Duas vidas

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         Era dia de fazer o ultrassom. Nicolae já estava no hospital. Por causa do plantão noturno. Ele fazia questão de acompanhar o progresso da gravidez. Uma de suas melhores qualidades era seu instinto paterno.
         _ Lorie, você vem?
         _ Eu quero ficar em casa. Como faz para parar de sangrar? Isso é ruim de mais.
         _ Tem que esperar o ciclo acabar. Só a gravidez corta isso.
        _ Caramba, só tem coisa ruim quando a gente cresce.
        Desci as escadas e encontrei Drogo. Sentia falta do meu amigo.
        _ Oi.
        _ Oi. Está tudo bem com o bebê?
        _ Sim. Eu tenho uma consulta agora. Está tudo bem com a Natasha?
        _ Nós brigamos por causa do professor. Ela fica defendendo aquele lobisomem.
        _ Não entendo. Nas histórias dos humanos, os lobisomens sempre foram retratados como mais cruéis e perigosos, do que os vampiros.
        _ Ela nunca viu ele transformado. Quando ver, vai entender.
        _ Ela vai defender eles. Ficar do lado deles. E você, Drogo? Entre sua garota e sua família, quem você vai proteger? Acho que isso será inevitável. Já vai pensando.
       Saí de moto. Lembrei que Nicolae se preocupa com isso. Eu teria cuidado. Iria sem pressa. Mas, amava motos e era difícil abrir mão daquela adrenalina.
       Nem precisei chamar. Ele já sabia que eu havia chegado e foi me esperar na porta do consultório. Eu sorri para ele e entramos juntos na sala do médico.
       Olhei para o doutor já usando meu dom.
        _ Apague qualquer registro de nossa consulta.
        _ Apagar. _ ele disse, como um robô.
        Quando apareceu a imagem na tela, Nicolae disse...
        _ É tão pequeno. Mas, o coração bate forte. Está se desenvolvendo bem, doutor?
      _ Ela precisa se alimentar direito. Está tudo bem, mas, não pode descuidar. O início da gestação é um momento crítico. Ainda mais sendo gêmeos.
      Olhei Nicolae chocada. Como assim gêmeos? Eu não estava ouvindo dois corações.
       _ Na outra consulta não deu para ver. Mas, olha... Tem dois sacos gestacionais. Esse bebê está mais desenvolvido. Esse está um pouco abaixo do que se espera nessa fase. Precisa se alimentar melhor.
        Ou seja, um bebê sofreu mais, por eu estar no porão.
         Nicolae encarava a tela, triste. Culpado.
         _ Vamos ouvir o coração deles?
         _ Sim. _ eu disse.
         Até mesmo com o aparelho de última geração, era difícil ouvir o coração do outro bebê.
         _ Eu só escuto um coração, doutor. Está tudo bem com o outro bebê?
         _ As vezes demora um pouco para poder escutar. Ele não se desenvolveu como o outro. Vamos esperar algumas semanas.
        Não pude evitar ficar me culpando. Se eu não tivesse desobedescido Nicolae, meu bebê estaria bem.
        _ Você precisa se cuidar.
        _ Eu vou cuidar dela. _ disse Nicolae.
       Nicolae me olhava com culpa também.
       Saímos do consultório. Nicolae segurou meus ombros.
       _ A culpa é minha. Não se culpe. Eu que sou paranoico e passo dos limites, tentando proteger a família e manter boas relações com os humanos. Fui eu que desconfiei de todas as suas ações, acreditando serem ordens do Viktor. Se esse bebê não sobreviver, a culpa é minha.
        A dor que eu senti, ao ouvir sobre a possibilidade de perder meu bebê, foi pior do que ter uma estaca cravada no peito.
        _ Não interessa de quem é a culpa. Eu não vou perder meu filho. Farei o que for necessário para salvá-lo. E não quero você me questionando.
        _ Não vou. Prometo.
        _ Como é possível que sua maior qualidade e seu pior defeito, sejam a mesma coisa?...
        Ficamos nos encarando um tempo. Eu estava culpando ele, sim. Virei as costas e saí. Afetando só eu, dava para perdoar. Mas, com meu filho?... Naquele momento, eu considerava impossível.
        Senti vontade de abraçar o urso Nicolae e chorar até dormir.

********

       _ Como foi? _ Lorie parecia animada.
       _ São gêmeos.
       _ Não escuto dois corações. _ disse Peter.
       Lorie me encarou.
       _ E porque não está feliz?
       _ Um deles não se desenvolveu direito. Por isso, não dá para ouvir o coração. Ele disse que preciso me alimentar melhor. Não quero perder meu bebê.
        Peter me abraçou. Fez um carinho no meu cabelo.
        _ Você não vai perder. Calma. Vamos cuidar de você.
        _ Mana, esses bebês são vampiros. Não vão morrer fácil, assim.
        _ Lorie eles ainda estão se formando. Mesmo sendo vampiros, ainda são frágeis. _ eu disse.
        _ Não entre em pânico. Vai ficar tudo bem. _ disse Peter.
        Escutamos batidas na porta. Apurei os ouvidos. Era um coração humano.
         _ Será a garota do Drogo?_ perguntei.
         Lorie foi abrir a porta.
         _ Olá, desculpe aparecer sem avisar. Eu vim ver a Lívia.
         _ Quem é você?
         _ Marcos. Sou namorado dela.
         Meu rosto esquentou. Lorie deu um sorrisinho sapeca, estreitando os olhos.
         _ Não é o que estão pensando. _ eu disse.
         Peter riu.
         _ Calma. Sabemos como seu dom afeta os humanos.
         Lorie deixou "Pepsi" entrar. Ele olhou espantado para a mansão. Aquele estilo europeu da era medieval impressionava qualquer um. Positiva ou negativamente. Eu, amava a decoração.
         _ Olá. _ eu disse. Saindo dos braços de Peter.
         _ Ei, gatinha. O que aconteceu? Estava chorando?
         _ Nada de mais. Não se preocupe. O que o traz aqui?
         Ele olhou os outros Bartholy, parecendo sem jeito.
        _ Queria te ver e como somos namorados... Acho que foi uma péssima ideia.
         Eu fui até ele.
         _ Irmãos, esse é o Marcos. Meu colega de turma. Me passa as anotações das aulas, quando perco. _ olhei para ele. _ Meus irmãos... Lorie e Peter.
        _ Prazer em conhecê-los. _ ele disse.
       _ Seja bom com a minha irmã, senão...
      Ele olhou assustado para Peter.
      _ Não se preocupe. Eu respeito bastante, ela.
      _ É melhor sairmos. _ eu disse.
      Ele pareceu aliviado. Me seguiu até a floresta, atrás da mansão. Ainda observando tudo, com atenção.
      _ Porque apareceu tão de repente?
      _ Eu fiquei preocupado. Vi você saindo do hospital. Está tudo bem?
      _ Está. Eu só... Consulta de rotina. Nada de mais.
      Ele se aproximou, abraçando minha cintura.
      _ Eu me preocupo com você. Não me esconda nada.
      Estava escondendo muito. Minha gravidez. Que eu era vampira. Que nosso relacionamento era só uma ilusão, criada pela mente dele. Caramba, aquilo era tão errado.
      _ Na verdade...
      Fui interrompida por um rosnado.
      _ Mas o quê?... Lobos?
      Ele olhou assustado.
      Os dois lobos se aproximaram.
      _ Corre. _ gritei para ele.
      Eu não confiava nos lobisomens. Era melhor que Marcos fosse embora. Corremos na direção da casa. Tive que ir no ritmo dele, para que não descobrisse minha natureza sobrenatural. Senti o lobo pulando nas minhas costas. Cai de cara no chão.
       _ Lívia!_ Marcos gritou desesperado. _ Chama meus irmãos. Vá.
       Ele hesitou, entre ir e tentar me ajudar. Depois foi. O lobo em cima de mim, ficou rosnando perto da minha orelha. O outro parou. Um pouco mais na frente.
