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Acordei. Novamente voltaria para o mesmo ciclo. Era o fim das férias, o calor da minha cama bagunçada, agora, fora substituído pelo frio, devido ao tempo. Após o banho, reparei no meu quarto era relativamente grande, principalmente se for para mim, que era pequeno. Esse mesmo quarto, hoje, estava diferente após alguns meses. Suas paredes, hoje estavam em um tom azul, não tão quente, mas sim, algo mais próximo do pálido e frio. Minha mesa de estudos, se destacava, graças a luz vinda da tela do computador, que reproduzia vídeos no YouTube com títulos estranhos, como "Faça seu foguete caseiro" ou "Fiz uma piscina de amoeba". Os pôsteres estampado nas paredes de Artic Monkeys, Aurora, Lana Del Rey, e alguns outros, estavam escuros, de certa forma, cinzas. Tudo isso graças à ausência do sol. O céu estava repleto de nuvens cinzas e carregadas, talvez trariam a chuva.

Isso me agradava, pois é algo comum e rotineiro, é algo pequeno, mas que para pessoas que não reagem bem a mudanças, como eu, era uma satisfação ver que tudo, inclusive o tempo seguia o ciclo.

Acabara de me vestir, estava com olhos fixados na janela afora, observava tudo por ali. Desci as escadas de madeira polida, assim como o corrimão, com minha mochila meia pendurada em um dos ombros. Estava indo em direção a cozinha. Estranhamente, minha mãe estava em casa, tomando café e bastante calma, inicialmente de costas, estava em frente a janela em cima da pia inox, acredito eu que também estava apreciando o tempo. Não era comum ela estar em casa, muito menos calma, sua profissão, de economista, exigia muitas viagens e junto o estresse por parte dela. Ela já passou até um mês e meio fora. Sim, muito tempo.

— Quer?—  perguntou ela, insinuando o café em sua xícara.

Respondi com um aceno de cabeça dizendo não. Logo em seguida ela concluiu.

— Seu pai ligou, queria saber como estava. — Seu rosto nesse momento transmitia a mensagem que eu acho que quase todo adolescente já escutou: "Você sabe como ele(a) é".

Era normal ele ligar. Não fazia nem um ano que eles se separaram.

Parei por um momento, observei a nossa cozinha, estilo americana, com móveis pretos e brancos, alguns em inox. Lembrei dos momentos passados naquele local, momentos com meu pai, afinal, ele que passava mais tempo em casa comigo. Lembrei também das bagunças, pratos quebrados, antes de sua saída, e por último, as frequentes brigas que ocorriam ali entre ele e mamãe, das manhãs onde eu via aquele amor se esfriar. Não entendia.

Estava no fim da minha viagem sobre essas lembranças. Foquei em minha mãe, que estava do outro lado da ilha. Comecei a arrumar a comida em uma vasilha, sabia que sentiria fome mais tarde, mesmo não querendo comer ali, naquele momento. Virei-me, novamente voltei a manter o olhar em minha mãe.

— Irei encontrá-lo após o colégio.

Deixei-a na cozinha, a sala era onde eu estava indo, ou melhor dizendo, onde eu estava. Não era aquelas casas grandes que custavam minutos o deslocamento entre cômodos, bastava um passo aqui e outro ali e pronto. Acho que o conceito aberto entre os cômodos cooperava.

Era uma sala fora do comum, pois não tinha televisão, muito menos rádio e outros aparelhos que geralmente as pessoas compram. Parecia mais um espaço para leitura com muita luz natural. Há uma mesa de centro, que era de vidro, em volta da sala tinha poltronas, que quase sempre não eram utilizadas. O chão com o tapete proporcionava o conforto necessário. Também tinha a presença de muitas janelas e seus parapeitos, também tinham estantes, com muitos livros, quase todos já desbravados, quase todos vividos. Eu amo ler, já era esperado a sala ser assim, visto que eu é quem permanecia mais tempo em casa, sendo assim, era arrumada a minha preferência. Preferia me jogar em uma maré de vidas e histórias do que gastar tempo com a programação superficial da televisão.

Também não tinha constantes visitas. Sempre gostei de ficar em casa, sozinho. A solidão às vezes pode ser encarada como uma forma de liberdade. Aproveitava esses momentos sempre que dava. Eu poderia ser esquisito para outras pessoas por ser eu mesmo, enquanto eu estiver sozinho, eu poderia ser apenas eu, e não seria visto de forma estranha por ninguém, e nem seria taxado por isso. Posso ser eu, apenas eu.

Dessa forma, uma televisão não teria alguma utilidade, não para mim.

Sentei-me em uma das poltronas, desta vez não era para ler, atirei minha mochila na poltrona ao lado. Comecei a colocar meus calçados e depois meu casaco. Levantei, peguei a mochila e caminhei até a entrada da casa. Antes de fechar a porta, observei novamente o tempo. Aquela rua trazia uma calmaria, era um lugar bem conservado, sem buracos e vazia, provavelmente devido ao tempo, ou ao horário.

Ao tentar fechar a porta, senti um peso, na verdade, um obstáculo. Era minha mãe segurando a porta. Pensei que tinha esquecido algo, mas não. Ainda ao telefone, ela estava anunciando mais uma viagem. Mais uma. Dessa vez a mais longa que já vi: 3 meses fora, realmente era muito tempo. Embarcaria ainda a essa tarde. A noite me passaria mensagens explicando melhor o porque de algo assim, um tanto insperado. Acenei de forma que passasse um "eu entendi". Após isso, pude sair.

Agora ali estava eu, de volta a nova, e mais velha conhecida rotina. Aulas. E eu já estava a caminho do colégio. 

Deixa FluirWhere stories live. Discover now