Um

2.6K 386 47
                                    

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Dias atuais.

— Boa noite, Porto Alegre! — saúdo a multidão que enche o estádio do Colorado, ainda ouvindo pedidos de bis, mas já me retirando do palco, cambaleante e louco para encontrar uma bebida decente, já que a do meu camarim se esgotou antes de o show começar.

Esta vida de fazer shows todo final de semana – que, para a banda, começa na quinta-feira e termina no domingo – é desgastante, mas é ainda melhor do que no começo, quando fazíamos mais de 30 apresentações por mês, com dois shows no mesmo dia na maioria das vezes.

Há quase seis anos a Off-Road está – ao contrário do nome – oficialmente na estrada. Nosso sonho realizado, concreto e permeado de sucesso, prêmios, menções, trilhas sonoras e fama. Quando ainda era um garoto que tocava na noite, achava que isso seria a epítome da felicidade.

Não poderia estar mais enganado!

Não há felicidade nisso sem ela.

Não há satisfação alguma sem ela.

Entro no camarim e me olho no espelho colocado aqui para que eu me arrume. Refletido nele, vejo um homem com os olhos vermelhos, magro e com uma expressão de dor.

Eu me sinto vazio, oco por dentro, vivendo minha vida por viver. Mônica foi a única mulher que amei, e perdê-la da forma como a perdi me deixou sem chão, sem rumo. Fecho os olhos e penso em Amanda, nossa filha, fruto do amor mais puro que já conheci. Eu tenho mantido frequência nas visitações a ela, que mora com os avós maternos, mas sinto que eu deveria estar com ela mais vezes do que consigo.

Gemo e balanço a cabeça, não querendo me torturar com as lembranças do meu fracasso, com o preço que a vida tem me pedido em troca de toda essa fama que conquistei nos palcos.

— Porra!

Soco o espelho, que se parte, e a dor em minha mão, bem como o sangue que escorre dela fazem com que a dor dentro de mim amenize um pouco. Sinto minha boca seca, preciso urgentemente de uma bebida, preciso esquecer, preciso fingir que eu não existo, e, somente entorpecido pelo álcool, é que consigo isso. Ele é o meu remédio.

Pego a jaqueta de couro em cima de uma poltrona e tenciono sair do camarim, mas sou impedido por Cristóvão Barros, meu empresário.

— Que merda foi aquela toda no palco hoje, Cadu?

Bufo impaciente, sentindo minhas mãos tremerem de vontade de sair daqui e conseguir alguma bebida.

— O show foi ótimo! — digo apenas.

— O caralho que foi! — Ele soca uma mesa ao lado. — Porra! Você quer ferrar com todo mundo? Quer fazer da vida de seus amigos o caos que é a sua? Porra, Carlos Eduardo, cresça!

— Você, como sempre, fazendo tempestade...

— Tempestade?! — ele grita vermelho de raiva, o que acentua ainda mais seus cabelos ruivos. — Tempestade?! O Luti está lá no palco, cantando em seu lugar, porque você simplesmente ignorou sua plateia! Você mal cantou esta noite e tocou como um merda! — Ele se aproxima. — Além do mais... você fede a bebida de longe!

Dois Corações [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora