Capítulo X: A Cidade de Mil Contêineres

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A área da quinta dívisa é muito diferente da terceira, posso ver isso há quilômetros de distância. Os prédios são cada vez mais raros e em pior estado de conservação, até que eles subitamente acabam. Embora sejam muito diferentes e não exista nenhuma demarcação fronteiriça entre as divisas, não há a mistura de características de uma à outra.

A quinta dívisa é um gigantesco aglomerado de contêineres enfileirados em um campo relativamente plano e completamente asfaltado, cada um deles servindo de moradia para uma família ou talvez mais. Se assemelha à muitos campos de concentração para refugiados que existiram no passado, sempre que uma doença ou guerra assolava algum país, mas o uso de contêineres ao invés de barracas torna esse lugar ainda mais estranho.

Passo por centenas de contêineres, todos estranhamente iguais e em parte deteriorados, com paredes vermelho escuro manchadas por um longo processo de corrosão que em muitos casos expõem partes de seus interiores. A ferrugem nos contêineres e no piso em volta denuncia que essas pessoas vivem aqui há muito tempo, talvez décadas.

Todas as famílias que vejo é composta apenas por membros adultos, pais, maridos, esposas, irmãos e filhos, mas nenhuma criança. Todas as feições estampadas nos rostos das pessoas são de neutralidade, assim como dos Ecos, mas essas pessoas possuem plena consciência, suas vontades são explícitas em seus movimentos e suas queixas.

Roupas exclusivamente brancas em tom encardido enfeitam varais improvisados, simples cordões estendidos de um contêiner ao outro para aproveitar a força do vento. Os corredores que se formam são escuros e estreitos, iluminados debilmente por pequenos focos de luzes de dentro dos contêineres, alguns por suas portas abertas e outros por frestas na lataria do que deveria ser usado apenas para o transporte de mercadorias e não como moradias permanentes.

Todos os contêineres são enumerados e assim como a garota de mais cedo descreveu, estão em ordem decrescente conforme ando, basta achar o número

Chego a um ponto de encontro entre os principais corredores de contêineres, no centro do que parece uma encruzilhada há um poste com uma grande vela rodeada de espelhos que ampliam sua luminosidade, a única fonte de luz desse povo, mas essa é a primeira até agora que ilumina com eficácia algumas dezenas de metros em torno de si.

Ouço alguns gritos e vejo uma perseguição, conto quatro garotos mais velhos que eu correndo atrás de um quinto, acho inicialmente que é alguma brincadeira ou algo parecido, até um dos garotos alcançar o que está mais adiantado e chutar as suas pernas, o fazendo tropeçar e encontrar o chão. Algumas pessoas saem para ver o que está acontecendo e o por quê dos gritos, mas a maioria ignora e volta para seus contêineres. Eu não quero me intrometer e por isso me mantenho distante deles, parada há alguns metros.

Os garotos o cercam e desferem múltiplos chutes que o outro não consegue conter e apenas se encolhe tentando proteger a barriga com as coxas e a cabeça com os braços.

Olho à volta e ninguém intervém, eles não sentem emoções como Price descreveu ou estão acostumados com a violência e isso não os abala mais, mas à mim, sim.

Me aproximo e empurro um garoto tentando tirar ele de cima do que apanha.

- Parem! Vocês vão matá-lo.

- É isso que ele merece! - grita um outro garoto enquanto desfere um pisão que almeja a barriga do garoto.

- Não se intrometa garota. - manda o mais próximo de mim antes de me empurrar com força.

- Parem! - grita alguém de trás de mim.

Me viro na direção da voz e vejo um senhor, mais velho que Price, com cabelos quase totalmente brancos e barba por fazer, quase no mesmo tom, mas com mais fios pretos.

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