Réquiem Para Um Amigo

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Diferentemente dele, que era um garoto realmente extrovertido e popular, eu era muito fechado e tímido.

Lembro-me que precisou de algum tempo para sermos realmente amigos, mas tudo foi firmado em um simples recreio, onde brincávamos de "Ressuscitar o morto", era uma brincadeira muito divertida e naquela época não nos assustava tanto como fazer aqueles típicos rituais de invocação da loira do banheiro. A brincadeira se resumia assim: Havia uma enorme casinha aberta, colocávamos alguém deitado lá, de olhos fechados, e falávamos algumas frases pra fingir um ritual como "abracadabra" assim, que desse o tempo determinado, tínhamos que correr e o morto nos perseguir.

Naquele dia, Lara, a garota mais velha e a criadora de muitas brincadeiras decidiu me colocar junto, como não tinha muita paciência, pediu pra que Kevin me explicasse, ele falou as seguintes instruções e lentamente as ordenei na minha cabeça, uma por uma. Como todo jogo precisava de um "Morto" resolveram escolher no "mamãe mandou", como era primeira vez que eu brincava, não precisei passar por isso. A escolhida foi uma pequena menina chamada Paula.

O jogo começou no ponto que Paula deitou no chão, Kevin puxou meu braço, pedindo pra que eu o seguisse, o acatei e seguimos em direção ao banheiro. Como naquela época, as garotas tinham nojo de entrar no banheiro masculino e os garotos no feminino, Kevin decidiu entrar no feminino comigo.

Ficamos escondidos dentro do box do chuveiro, o piso de azulejos coberto de água e eu tremendo de medo.

- Por que estamos aqui?

- Calma - Ele falou tranquilamente - só quero ficar num local onde a Paula pode nos achar! 

Em seguida deu um risinho maroto, não entendi o porquê daquilo.

- Por que você quer que seja achado, o objetivo do jogo não era se esconder?

- Se é, mas eu queria mesmo é dar um susto na Paula, sabe, eu quero muito e você vai me ajudar, tudo bem?

- Tudo.

Esperamos por Paula, Kevin me pediu para que eu me escondesse na última porta cubículo do sanitário, enquanto ele ficava no chuveiro, quando ouvimos passos, Paula começou a falar e eu reconheci de imediato sua voz.

- Eu sei que tem alguém aí, eu vou pegar! - Ela caminhou lentamente pelo corredor, subi em cima da privada para ela não saber que eu estava ali, de repente ouvi o som de água caindo, era óbvio que Kevin havia feito aquilo, Paula caminhou em direção ao chuveiro, passando pela minha cabine, então pus em pratica o meu plano, abri a porta do cubículo e dei a descarga rapidamente, correndo em direção ao primeiro sanitário, abri a porta e me escondi, quando Paula virou a cara em direção ao vaso, alguém agarra ela e a menina grita de pavor...

Quando saí do cubículo vi Paula se debatendo com Kevin, todo molhado, abraçando ela.

- Te peguei! Ha! - Kevin caçoou, fazendo cócegas na menina, não posso dizer que depois ele saiu são e salvo, ele apanhou, como Paula é menina, não doeu quase nada.

Foi aí que começamos nossa amizade. Ele gostava de KND e as Terríveis aventuras de Billy e Mandy e já eu, Du, Dudu e Edu. Começamos também a trocar nossa merenda, ele detestava a mesma maçã que a mãe dele deixava na lancheira e eu sanduíche de mortadela, trocávamos rapidamente e brincávamos da mesma brincadeira, "ressuscitar o morto", porém também brincávamos de "terra e mar" e "caça ao tesouro".

Kevin começou a frequentar a minha casa, apenas assistíamos uns desenhos do Cartoon Network e só, ele me tentava a assistir aqueles noticiários pesados que só passava gente assassinada, com a mesma desculpa: "Eu só quero ver a posição que devo ficar quando for brincar amanhã".

NÃO DURMA... (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora