Capítulo 28 "Fala-me dele"

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Os meus pés estão frios e tento aquece-los esfregando-os um no outro. Estou toda gelada, estou em pedaços por dentro e tudo aquilo que consigo ouvir é o barulho da porta a fechar, e a fechar, até um corredor de portas se fecham e estou presa cá fora. A campainha toca e viro-me para o outro lado do sofá. Rose insiste outra vez e eu olho para a janela, as gotas de chuva que lavam o vidro e me deixam ainda mais melancólica. A minha mãe diz-me que sofro de autossabotagem, mas nem sempre fui assim e pensar que uma das coisas mais felizes da minha vida também me deixou marcada para sempre de uma forma tão cruel faz-me sentir dormente.

Sorvo o ranho para dentro e limpo as lágrimas, enrolo-me sobre mim mesma e fico a olhar para a parede. Sou uma idiota, uma idiota por mim, por ele, por William, por Megan...

No dia seguinte quando me sento na minha secretária estou tão mal que quase começo a chorar quando Samuel me pergunta se está tudo bem. Mas não choro, em vez disso penso em coisas que me deixam com raiva. Muita raiva, como fazer força nos punhos e ignorar o Harry pelo que pareceram anos.

-Tem alguma coisa de novo?- Pella pergunta-me e abano a cabeça.

-Não tem?

-Não.

Olho para ele e vejo que cruza os braços.

-Isto não é uma piada Julieta eu também vou ser avaliado...

-Eu sei que não é uma piada, só ainda não acrescentei nada.

William bufa como se estivesse muito zangado e depois diz-me a ultima coisa de que precisava de ouvir.

-Esqueça o que tinha para fazer hoje, quero mais seis páginas de avanço.

-Seis páginas?- Arregalo os olhos e pelo canto vejo que tanto Sam como Samuel parecem estar a mandar-me olhares de compaixão.

-Eu não lhe confiava uma coisa tão importante se soubesse que ia ficar sem vontade a meio.

Levanto-me e agarro na minha caneca.

-Não estou sem vontade, estou só a ter um dia mau.

Quando estou quase a sair ele ainda tem a lata de abrir a boca.

-Vai ter muitos dias maus aqui.- Morde-me de volta.

-Estou a ver que sim.

Olho para ele de cima a baixo e fecho a porta. Não sei se isto é parte do esquema dele de manter as aparências ou não, mas estou exausta, não dormi nada. Sento-me num degrau e vejo o Instagram no meu telemóvel. A minha irmã publicou uma fotografia com o vestido que me fez, mas desta vez é uma modelo a usá-lo. Ficava-me melhor a mim. Ou não, não olhei para mim. Fungo e limpo o nariz com as costas da mão. A porta abre-se e levanto-me de repente, ele está à minha frente e inclina a cabeça.

-O que se passa?

-Nada.

Baixo-me para apanhar a caneca e ele apanha-me puxando-me para ele. O seu corpo é quente e por um momento sinto-me tranquila.

-Vais beijar-me?- Sussurro e ele sorri enquanto me passa uma mecha de cabelo para trás da orelha.

-Não me pareces com disposição para beijos.

-Não estou.- Liberto-me dele e volto a tentar subir as escadas.

-Desculpa o que disse, não pensei que...

-Tudo bem, tens razão eu não posso fazer só porque me apetece.

Deixo-o ali e subo até à cozinha, no entanto parece demasiado barulhento ali para mim, continuo a subir, subo até que deixam de haver escadas e tudo o que há é uma porta cinzenta pesada, abro-a e o vento bate-me com força. Acabou, disse-lhe aquilo que ele não queria ouvir e agora tenho todo o espaço do mundo para me mexer. Os carros e as pessoas lá em baixo movem-se na sua própria vida, alheios à dor dos outros, ou mesmo á felicidade, olhamos para as caras uns dos outros e não vemos nada daquilo que devíamos ver.

Two ways to lie *Concluida*Onde histórias criam vida. Descubra agora