Capítulo 9 – Amigos (Ariel)
Faltavam poucos dias para completar uma semana de nossa estadia naquele lugar.
Eu precisava enviar cada vez mais soldados para cobrir as áreas em torno de nós, organizar o reconhecimento da aproximação de inimigos e descobrir uma forma mais segura de conseguir alimentos.
Peixes da região faziam agora parte do nosso cardápio, além dos suplementos diários que já tomávamos como agentes. Eram formulados levando em consideração a prática extenuante de atividade física e toda a sorte de intempéries a que ficávamos expostos.
Mas ainda assim, eu estava apreensivo para enriquecer nossa dieta. Era necessário para levantar a moral de todos no acampamento. Afinal, tínhamos deixado para trás o que chamávamos de lar e parecíamos parados no meio de lugar nenhum. A dignidade dos soldados era prioridade pra qualquer superior. E ao menos isso eu deveria manter. Era o mínimo que podia lançar mão, de modo a não exigir ainda mais daqueles que nos "davam" tudo de si.
- Jay, quando chegará nosso "suprimento"? Questionei meu imediato assim que ele cruzou minha barraca.
Seu rosto se levantou sério demais para quem tinha ouvido uma pergunta tão simples.
- Receio que as notícias não sejam animadoras – comentei soando divertido, mas por dentro minha espinha se endireitava aguardando pacientemente ao que ele parecia prestes a me dizer.
- Não vão chegar, Diretor – ele me respondeu, franzindo o cenho e se aproximando mais de onde eu estava, recuado atrás de uma mesa – não temos notícias da posição deles faz quase nove horas.
Suspirei, mal escondendo a frustração. De acordo com o manual de nossa Organização, soldado desaparecido a mais de cinco horas era dado como morto. Um pelotão com suprimentos? Provavelmente dizimado. Na melhor das opções, aprisionados como barganha para alguma coisa.
- Onde eles pararam pela ultima vez? Recuperei meu juízo, querendo soar mais prático do que me sentia.
Jay olhou para o lado, observando a movimentação externa. Contornei a mesa que dividia o espaço entre nós e olhei na direção do seu foco.
"Ela" estava treinando, executando passos de taekwondo em uma sincronia perfeita de pernas. Anos de prática de balé a ajudavam a erguer em arco completo, o que deixava seu oponente dividido entre paralisá-la e revidar seus golpes rápidos.
- Eles estavam a dez horas daqui, nosso próximo contato estava previsto para acontecer há cerca de cinco horas – ele me respondeu tranquilo, desconsiderando provavelmente onde minha atenção estava agora.
A informação procedia. Se há quase nove eles informaram posição, então, deveriam ter feito novo contato conforme instrução de três em três horas.
- Ela está treinando para o batismo? Jay me questionou, virando todo seu corpo para mim.
Avaliei os movimentos de Nadja, contornando agora dois novos adversários. Antes que eu pudesse respondê-lo, um dos treinadores acertou sua cabeça em cheio e assisti atônito quando sua cabeça bateu muito forte no chão.
- Cristo! Contive um palavrão quando vi o que acontecia diante de mim.
Mas foi o bastante pra chamar atenção do meu imediato. Ele se virou confuso na minha direção e perguntou:
- Porque não a treina diretamente? Sabe, eles podem até pegar mais leve com ela, mas não "ele".
Neguei com a cabeça, soltando um suspiro para o que não parava de me assombrar. E o pior, por mais que quisesse não poderia tocá-la, Deus do céu, o mero pensamento me deixava todo arrepiado.
E no entanto, me sentia impossibilitado de treiná-la. Levaria todo meu resto de controle. Como se eu já não estivesse no limite.
- Vai conseguir assisti-la sendo socada e derrubada? Ele me perguntou incrédulo, soando mais desapontado do que deveria.
- Porque? Você não pensou que isso fosse acontecer quando a indicou para a ADA? Respondi ácido, o fazendo recuar diante do meu olhar.
Nos encaramos por um bom tempo até ele finalmente concordar.
- Achei que não fosse descobrir tão cedo – avaliou minha postura antes de retomar – mas saiba que não fiz por sua causa. Fiz por ela, Ariel.
E me chamou pelo meu nome, ainda que como Diretor não poderia mais ser chamado por ele. Mas estava longe do meu perfil, longe da minha base e perto demais do limite do que um homem pode suportar. Protocolos poderiam ir para o inferno enquanto isso.
- Esteve em contato com ela desde NY? Questionei, passando por cima da raiva que levava em meu peito desde que descobri seu dedo por trás da minha nova recruta.
Uma das regras da ADA, um dos seus pilares, é que todos os integrantes são indicados por um membro. É tão sério que se você for um membro e indicar levianamente alguém, pode pagar com a vida por isso. Se o seu indicado receber uma punição severa a mesma se aplica a você. E eu já vi bons soldados serem punidos, tudo porque indicaram quem não devia.
Mas essa cautela era necessária. Não sobreviveríamos se não pudéssemos confiar uns nos outros. Renúncia do passado implicava nisso: parti de cabeça para o desconhecido. E quando menos percebe você tem uma nova família formada de completos estranhos. Com exceção de mim e de Ripper. E da minha filha adotiva, Anne Z.
- Não em contato – ele me respondeu, olhando para o lado contrário de Nadja.
Eu ainda avaliava seu corpo, estendido no chão, enquanto ela parecia levar às mãos a cabeça em um gesto típico de dor. Agarrei meus antebraços, me segurando de alguma maneira de ir até ela.
- Então? Questionei, porque ele claramente estava adiando as respostas inevitáveis que devia a mim.
- Então eu a mantive sob meu radar, sempre desconfiei que voltaria a vê-la algum dia – e com isso seus olhos relancearam sobre ela, bem a tempo de vê-la levantando graciosa do chão – sabia que era determinada e se quisesse, encontraria você novamente. E estava certo.
Girei totalmente meu corpo na sua direção com aquela informação.
- Junto com Fátima, estabelecemos uma vigília distante durante todos esses anos, observando enquanto se apresentava ao redor do mundo. O que nós descobrimos, foi que "Alena", nunca teve intenção de voltar de fato à vida de uma bailarina ou mesmo se comportar como uma perfeita filha de embaixador...
Estreitei meus olhos e isso foi o suficiente para ele continuar:
- Ela estava atuando como uma "agente" da máfia francesa, de novo – seus olhos brilharam quando me deu aquela informação.
Arregalei os meus quando o ouvi dizendo aquilo.
- Como? Porque ela faria isso? Questionei completamente aturdido.
Depois do que fiz, depois de tudo que abdiquei para que ela pudesse viver livre da influência do Knyaz, porque decidiria recorrer a velhos métodos para se manter viva?
- Por você – ele me respondeu, me retirando parcialmente dos meus devaneios – ela fez um acordo para encontrá-lo.
Recuei até minha cadeira, precisando me sentar. Senti a confusão de pensamentos instalar sobre meu cérebro e me certifiquei de que Jay, me daria todas as respostas que eu precisava, de uma vez por todas.
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Gabriel
Mystery / ThrillerEle tinha um segredo. Ela, um passado. Livro 3 - Série Ripper Publicação semanal. Início: 01/02/2018