       Eu estava com medo. Principalmente por causa dos bebês. Então, não me mexi. Meu corpo doía pela queda e pelo peso dele.
       Lorie apareceu e parou ao ver a cena.
       _ Não façam mal a ela. Por favor.
       Lorie estava assustada e não escondia isso.
       O outro lobo se aproximou dela. No meio do caminho, ele virou humano.
       _ Oi, sanguessuga. Você está em dívida comigo.
       O lobo acima de mim, também mudou de forma.
        _ Oi morceguinha. Precisava espantar seu namoradinho humano. Você e eu prometemos diversão, antes da guerra. Lembra?
        _ Sai de cima de mim. _ eu disse.
        Ele riu, mas, se levantou.
        _ Vamos sair daqui. Antes que ele volte. _ disse o lobisomem.
       Não podia recusar. Conseguia ouvir outros lobos, por perto. Se Marcos visse algo fora do normal, como eu explicaria? E se os lobisomens o atacassem?
       Lorie estava tentando recuperar o controle. Mas, seus olhos ainda expressavam pânico.
       Nós seguimos eles, sem dizer nada. Com medo de como aquilo ia terminar.
       Eles nos levaram até um acampamento. Em uma clareira. Tinham várias barracas. Uma fogueira preparada. A base deles, era ali, na floresta. E não pareceram incomodados com nossa presença. Como se não fôssemos ameaça.
       _ Nós preferimos ficar em contato com a natureza. É mais seguro. Venha aqui.
       Segui ele até uma das barracas. Havia uma garota ali. Parecia jovem. Mas, se tratando de sobrenaturais, nunca se sabe.
       _ Vou esperar lá fora, morceguinha.
       Ele saiu. Eu não entendi o que fazia ali. Estava preocupada com a Lorie.
      _ Então, existe lobismulher.
      A garota não disse nada. Ficou me encarando. Então, olhou minha barriga.
      _ Você está prenhe.
      _ Prefiro o termo, grávida. Porque me trouxeram?
      _ Preparativos de guerra. Vou pegar seu sangue.
      _ Não pode. _ eu recuei.
      _ É melhor cooperar. Vou tirar por bem, ou por mal. Acredite, não vai querer fazer mal à sua cria.
      Abracei a barriga, por instinto.
      Ela mostrou a faca. E puxou meu pulso.
      _ Vocês se curam rápido. Vou precisar cortar bem fundo.
      Eu puxei o pulso de volta e corri para fora da tenda. O lobisomem me segurou e levou de volta para a tenda. Me jogou no chão. Subiu em cima de mim, segurando meu braço.
       _ É melhor cooperar. Se quer meu sangue, vai ter que dar o seu.
       _ Vão usar meu sangue para quê? Me solta!_ gritei.
       A loba, cortou meu pulso e eu gritei de dor. Estava difícil focar minha mente para pedir ajuda.
       _ Seu sangue pelo meu. Deixo você me morder depois. _ ele sussurrou no meu ouvido.
       Mas, eu não queria o sangue dele.
       Ele beijou meu rosto.
       Continuei olhando meu pulso e vi meu sangue escorrendo.
        _ já vai acabar. _ ele disse.
        A voz de Lorie chegou até mim. Ela estava cantando. Uma canção de ninar macabra, que me arrepiou. Digna de um filme de terror. Os lobisomens também perceberam. O som era angustiante. Apesar de ela ter uma bela voz. Aguda, feminina, doce. Se uma sereia existisse, seria como aquilo. Aos poucos, fui ficando sonolenta. Somente a dor no meu pulso, me mantinha acordada. Reparei que a loba adormeceu e o lobisomem também. Lorie apareceu na entrada da tenda.
       _ Vamos. Não temos muito tempo.
       _ Ajuda. _ pedi.
       Ela empurrou o lobisomem, tirando ele de cima de mim. Eu levantei, segurando o pulso.
