Capítulo 3 – Depois da Chuva, a Tempestade (Anne Z)
Poeira.
Eu me lembrava perfeitamente de seu cheiro e das imagens. Da dor, câimbra e do estado de torpor completo que tomou meu corpo depois.
E me lembrava dele. O sujeito que ficou entre mim e uma pilha de concreto.
Mas não fazia ideia de como vim parar nessa cama, dentro desse quarto branco e vazio. As paredes ao meu redor eram irritantemente claras ou talvez eu estivesse sofrendo de uma forte enxaqueca pós trauma. Apertei minhas mãos em punho e senti uma delas latejar. O braço direito inteiro estava praticamente imobilizado, eu pude perceber.
Rolei os olhos pelas minhas laterais, retirando o lençol com dificuldade para ver as minhas pernas. Lisas e intactas. Tirando meu braço, estava aparentemente tudo no lugar.
A porta lateral se abriu, puxando a atenção dos meus olhos. Era meu pai. E seu semblante, embora calmo, possuía muitas sombras e vincos em seus olhos. Parecia não ter dormido.
- Anne – ele afagou a lateral da cama, temendo encostar em mim. Havia alguma coisa errada em seus gestos, pareciam mais contidos e ao mesmo tempo, urgentes.
- O que aconteceu pai? Eu não conseguia me impedir de usar esta palavra, mesmo que ele me orientasse a reduzi-la para os nossos momentos a sós. Bem, estávamos assim, no entanto.
Ele hesitou olhar para mim. Depois, suspirando, respondeu:
- Fomos atacados. Não sabemos como, mas uma bomba foi colocada dentro dessa unidade.
O sistema de segurança da ADA era impecável. Pelo menos, até esse ataque. A base era cercada por várias outras torres distantes há milhas de nós. Nada sobrevoava a "zona" aérea de nossa extensão. Nenhum aparelho eletrônico funcionava a milhas de distância e a única rede existente, era aquela controlada pelos melhores "nerds" da agência. A única coisa que me veio à cabeça foi:
- Como? Eu só não duvidei das palavras de meu pai, porque tinha vivido a experiência física da destruição.
Ele negou com a cabeça. A frustração de sua negativa era visível. De repente tive receio de que tivesse coisas piores além das parcas informações que ele me dava:
- Alguém se feriu? Ou pior, eu pensei, se haviam mais baixas.
Ele negou, aliviado. O que me rendeu um sonoro suspiro. Mas daí, eu me peguei lembrando que havia um sujeito comigo e ele imediatamente respondeu minhas dúvidas internas:
- O novo recruta está bem – ele sorriu de lado – o cara mais parece um Hércules, porque quando o encontramos ele estava entre você e uma pilha de paredes e restos de concreto. – vendo que eu estava aliviada, ao saber que o sujeito era um de nós e havia se salvado ele acrescentou – quebrou umas duas costelas, mas nenhum órgão foi perfurado. Está no quarto ao lado, recuperando-se e tomando sedativos. Muito bem pensado, se esconderem embaixo da escada, por sinal.
- E Alena, pai? Eu busquei em seus olhos alguma tristeza, mas ele permanecia tranquilo.
- Não estava no prédio, estava treinando – eu fiquei curiosa com quem, já que seria eu sua treinadora, mas aquilo não importava agora.
Ele alisou minha face delicadamente antes de sair do quarto. Se virou quando atravessava a porta:
- Se precisar de alguma coisa, aperte o botão ao lado. Estarei aqui em segundos – sorriu para mim, de lado – estou de olho em você – disse apontando a câmera no alto da parede.
Eu sorri de volta, puxando os lençóis um pouco mais pra perto. Não sei quantas horas eu dormi, mas ainda me sentia exausta e bastante dolorida.
Fechei meus olhos, mas ao menor sinal de barulho, eu abria os olhos assustada. Reconhecia o padrão de sintomas: eu tinha estresse pós traumático. A palpitação no meu peito confirmava que eu não estava equivocada.
Desci da cama, me desligando dos meus aparelhos. Senti uma pontada de dor na perna direita, mas nada que me impedisse de andar.
Tateei no escuro até encontrar a porta. Atravessei o corredor, em completa escuridão. Não queria acender qualquer interruptor de luz, evitando com isso, ser encontrada perambulando. Mas precisava caminhar.
Havia uma porta ao lado da minha. Era perceptível apenas pela cor branca, que realçava a luz da lua que entrava nos basculantes laterais. Fui caminhando até encontrar a fechadura. Estava aberta.
Não havia luz interna no quarto, mas ele se iluminou vagamente pela mesma pequena luz externa que irradiava no corredor.
Uma cama se estendia a minha vista, idêntica à que eu me levantei há poucos minutos. Um homem, quedava-se inerte sobre ela, com um dos braços também enfaixado como o meu. Estava coberto por alguns curativos no rosto e em seu corpo. Mas respirava tranquilamente, a julgar pelo movimento do seu tórax.
Aproximei um pouco mais, tentando olhar bem o seu rosto. Seus cabelos eram cortados no estilo militar, praticamente raspados, embora fosse visível que eram claros, provavelmente loiros. Sua pele clara possuía algumas sardas, mas não aquelas como da minha pele. Eram mais escuras, acentuadas por alguma exposição ao sol. O ângulo do seu nariz era perfeito, crescia reto em direção aos lábios. Estes eram finos, mas bem delineados, com uma leve pinta na lateral direita. Sua barba bem aparada, crescia e formava uma pequena penugem ao redor. Suas sobrancelhas eram espessas, mas também contornavam o formato anguloso do seu rosto. E o queixo quadrado completava seu visual e lhe conferia a masculinidade exata.
Se ele não fosse no formato que era, era bem capaz de ele ser confundido com uma mulher. Mas não, a perfeição encontrava ali uma bela espécime masculina. Traços finos e masculinamente perfeitos.
Agora o restante do seu corpo não possuía nem um milímetro de delicadeza. Era bruto, firme e muito forte. Meu Tio era bem forte. Esse homem, era mais. Quase um pouco exagerado, mas não haviam músculos irregulares. Eu desci o lençol, revelando suas pernas igualmente fortes. Seu abdome estava coberto por faixas, mas os nódulos próximos a sua pélvis estavam perceptíveis e sobressaltados. Esse cara devia ter inventado um máquina própria de fazer exercícios porque todos os seus músculos eram perfeitamente trabalhados.
A pontas dos meus dedos encostaram na sua pele de maneira involuntária. Era firme embora macia sob meu toque. Mas sua mão se remexeu, me sobressaltando levemente:
- Pare.
Sua voz seca cortou o ar entre nós. De maneira rude ele se virou para olhar para mim. Me diverti internamente com seu semblante quando constatei que havia algo ainda mais delicado que sua boca: seus olhos estupidamente claros.
- Não quis incomodá-lo, soldado – minhas palavras pareceram perturbá-lo ainda mais do que meu toque impertinente. Ele franzia o cenho consideravelmente, tentando me enxergar em plena penumbra.
A curiosidade se implantou no meu cérebro. Qual era seu nome?
- Ainda não o conheço, qual seu nome? Eu aproximei um pouco mais, saboreando o desconcerto óbvio em seu rosto.
- Gabriel – ele respondeu secamente, fechando os olhos em seguida.
Seu nome rodopiou em minha mente, me lembrando de algo ou alguém. E parecia estranho, considerando seu grande porte. Aliviada por ele está aparentemente melhor do que eu poderia imaginar, considerando o que passamos, eu completei:
- Obrigado por ontem – ele continuava com os olhos fechados, embora não ficasse completamente alheio a minha presença, uma vez que suas narinas se dilatavam sutilmente.
Saindo do quarto, eu o olhei uma última vez, constatando que ele ainda relutava em me olhar:
- A propósito, serei sua treinadora aqui na ADA.
Nem um movimento, nem uma resposta. Ele parecia frio como pedra.
Isso me deixava estranhamente incomodada.
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Gabriel
Mystère / ThrillerEle tinha um segredo. Ela, um passado. Livro 3 - Série Ripper Publicação semanal. Início: 01/02/2018