Red

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Mais uma manhã começava.

Em Westminster, Rua Baker, flat 221B, o único detetive consultor existente encarava uma parede entediante enquanto o sol se levantava, a luz pálida iluminando a sala atenuada, um turbilhão de pensamentos se revirando em sua mente – pensamentos estes que não o deixaram dormir, nem neste dia, nem no anterior. Isso porque em pleno sábado á noite, o detetive-inspetor Lestrade havia o apresentado um caso que seria um tanto chato, se não tivesse tantas soluções possíveis. Duas pessoas haviam morrido pelo mesmo motivo, do mesmo jeito, no mesmo dia, exceto que as cenas do crime eram completamente aleatórias e não havia conexão aparente entre as vítimas. Até este ponto, o brilhante Sherlock Holmes teria recusado o caso quase de imediato. Porém, uma informação mudou tudo: Ambas as vítimas haviam morrido de ataques cardíacos idênticos. Era tão incomum que a Scotland Yard pensou imediatamente ser um dos casos que só um detetive consultor poderia resolver.

O problema era que haviam possibilidades demais, e o quanto mais de informação ele tinha sobre o caso, mais possibilidades surgiam. Manhãs de segunda-feira deveriam ser entediantes como foram criadas para ser, mas aquela, em específico, se rebelara contra o sistema do jeito que um adolescente se rebela contra pais rígidos demais. Ao menos esse era mais um dia em que Sherlock continuava enxergando tudo como sempre enxergou – sem nenhuma revelação mítica de que de repente, cores existem e são perceptíveis. Ele nunca acreditou nesse tipo de conto de fadas; era só algo que as pessoas diziam a si mesmas para não se darem ao trabalho de procurar alguém com quem passar o resto da vida, e eles se beneficiavam de um poderoso efeito placebo para isso. Mas ele nunca se iludira por isso – o mundo não tinha cores, e o tanto de falhas que essa crença possuía só sustentava sua teoria. Em certo ponto, quando era mais novo, começara a até mesmo temer sucumbir ao efeito placebo a qual todos eram adeptos e virar mais uma dessas pessoas preguiçosas demais para ter relacionamentos normais. Todos os dias em que ele acordava e via tudo como sempre viu, era relativamente tranquilizante.

Á algumas quadras e ruas dali, um médico veterano de guerra acordava em seu flat, olhando para a mulher de cachos dourados que deitava pacificamente ao seu lado. O relacionamento dos dois estava oficialmente caminhando na direção da domesticidade – era a sétima vez que Mary dormira no flat do seu namorado naquele mês.

John encarava seu reflexo sonolento no espelho, aquela velha pergunta ecoando em sua mente mais uma vez, como acontecia todas as manhãs desde que se lembrava. Seguiu a rotina de toda manhã de segunda-feira como deveria – banho, café da manhã (ênfase em café), não esquecer as chaves e a bolsa, nem a jaqueta, deixar o apartamento depois de um breve beijo de despedida em Mary. Exceto que teve de fazer tudo pelo menos três vezes mais rápido, pois estava quarenta minutos atrasado. Apressado, seguiu seu caminho de táxi para o hospital em que já trabalhava a alguns meses agora, pensando em como o trânsito poderia estar um pouco mais rápido naquela manhã enquanto avistava seu local de trabalho a pelo menos dez metros dali, porém inalcançável em meio aos carros lentos demais para seu gosto. John começara a considerar sair do táxi e simplesmente andar até o hospital, mas de repente foi atingido por um tipo estranho de vertigem, que pareceu ser interrompida pelo barulho alto de algo entrando em choque com a parte da frontal do carro, seguido de uma buzina muito alta. Esgueirou o pescoço para frente a fim de tentar descobrir o que acontecera, e saiu pela porta direita do banco de trás o mais rápido que pôde quando viu que se tratava de um homem de cabelos encaracolados e sobretudo muito longo que acabara de ser atropelado. O choque não havia sido tão forte e não havia nenhum ferimento grave aparente, mas ele notou que o desconhecido não conseguia se levantar, apesar de parecer apressado em fazê-lo.

"Você está bem?" John se prontificou a ajudar o homem a levantar antes que ele pudesse responder.

"Vou ficar" Ele disse quando eles chegaram á calçada, e fez um esforço visivelmente doloroso para sair andando como se nada tivesse acontecido, um dos braços envolvendo o abdômen por baixo do sobretudo.

"Espere, você não pode sair por aí desse jeito!" John o alcançou e se posicionou na sua frente, bloqueando o caminho.

"Olha, eu sei que como médico, você se sente no dever de me ajudar agora, mas não precisa." John franziu o cenho. Como ele poderia saber disso? " Por favor, continue com o seu dia. Tenho certeza que você deve ter pacientes esperando agora mesmo"

"Tenho mesmo, e, mesmo que eu não faça ideia de como você sabe disso, Eu só entro naquele hospital para trabalhar hoje se você entrar comigo"

"Eu entendo, mas realmente não é neces-" O detetive foi interrompido.

"Você mesmo disse, eu tenho pacientes me esperando. Eles estão nas suas mãos agora" John usou seu último argumento.

E para sua sorte, o desconhecido pareceu chegar á conclusão de que simplesmente não tinha escolha e balançou a cabeça relutantemente, andando na direção do hospital St. Bart's.

"Á propósito, não me disse seu nome – nem como soube que eu era médico antes que eu te dissesse" Instigou.

"O nome é Sherlock Holmes, e eu sou um detetive consultor"

"Isso é uma profissão de verdade?"

"Desde que eu exerci ela, é sim" Havia um tom de arrogância em sua fala que parecia sobressair a dor que ele estava sentindo no momento "E por mais que eu saiba algumas coisas sobre você, não consegui adivinhar o seu nome"

"Meu nome é John. John Watson."

Naquela fração de segundo, algo mudou – algo sutil e rápido, como um estalar de dedos. Sherlock Holmes enxergou um tom anormal na camisa daquele homem que acabara de conhecer. Ele piscou fortemente, mas o tom não desapareceu. Era uma ilusão de ótica, ele tinha certeza. Ele não fazia ideia, e nunca admitiria, mas acabara de enxergar, pela primeira vez a cor vermelha na camisa do médico mais persistente que já vira.

BLUEWhere stories live. Discover now