Capítulo IX

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>Maria

Antes que eu entre em desespero, o meu telemóvel toca. Olho para o visor e é um número desconhecido. Atendo.

É da esquadra da polícia para eu ir buscar o meu filho. 

Meu Deus, como é que eu deixei as coisas chegarem a este ponto?  Ele deve estar cheio de medo sozinho num lugar desconhecido. Apresso-me a caminhar pelas ruas rumo à esquadra, interiormente peço com todas as forças que seja tão simples como chegar lá e trazê-lo comigo.

À chegada sou levada até uma sala. João chora baixinho sentado numa cadeira. Aproximo-me com o coração nas mãos e abraço-o para acalmá-lo. Como é que eu fui capaz de deixar o meu filho passar por esta aflição apenas para proteger um idiota que nem me agradeceu?

Agarro-o no colo e acalmo-o, instantes depois ele deixa de chorar e adormece ao meu colo, enquanto um polícia entra na sala para falar comigo.

-Bom, como sabe a senhora atrasou-se para ir buscar o seu filho à escola. Segundo o regulamento, com um atraso superior a uma hora e sem qualquer aviso por parte dos pais, os responsáveis da escola ligam para a polícia ir buscar a criança. 

-Sim, eu sei. Eu atrasei-me, mas foi uma excepção, nunca aconteceu antes e não se voltará a repetir- eu digo rapidamente.

-Mas sabe que nestas situações nós temos de tomar providências para garantir que a criança está a ser bem tratada e que os pais têm condições para criar as crianças. Pelo que vi no registo da criança, é mãe solteira, certo?

-Sim- respondo.

-Posso saber o motivo do seu atraso?

-Foi por causa do trabalho. O meu patrão pode justificar.

-Eu preciso de confirmar isso, tem a justificação?

-Não, mas eu posso pedir.

-Certo. Mas posso saber porque é que não ligou para avisar que ia chegar atrasada? Iria evitar toda esta situação.

Não posso dizer que não tenho o número da escola, isso não seria um ponto a meu favor.

-Eu não dei pelo tempo passar devido a um problema na empresa. Foi uma tarde stressante e não me dei conta das horas.

-Isso é um pouco irresponsável por parte de uma mãe, não acha?- ele olha-me desconfiado.

-Aconteceu uma única vez. Como já disse, foi uma excepção e não se voltará a repetir.

-Mas nós não temos certezas disso. E precisamos de garantir a segurança das crianças.

-Eu sei, e quando é uma situação recorrente entendo que tenham de ser tomadas providências, no entanto visto que ocorreu apenas uma vez...- deixo a frase em suspenso.

Espero pela sua resposta. Eu não sou ingénua, sei que nestas situações as crianças ficam sinalizadas pela Segurança Social que faz várias investigações e exigem um sem fim de coisas para que os pais possam ficar com os filhos. E bem, o meu apartamento não tem propriamente as melhores condições, João não tem qualquer relação com o pai,... Se este polícia decidir que não está tudo bem eu vou ter muitos problemas à conta disso e por um motivo bem estúpido. E se há coisa que eu não preciso são mais problemas.

-Bem- ele diz por fim- Tem 24 horas para apresentar uma justificação válida para o seu atraso. Pode ir para casa e levar o seu filho, mas se a situação se repetir teremos de tomar as devidas providências.

Nem me lembro do que disse depois ou como é que eu saí dali, tamanho foi o alívio que eu senti naquele momento.

Felizmente, tudo acabou bem. Menos a parte em que vou ter de pedir a justificação lá na empresa. O que normalmente eu faria nos recursos humanos e seria bem tranquilo, mas visto que  a única pessoa que sabe do meu tempo extra na empresa é o meu chefe tenho de lhe pedir a ele. E ele pode muito bem recusar. 

Mas prefiro não pensar nisso agora. O meu filho está aqui comigo e isso é a única coisa que importa...

...

Acalma-te Maria, respira fundo.

Dou um passo em frente e bato à porta do seu escritório.

-Sim- ele responde.

-Posso?- digo entreabrindo a porta. Ele acena e volta a encarar os papéis em cima da sua secretária. Tomo coragem e digo de uma vez tudo o que tenho para dizer- Euprecisodeumajustificaçãoemcomoontemeufiqueiatrabalharatémaistarde.

Ok, também não precisava de ser tão rápido assim. Steve tira os olhos do papel e encara-me curioso.

-Eu preciso de uma justificação em como ontem saí mais tarde do trabalho- repito, desta vez mais calma, sentindo as minhas bochechas queimarem.

-E porque é que ficou a trabalhar até mais tarde?- ele pergunta com a maior cara de pau.

-Vamos passar essa parte à frente. Você sabe muito bem porque é que eu fiquei aqui até mais tarde. 

-Que eu saiba ninguém lhe pediu nada.

Ele parece estar a divertir-se imenso com o meu desespero, mas eu estou nem aí! Desde que no fim ele me dê a porcaria da justificação!

-Eu sei que ninguém me pediu nada, mas como boa pessoa que sou eu decidi ajudar o idiota do meu chefe e evitar que ele se metesse em encrencas com o pai dele. Portanto o mínimo que ele podia fazer era passar-me a porcaria da justificação! Qual é, é uma justificação! Não é como se eu estivesse a pedir o pagamento das horas extra ou um aumento!

-Idiota?- ele olha-me de sobrancelhas erguidas e uma expressão de divertimento.

O quê? Quando? Como?

Vou-me fingir desentendida, é isso! 

-Hã? Está-me a chamar de idiota?- digo- Por favor, eu só quero mesmo a justificação, pode ser?- acrescento para ele não ter tempo de responder.

-E porque raio você precisa de uma justificação?- reviro os olhos- Não a sério, eu estou curioso. Os paizinhos controlam a sua hora de chegar a casa?- ele diz sarcasticamente.

Os meus pais. Como se eu alguma vez tivesse tido pai! E a minha mãe...

Respira fundo, não é hora para ires abaixo. Pensa no João.

-Olhe- digo irritada- Eu não lhe admito que me falte ao respeito! Não sei se ainda se lembra mas ontem fui eu que o ajudei. E você para além de ser um ingrato e não me ter sequer agradecido ainda está a zombar de mim! Eu tenho os meus motivos para querer a justificação, eu realmente preciso dela, mas está visto que nem todos aqui estão dispostos a ajudar-se.

Nem me dou ao trabalho de olhar na cara dele, simplesmente dou costas e saio do escritório. 

Ele não me chama.

Por uns milésimos de segundos eu ainda achei que ele me ia chamar e pedir aos direitos humanos para me passarem a justificação. Mas não. 

Suspiro e sento-me à minha secretária tentando aos poucos acalmar-me. O que não está a ser fácil, o que será que vai acontecer se eu não entregar a justificação?

Pergunta estúpida, muito provavelmente vão achar que sou ainda mais irresponsável e podem dar entrada de um processo para ver se eu realmente sou capaz de tomar conta do meu filho. Resta-me rezar para que se esqueçam do incidente lá na esquadra, o que não me parece, mas sonhar não custa...

...

Eu juro que gostava de entendê-lo.

Porque é que ele não me deu logo a porcaria da justificação? Era preciso esperar eu ir à casa de banho para deixá-la em cima da minha mesa?

Ele é inacreditável...

[O que será que fez Steve mudar de ideias? No próximo capítulo teremos a visão dele! Não se esqueçam de votar e comentar]

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