       _ Mas, o quê?...
       _ Meu sangue, pelo dele.
       _ Vamos fugir logo.
       _ Bela voz.
       _ Eu tenho meus dons.
       Ela deu o sorriso travesso, erguendo a sobrancelha.
       Eu balancei a cabeça para afastar a sonolência e a segui. Encontramos Peter e Marcos no meio do caminho. Marcos correu até mim e ao ver o sangue se desesperou.
       _ Ele te mordeu?
       Olhei para Peter.
       _ É... bem... Sim, mas, conseguimos escapar. Graças à Lorie.
       Peter olhou surpreso, para ela. Que continuava com aquele sorriso travesso. Estreitando os olhos.
       _ Obrigado, Lorie.
       Marcos abraçou ela, que me olhou chocada. Ele olhou para mim e eu usei o dom nele.
        _ Está tudo bem agora. Vá para casa.
        Ele se afastou de Lorie e foi. Quando tinha uma boa distância, usamos a velocidade de vampiros e fomos para casa.
        Peter veio olhar meu pulso. Estava se fechando de vagar.
        _ O que aconteceu?
        _ Lobisomens. Queriam cobrar algo, por nos dar o sangue. _ disse Lorie.
        _ Seu sangue, Lívia?
        _ Sim, Peter. Não sei para quê.
        _ E você, Lorie?
        Ela abaixou a cabeça.
        _ Meu corpo.
        Peter suspirou irritado.
        _ Nós avisamos várias vezes que isso aconteceria. Vocês insistiram em tomar o sangue deles. Sabem que não são confiáveis.
        _ Temos nos virado muito bem, sozinhas. _ disse Lorie.
        _ Estou vendo. Trazendo humanos para casa, voltando machucadas. E servindo de putinha de lobisomem.
        Lorie encarou Peter chocada. Até eu quis dar um tapa nele.
        _ É assim que você me vê?_ ela perguntou magoada.
        _ Você pulou nele como uma qualquer. Deixou ele ficar dando tapa na sua bunda. E ainda entregou seu corpo em troca de sangue. Quer que eu pense o quê?_ ele gritou.
        Nunca vi Peter daquele jeito. Ele estava muito alterado. Com raiva. Ele já tinha entendido o que aconteceu antes. Porque trazer isso a tona, agora?
        _ Pense o que você quiser, Peter. Eu sempre fui só uma garota irritante, mimada, que todos odeiam mesmo. Só finge que eu não existo.
        Lágrimas desceram no rosto dela. Ela subiu para o quarto, irritada.
       _ Você não é obrigado a gostar da Lorie. Mas, também não precisa judiar. _ eu disse.
       Fui para o meu quarto. Entrei no banheiro e deixei a água da pia lavar a ferida. Que doía muito. Podia ter aproveitado e bebido o sangue de Marcos. Mas, naquela situação, eu só queria ele longe.
       Lorie foi incrível em nos tirar de lá. E nem tinha clima para falarmos sobre isso. Nem imaginava como ela se sentia naquele momento.
       Enfaixei meu pulso, com um lenço. Sentei na cama e respirei fundo. Concentrei minha mente em Viktor. Precisava transmitir uma mensagem.
       "Papai! Uma matilha chegou a cidade. Precisamos de reforços. E a propósito. Estou grávida de gêmeos".
        Esperava que ele recebesse a mensagem telepática. Já tínhamos muitos problemas internos, para ter que nos preocupar com os inimigos. Drogo namorando uma bruxa. Peter surtando com a Lorie. Nicolae que não era confiável. Lorie impulsiva. Eu rancorosa. Ninguém é perfeito! Como lidar com tudo isso?
      
     
     

 
       
      
      
 

     
      
      
        
   
      

Is It Love? Nicolae - Laços de Sangue.Onde histórias criam vida. Descubra agora