoavelmente bem responde animadamente.

-Não, não é nenhum admirador secreto- longe disso! No máximo, algum obcecado- Eu não sei quem possa ser, mas se ele voltar chama os seguranças e não o deixes sair, por favor.

-Ok, mas está tudo bem?

-Sim, está tudo bem. Mas faz isso por favor, sim?

-Sim, claro.

Alto? Tatuado? Moreno? Não faço a mínima ideia quem possa ser nem o que quer de mim, mas as fotos pareceram-me uma ameaça...

Também era só o que mais me faltava agora!

Tento pensar numa maneira de solucionar o problema. Ir à polícia é o meu primeiro pensamento, mas se o tipo me estiver a seguir pode atacar-me, ou pior, atacar João antes que a polícia o apanhe. Ou pode nunca ser apanhado e eu vivo com medo para o resto da vida...

Por outro lado, se eu não fizer nada, vou continuar a ser perseguida.

E agora? Continuo como se nada fosse? Faço denúncia? 

Era ótimo se eu pudesse desabafar com alguém, ouvir uma palavra amiga, uns conselhos. Mas como isso não é possível, acho que vou ter (mais uma vez) que resolver tudo sozinha.

Se bem que, por agora, não há muito que eu possa fazer, visto que eu estou no trabalho.

Suspiro pesadamente. Depois de tudo o que aconteceu ontem, claro que tinha de vir algum problema para estragar tudo...

Nem Tudo são Rosas | COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora