Liberdade?

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"Escuto passos ao longe, se distanciando. Cada vez mais. Estou novamente sozinho..."

(...)

Abro os olhos assustado por conta do pesadelo que tive, no entanto me tranquilizo assim que vejo o teto escuro e lamacento do ambiente em que eu me encontrava ranger acima de mim.

É... Outro pesadelo para enfeitar a minha lista.

Pisco algumas vezes tentando me levantar da ''cama'' na qual eu estava deitado, mas o barulho das correntes agarradas aos meus braços e pernas me faz acordar para a cruel realidade em que estou.

Um cativeiro

Ou como os frescos preferem chamar, um manicômio.
Como se houvesse alguma diferença...

O tratamento é o mesmo, ração três vezes ao dia e meia hora de sol.
Eu já estou tão branco pela falta de sol que os enfermeiros, ou melhor, ajudantes de satã me confundem com as paredes da cela.
Bom, não sei se posso considerar isso como um elogio, já que as paredes desse lugar são mais imundas do que próprias pessoas que vivem aqui.

Bocejo preguiçosamente, enquanto relembrava os momentos curiosos de ontem a noite.

Realmente tenho que tomar cuidado com o que apronto, ou se não vou acabar morrendo de overdose pelo tranquilizante desse lugar.

Fred, ou como eu apelidei carinhosamente Dr. Dolittle, que era o único capaz de se comunicar com os animais desse lugar, estava de plantão noite passada, e eu como um bom samaritano que sou não pude deixar de fazer uma visita... Digamos, surpresa para ele.

Claro que tive que me esquivar de câmeras e alguns guardas pelo corredor, mas fora isso tudo normal.

Porém, quando cheguei na sala de psiquiatria, flagrei o Doutorzinho molestando uma mulher que sofria de esquizofrenia.

A moça se debatia e gritava desesperada.
Realmente uma cena de partir o coração. Ainda bem que não tenho um.

Lembro vagamente de ter me encostado no batente da porta e encarado a cena ridícula. Um velho barrigudo tocando uma garota miúda que parecia mais um passarinho acanhado.

Também me lembro de quando comecei a rir pela cara que ele fez ao descobrir que ela não tinha seios.
E ainda se diz salvador das mentes.

Entretanto, no momento que ele me olhou com aquelas duas orbes nojentas, eu soube que ele ia falar alguma merda.

E não é que eu acertei.

Minha sanidade se esvaiu igual ao sangue de seu corpo enquanto eu o esfaqueava.

E aqui estou eu, amarrado até o pescoço em uma maca. Não que isso seja algo inesperado, afinal a solitária se tornou praticamente meu 2° quarto nesse lugar.

Ah, e antes que eu me esqueça... Meu nome é Johnny, só Johnny. Tenho 10 anos de idade e vivo nesse lugar imundo que as pessoas chamam de hospício.

Bem... acho que essa é a única verdade que sei sobre mim, ao menos é o que constava naquela minha ficha.
Pelo visto, meus progenitores me abandonaram na porta de um orfanato bem estilo filme clichê, somente com o nome a idade e um colar esquisito com um circulo e um x no meio.

Porém, como no decorrer da minha vida ocorreram certos contratempos, vim parar nesse manicômio.

Estico os meus braços e os apoio atrás da cabeça, ouvindo o barulho das correntes tilintar no meu ouvido.

Você deve estar se perguntando, onde estão os seus pais Johnny?

Também queria saber. Não por saudades ou algo do tipo, mas sim pra esfregar na cara deles que eu pude me virar muito bem.

Mas, apesar de tudo eu gostaria de entender o porquê?

Porque me deixaram?
Será minha aparência, ou o meu cabelo? Meus olhos ou até mesmo tamanho?

Sinto gotas geladas escorrerem pelas minhas bochechas.

Apesar de tentar aparentar frieza e indiferença, ainda sou uma criança. Um infeliz garoto que nunca recebeu um mísero abraço na vida, e que nunca soube o verdadeiro significado da palavra chamada amor.

Soluços abafados cortam o ambiente em que me encontro, e o barulho de socos na parede me fazem engolir em seco.

Pelo visto acordei alguns doidos.

Me encolho na cama em posição fetal, numa tentativa tola de que as lágrimas levassem embora toda a dor.

Não queria admitir mas ainda dói. Na época em que eu morava no orfanato, eu observava as crianças sendo adotadas, brincando, sendo felizes... Enquanto eu ficava trancafiado dentro de um quarto 24 horas por dia.
As pessoas tinham medo, talvez pelo meu jeito estranho.

_"Está tudo bem, você ficará seguro agora Johnny."

Mentirosos...

Será que eles não entendiam que naquela época eu estava disposto a ser feliz? De que se alguém me adotasse, eu me esforçaria para ser um bom filho?
Mas como nenhum ser humano é de ferro, nós cansamos. E foi exatamente isso que aconteceu comigo, cansei.
Cansei de tentar ser o que queriam que eu fosse e simplesmente deixei que minha verdadeira personalidade tomasse conta de mim.

E bem, olha no que deu.

Limpo as lágrimas no único blusão que eu vestia. Uma das milhares desvantagem de ser um pirralho baixinho é que não há calças no mundo que caibam em você, ainda mais nesse hospício que só tem adultos.

_Johnny! Hora da ração da noite! -Acordo dos meus devaneios com a portinha que dava acesso a passagem da comida para a cela se abrindo. É agora ou nunca!

Agarro no braço do homem que da um grito de dor devido ao puxão quebro seus dedos polegares, fazendo com que o grito se tornasse um urro desesperado.

_Abre a porta, ou eu termino de quebrar o resto, e ainda levo seu braço de brinde. -Falo em um sussurro.

O homem covarde do jeito que é pega as chaves da cela e abre num rompante, retirando seus dedos mortos de dentro.

Aproveito a deixa e o estrangulo com as correntes que estão presas em meu corpo. Em seguida, pego a chave do guarda inerte no chão e abro as fechaduras das algemas.

Ok, isso foi mais fácil do que eu esperava. Primeira parte do plano de fuga completado com sucesso!

Me esgueiro pelos corredores sujos daquele lugar, já ciente de onde todas as câmeras se encontram e qual é o horário que os guardas fazem a vistoria.

Tenho que ser rápido, faltam apenas 15 minutos, para a 2° ronda noturna deles.

Corro o mais rápido possível e entro no pátio de recreação. Engatinho pelo chão para que a câmera não capture meus movimentos e chego ao tão esperado esgoto.

Venho rondando esse esgoto faz 1 ano. Não sei como esses loucos imbecis ainda não perceberam que aqui é uma ótima rota de fuga.

Abro a escotilha de acesso e caio na água suja e fedorenta.

Que nojento...

Passo pelos dutos de esgoto e finalmente chego ao pântano atrás do hospício.
Minhas deduções estavam corretas, esse esgoto dá mesmo em um pântano.
Ah! Grave erro de segurança.

Ao longe escuto o barulho da sirene aguda do manicômio tocar.
Pelo visto notaram que falta um louco na coleira.

Corro para fora do pântano numa velocidade que jamais pensei que poderia ter, entrando numa floresta com árvores altas e sombrias com um enorme sorriso no rosto, sem me importar com o destino, só vendo a preciosa liberdade chamar pelo meu nome à frente.

A medida que entro na floresta, meus passos diminuem e o grande sorriso no meu rosto morre com a pontada de razão que me atinge.

O que é que eu fiz?

The Little Killer - O Filho de Jeff The KillerOnde histórias criam vida. Descubra agora