Capítulo XIV

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>Maria

-Maria- Steve chama tocando de leve no meu ombro -Tudo bem?- ele pergunta.

Ao ouvir a sua voz eu desperto. Eu ainda estou na empresa. No meu trabalho, que eu não posso de maneira alguma perder!  

-Si-im- respondo.

Passo as mãos pelo rosto para limpar as lágrimas e tentando recuperar-me para terminar a conversa com os polícias. Eles não podiam ter simplesmente ligado? Ou ter enviado uma carta? Irem lá a casa? Porque raio tinham de vir ao meu lugar de trabalho? O que é que o meu chefe vai pensar disto? Para além de ter de pagar as dívidas do Dereck, agora estou em risco de perder o meu emprego. 

Quando os polícias se afastam e entram no elevador eu começo a ficar nervosa, muito nervosa. Steve está apenas a alguns passos de mim e agora somos só nós os dois.

No que ele estará a pensar? Será que me vai despedir por causa de todo este escândalo? 

-E-eu... ham... eu lamento por toda esta situação- digo no momento em que começo a andar para sair dali para fora. Não aguenta nem mais um segundo ali.

-Maria, espera!- Steve diz puxando-me pelo braço.

-Desculpa-me por toda esta situação- eu digo tentando parecer firme. Tentando não demonstrar mais qualquer fraqueza. Tentando a tudo o custo fingir que nada disto aconteceu para poder continuar o dia normalmente e não correr o risco de ser despedida.

Mas cada vez que penso, Dereck morreu. E mesmo morto ele conseguiu estragar tudo.

Eu não aguento mais fingir que sou forte, que está tudo bem, que tenho tudo controlado.

Eu não estou bem e a situação não está controlada.

Quando dou por mim Steve está a abraçar-me enquanto eu choro compulsivamente. Eu devia afastar-me, mas eu preciso tanto do conforto de alguém. E faz tanto tempo que ninguém me abraça.

Ele mantém-me junto ao seu corpo até eu me acalmar. E por muito que eu queira ficar na proteção dos seus braços para sempre, afasto-me.

-E-eu estou bem, desculpa-me... e obrigada- eu digo de cabeça baixa.

Como é que eu o vou encarar depois disto?

-Tudo bem- ele responde muito calmamente- Eu vou deixar-te sozinha para poderes pensar em tudo isto. E podes tirar o resto de dia de folga- eu limito-me a acenar ainda sem o encarar.

Ele deixa-me a sós e eu deixo-me escorregar pela parede até me sentar no chão.

Repasso toda a informação dos últimos quinze minutos.

Dereck morreu de overdose.

Ainda não consigo acreditar, quando namorávamos nenhum de nós se drogava! Álcool e tabaco era uma coisa. Mas drogas? 

Penso em quando fiquei grávida, depois de muito conversarmos, concordámos em ter aquele filho. Mas logo nos primeiros meses de gravidez ele afastou-se, perdeu-se, já não era mais o mesmo Dereck. Aquilo era demais, para ambos, mas ao contrário dele eu não podia fugir. João crescia dentro de mim.

No fim da gravidez eu não aguentava mais viver na casa dele, para a qual eu me mudei quando decidimos ter aquele filho. Eu saí de lá e voltei a viver com a minha mãe. Falei com Dereck, disse-lhe que não dava mais para estarmos os dois juntos mas que nunca o ia impedir de ver o filho. Aquilo doeu. Afinal, eu amava-o. Antes de tudo nós estávamos bem, éramos um casal feliz, leve e sem grandes discussões. Mas a gravidez acabou connosco. 

Depois de acabarmos não o voltei a ver, ele não me procurou e eu também não fui atrás dele, foi ele que se mudou, eu permaneci no mesmo sítio por vários meses. 

A minha mãe apoiou-me, sempre. Ela esteve comigo toda a gravidez, ficou ao meu lado no parto, ajudou-me quando João nasceu,...

Mas quando João tinha apenas dois anos ela morreu de ataque cardíaco. E eu e João ficámos sozinhos.

Durante todo este tempo evitei pensar em Dereck. Nos primeiros meses custava que nós tivéssemos acabado assim. Depois veio a mágoa de ter sido abandonada. Mas nunca me passou pela cabeça que ele se tivesse perdido. Eu sempre pensei que ele tinha seguido em frente, apagado a minha existência e a do filho da sua vida e que estava bem. Mas afinal ele não conseguiu superar e foi pelo caminho mais fácil, que acabou por lhe custar a vida.

Para ele também não foi fácil.

Não que isto seja uma desculpa. Porque nada justifica o que ele fez. Ele abandonou o próprio filho. Nunca quis saber dele. Nunca o conheceu. Isso não tem perdão. 

No entanto eu não fui a única a sofrer com tudo isto. A diferença é que eu segui em frente, eu lutei enquanto ele se deixou ficar pelo caminho.

Suspiro. Não vale a pena pensar nisto, ele morreu e não há nada a fazer quanto a isso.

Quanto às dívidas...

Com alguma sorte nem é um valor tão elevado. É só adiar os meus sonhos, mais uma vez. Tenho a poupança para o aluguer do apartamento, pode ser que chegue. E senão chegar pago em prestações.

Se por outro lado eu não conseguir pagar, aí eu não sei...

Ganho coragem e saio daquela casa de banho. Tenho de arranjar um advogado, mais uma despesa, e passar pela esquadra, a ver se resolvo o problema ainda hoje.

...

É claro que Dereck não se limitou a deixar umas dividazitas. Ele deixou várias dívidas em sítios diferentes. Conclusão: ou pago tudo de uma vez ou então pago por partes e arrisco-me a que alguém me ponha um processo e me penhorem bens.

A questão é, como é que eu vou pagar tudo de uma vez?

A única solução é pedir um empréstimo. Ou seja, endividar-me mais para conseguir pagar as dívidas. Bestial, isto está a ficar cada vez melhor, não acham?

Mas é a única maneira de pagar tudo de uma vez. Depois é só pagar a prestação todos os meses e não corro o risco de ficar sem o pouco que tenho. A única desvantagem é que os juros são altíssimos...

Enfim, eu depois tenho de ver isto melhor. Por enquanto vou focar-me num novo dia de trabalho e rezar para Steve não me despeça por causa do que aconteceu ontem.

Sento-me à minha secretária e aguardo a sua chegada. Quando as portas do elevador se abrem eu fico ainda mais nervosa, começo a sentir as minhas pernas tremerem e as minhas mãos suarem.

Engulo em seco e levanto-me.

-Bom dia- digo enquanto passo as mãos pela minha saia nervosamente- Ham... sobre ontem, eu gostaria de m...

-Tudo bem- ele diz firme olhando bem fundo nos meus olhos.

Tudo bem? Só isso? Ele não me vai despedir? Ou pelo menos reclamar da situação?

Eu limito-me a acenar e ele segue em direção à sua sala. Suspiro aliviada. Eu acho que isto quer dizer que vai tudo ficar a mesma, certo?

Nem Tudo são Rosas | COMPLETAOnde histórias criam vida. Descubra agora