Capítulo IX: Destino Traçado

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Meu novo ciclo biológico começa a pesar sobre mim conforme a hora passa, adentrando cada vez mais na noite desde infortúnio dia. Por tanto tempo vivi com apenas uma refeição, entregue pela manhã do meu dia, independente de que horas fosse no mundo além das quatro paredes que me encarceravam em minha cela tão familiar. Eu acordava e tinha à disposição minha única refeição, mas após a estada com Price me acostumei com a mordomia de uma vida que para mim parecia um sonho, ter uma janta quente no final da tarde de cada dia e uma cama confortável para eu me deitar depois. Coisas que aprendi a não dar valor, mas que agora me fazem muita falta.

O pior de qualquer sonho é que ele acaba quando se acorda para a realidade.

Essa cidade sempre iluminada e ativa parece não possuir locais para eu me esconder de meus algozes ou me abrigar do sereno da noite. Nenhuma fachada de loja fechada para eu me deixar cair rente à parede e tentar dormir da maneira que for possível, nenhuma praça com assento para eu descansar minhas pernas que reclamam por eu ainda estar em fuga, mesmo já tendo passado horas que deixei Price e o auditório para trás. Que deixei a minha vida de conto de fadas para trás.

Não importa para onde eu corra e nem a distância que coloco entre eu e os coletores que me encontraram na vez em questão, eles sempre voltam a me encontrar, surgem quando começo a me sentir minimamente segura, como se fosse para me convencer de que eu jamais conseguirei fugir deles de forma permanente.

O pior é não saber o que há à minha frente e que não tenho para onde voltar.

Caminho por uma longa avenida de quatro faixas, há painéis entre as vias que reproduzem imagens de belas árvores na tentativa vã de tentar criar algo que já não existe mais. Por causa da garoa não há pessoas à minha volta e os comércios que ladeiam a avenida estão todos vazios, ocupados apenas pelos proprietários dos estabelecimentos e seus Ecos.

Vejo dois coletores vindo de um cruzamento com a avenida em que me encontro. Eles são Ecos, agora consigo diferenciá-los das demais pessoas pelo modo de agir, mais introvertido e devagar, quase robótico e forçado, isso me faz pensar na forma como são chamados pelas grandes corporações em suas propagandas absurdas, autômatos.

Antes que me vejam retorno sem saber se tive sucesso em não ser identificada e se suspeitaram de minha atitude súbita demais para alguém que não os teme. Ando rápido, mas não chegarei na esquina antes que eu esteja no campo de visão dos coletores e tenha que fugir novamente, também não conseguirei atravessar essa avenida tão mais movimentada.

Entro no estabelecimento mais próximo sem avaliar se essa é uma boa alternativa ou se apenas irá me encurralar como uma caixa em uma armadilha para pássaros. Olho à minha volta e vejo que estou em um mercado, passo por um dos quatro corredores em direção aos fundos. Nas gôndolas há apenas um tipo de alimento, um saco de diversos tamanhos com a imagem de uma pasta marrom em uma tigela, parece os pacotes de ração que tinha em casa para alimentar meu gato Lord, porém sei que é comida humana. Tudo o que restou para alimentar a esmagadora maioria da população que não tem condições de pagar por alimentos feitos a partir de clonagem e germinação forçada.

Price faz parte de uma minoria privilegiada por suas contribuições para o sistema econômico vigente funcionar de forma minimamente satisfatória. A vida que levei com ele por pouco tempo não é a realidade desse mundo, sendo mais um oásis perfeito em meio ao escaldante deserto.

Olho para trás e vejo os coletores passando em frente à porta, me escondo entre eles e uma gôndola. Espero mais que o necessário para sair, torcendo para que não decidam entrar.

- Moça? Posso ajudar?

Olho na direção da voz e vejo um garoto, ele é um Eco e sua blusa é vermelha, a cor predominante no estabelecimento.

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