Capítulo VIII: Pássaro em Fuga

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O dia seguinte ao passeio começou muito estranho, antes de tudo, Price está mais pensativo hoje do que nos outros dias, mesmo para ele que é emocionalmente fechado.

Quando acordei, ele estava sentado no pé de minha cama me observando dormir, minha mente me levou novamente aos dias em que estava encarcerada e acordava com um par de olhos sobre mim, um companheiro que partiria logo, mas isso não acontece mais, as coisas mudaram. Não estou presa e Price não é um companheiro de poucos dias, no entanto mesmo assim, me custa acreditar que ele não irá adoecer algum dia e então os coletores irão vir nos tirar daqui.

Sinto que estou vivendo um sonho, mas não gosto disso, todos os sonhos tem final quando se acorda para a realidade e ela sempre é pior que o sonho.

Price não disse nada, apenas se levantou e saiu do quarto, o segui ainda de pijama, um unicórnio azul, tão infantil e confortável, dormir em uma cama quente e macia é um luxo que eu não lembrava que existia.

Meu estômago roncou sabendo que estava na hora de comer, mas há um mês não é apenas uma refeição ao dia e isso está impactando sobre mim, ganhei alguns quilos nessas poucas semanas e não pareço mais tão desnutrida, sinto-me mais forte.

Vou para o banheiro e tomo um banho rápido, visto roupas mais apresentáveis, que não denunciam que acabei de acordar. Quando chego na sala de jantar Price está me esperando para o café da manhã, ele possui muitas regras à mesa e estou começando à me adaptar a isso, lembro-me de minha mãe me repreendendo.

- Nada de cotovelos à mesa. - dessa vez quase consigo me lembrar do rosto dela, mas parece haver uma cortina de fumaça entre eu e essa lembrança tão distante.

Na mesa vejo uma variedade de pães, todos tão bonitos e cheirosos, frutas sintéticas, suco e uma bebida preta que Price diz ser apenas para adultos como ele. Price disse que é tudo artificial, desde que o solo se tornou 95% infértil desenvolvemos métodos de produzir quase todos os alimentos em laboratório à partir da criação e combinação de suas moléculas feitas de forma sintética, não são os originais e nem clones desses, mas tem as mesmas características sensoriais e maior qualidade nutricional. Tem vinte anos que nasceu a última árvore de forma natural, não é apenas a humanidade que está no fim de seus dias.

Sei que muitas pessoas passam fome e nessa mesa há comida demais para apenas duas pessoas.

Sinto-me mal por novamente ser covarde demais para fazer algo pelo mundo, mas em toda minha vida nunca pude fazer nada nem por mim mesma, como poderia fazer pelo mundo? Deixo esse pensamento de lado e começo a me servir, pego dois pães diferentes e um copo, então ouço a voz de Price pela primeira vez nesse dia.

- Lucy, não me odeie por isso... Lembra da nossa conversa, isso é normal. - diz Price de forma pesarosa e eu não entendo do que ele está falando até uma garota que nunca vi antes entra na sala vindo da cozinha.

Com o susto derrubo o copo que usaria para me servir do suco, ele bate a base na mesa e cai de lado sem quebrar.

A garota de aproxima com urgência, pega o copo antes de mim, já que consigo apenas olhar para ela, a reconheço mesmo sem um caro vestido de princesa e uma parede de vidro entre nós. É a garota que vi ontem na vitrina da loja de ecos.

Ela avalia o copo, então o leva de volta a cozinha.

- O que ela faz aqui? - pergunto assim que ela estamos sozinhos e ela não pode nos ouvir.

- Eu vi como você a observou de forma demorada, então a comprei. - responde ele com simplicidade como se tivesse comprado um brincado para uma criança pequena que queria muito e isso me irrita, ela é uma pessoa ou só eu vejo isso? - Você precisa de uma amiga.

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