A PROVÍNCIA VERMELHA

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─ Aquele que se veste com a areia do nosso mar e tem na cabeça a coroa que representa os eixos de nosso país, é digno de todas as riquezas. De maneira alguma deve afrontado, mas deve sim ser respeitado como um dos doze deuses.

O arauto bradava incessantemente. A família real vermelha era muito acatada por todos, mas os inevitáveis escândalos tornavam difíceis as aproximações com alguns dos demais reinos. Isso principalmente porque o país ficava em uma região favorável, onde a maior parte do mar pertencia a eles, o que facilitava a relação do reino com outros continentes.

Naquele dia, a família preparava-se para uma viagem até o reino de Alecrim. A cerimônia do ano da águia no palácio e no templo das flores era uma oportunidade para colocar um ponto final na conflituosa relação entre ambas as terras.

A Província Vermelha era um dos mais antigos reinos do Alto continente. Tinha tradições antigas, mas sempre foi considerado mais profano que sagrado. Tudo era lícito na Província Vermelha, nada era estranho para escarlates. O sexo para eles era uma dádiva e seguindo essa cultura, era uma falta de respeito não cumprir com seus compromissos sexuais. Adoravam o deus Niro (figura de homem tigre). É o deus do sexo e da fertilidade.

Enquanto alguns reinos eram bem conservadores, na Província Vermelha os casamentos poderiam ser "abertos". Era proibida a poligamia no papel, exceção do rei, contudo o adultério era liberado se os casais entrassem em um acordo. Só era considerado adultério se no dia do casamento o casal se recusasse ao chamado "poli amor".

Haviam vários bordeis na Província Vermelha, com salas especiais para as orgias. Homens podiam se relacionar com homens, e as mulheres também tinham esse direito. O rei Enoch trazia diversas prostitutas e prostitutos para a cidade, afim de satisfazer os desejos sexuais de seus habitantes.

A geografia da cidade era simplesmente belíssima e o nome do país era dado por motivos lógicos. Na região da Província Vermelha, um fenômeno raro acontecia. Durante o pôr-do-sol, a grande concentração de recifes de corais e algas marinhas deixavam a coloração do mar em tons vermelhos. Além disso as falésias próximas ao mar eram avermelhadas também. Quem visitava o país se encantava com este verdadeiro espetáculo a céu aberto, invejado por todos os outros reinos vizinhos.

O Castelo Escarlate estava construído sobre uma falésia isolada por cerca de 350 metros acima do nível do mar. Para chegar até o castelo, era necessário atravessar uma ponte natural, de rochas e cascalho. A obra era magnífica, cercada por homens do exército vermelho, poderosos e sangrentos guerreiros. O exército vencedor era uma espécie de troféu para o reino.

O próspero império era comandado pelo já citado rei Enoch VIII. Apesar da estrutura, Enoch preferia ser chamado de rei ou Rei-deus, invés de imperador. O liberal monarca era completamente a favor das fornicações. Ele tratava mulheres como mercadorias humanas. Dava liberdade a elas apenas para servirem de objetos de prazer para o povo. O mesmo fazia com os rapazes de corpos viris, principalmente os de outros reinos que eram capturados.

Sua esposa, a rainha Melissa era uma mulher fútil e impiedosa. Detestava a pobreza e em alguns momentos fez o rei exterminar alguns dos miseráveis do estado. Todas essas coisas fizeram de forma silenciosa, até porquê, quem se importaria com mendigos em uma terra tão abastada e farta? A rainha Melissa era um exemplo de profanidade, mas transmitia uma hipocrisia fora do normal. Há quem diga que a rainha guarda um segredo que, se fosse revelado abalaria as estruturas do reino.

A viagem até Alecrim não era nada cômoda, pois cinco dias em charretes e cavalos não era nada agradável. Todos pareciam ir à festa em Alecrim por obrigação, apenas o rei tinha interesse. Naquele meio, surgiam os questionamentos e as rebeldias do príncipe Frederic. Ele era mais um, que havia nascido no lugar errado.

─ Por quais motivos temos que ir à essa festa?

─ Por motivos nobres meu filho. É a cerimônia de adoração à deusa Águia. Não podemos deixar de oferecer as honrarias a ela. – Disse a rainha, ajudando o príncipe com as vestes imperiais.

─ Em Alecrim. Mãe, por favor!

─ Eu sei que é patético. Também sei que Alecrim não é um lugar favorável para nós, mas iremos por motivos políticos e religiosos.

─ Eu compreendo, contudo, não vejo motivos para tal obrigação. Se somos livres, por que os deuses insistem em querer nossa presença anualmente? Já temos tudo mãe, não precisamos dessas cerimônias monótonas.

A rainha virou-se para o príncipe e o repreendeu.

─ Não fale isso. Eles podem castigar-vos.

Em silêncio, o príncipe continuou a vestir as pesadas roupas e colocar sua coroa. O sacerdote então, chegou e chamou a todos, pois o rei estava a esperar na sala do trono.

─ Sim. Havemos de descer mui rápido. Diga-o que apenas tomarei um pouco de vinho. – Disse a rainha, acenando para que a serva lhe trouxesse uma taça de vinho.

No entanto, nervosa, a serva terminou por derramar o vinho na roupa da rainha. Irritada, a majestade amaldiçoou a escrava.

─ Nefasta! Maldita! Fizeste isso de propósito?!

A serva ajoelhou-se e pediu perdão à rainha.

─ Minha senhora. Perdoe-me por minha estupidez.

A rainha apertou a mão da serva e impulsionou seus braços para trás, para os gritos de dor da moça. Ela então com veemência selou seu castigo.

─ Levem-na para o calabouço. As ratazanas e tarântulas serão sua companhia a partir de hoje, até que eu mude minha opinião.

Aos gritos a serva foi levada até o calabouço do reino. O local era úmido e fedido, pois ficava no limite da terra com o mar. Lá dentro, dava para ouvir o barulho das ondas contra as paredes fortificadas. A qualquer momento as águas invadiam o local através de uma pequena grade, para desespero de quem ali estava.

Atônito, o príncipe não entendeu o motivo de tamanha arrogância.

─ Mãe. Por que tudo isso? Ela apenas derramou o vinho. A senhora pode usar outro vestido ou até mesmo tirar essas manchas.

Agindo como se nada tivesse acontecido, a rainha apenas respondeu:

─ Frederic. Um dia tu serás rei. Uma das coisas que deves saber é que não podes baixar a guarda diante dos fracos e inúteis. Eles precisam saber que tu és o maior.

─ Mãe. Mas o meu governo não é para os fracos e inúteis?

─ Não Frederic. Já tens vinte anos e ainda não entendeu as obrigações de um império? Seu governo é para os ricos, pois são eles quem sustentam seu poder. Agora vamos, seu pai está a nos esperar.

Após alguns minutos, a família real saiu em direção a Alecrim, com todas as honrarias da população em torno do cortejo imperial. O príncipe insatisfeito, nem imaginava que seria abalado por uma emoção ainda desconhecida nas terras vizinhas.

O encontro dos reinos reservava novidades para o esquema político e religioso, mas principalmente no quesito sentimental.

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