02 - Desenho

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Quentin falava com mais uma pessoa aleatória, enquanto Owei ria de um vídeo qualquer em seu celular. Revirei os olhos e segurei com mais força meu caderno de desenho.

Era mais um dia de aulas, e em nosso intervalo estávamos fazendo "A Nova Missão de Sócrates", criando aparentes debates com pessoas aleatórias, e estava até funcionando.

Eu geralmente debatia com as garotas, a não ser que Owei ou Quentin estivessem a fim da garota com quem falaríamos. Os caras não precisavam de amor, e nem falavam de garotas o tempo todo, mas de vez em quando sabiam ser bem pervertidos.

O problema é que as garotas não curtem muito um magricela branquelo e um negro bonitinho que é nerd. O problema de Owei era ser nerd, e sua falta de jeito com as garotas, definitivamente.

Revirei os olhos mais uma vez quando o garoto com quem Quentin falava soltou um comentário desnecessário. Eu estava acostumada com aquele tipo de coisa, mas não conseguia ignorar. Era como se me irritasse a cada palavra. Eu estava quase pedindo para que ele parasse de defecar pela boca, quando Rocky passou.

Ele estava acompanhado de alguns amigos, ria e tinha uma mochila pendurada em um dos ombros. Assim que passou por nós, gritou: "Como vai a missão de Platão?"

"É Sócrates! Babaca!" Gritei, por impulso.

"Tanto faz, Abby!" Gritou de volta, dando um insolente sorriso de lado e virando para mim, dando de ombros. Ele então virou as costas para mim e voltou a andar com os amigos.

Eu tinha xingado Rocky. Ele tinha sorrido de forma insolente para mim. Eu tinha a imagem de seu rosto com aquele sorriso gravado em minha mente, e pretendia passar para o papel.

"Sinceramente John, vai tomar no olho do seu..." Quentin começou, perdendo a paciência com o garoto que defecava pela boca. Owei o interrompeu, segurando seu ombro, pedindo para ele manter a calma.

Acabamos saindo de lá, indo para qualquer outro lugar, enquanto eu ainda pensava na droga do amor, ou no caso, em Rocky.

Peguei o lápis que estava em minha orelha, mordendo a ponta do mesmo. Aquilo me ajudava a aliviar a pressão e o estresse, era assim desde que peguei em um lápis e aprendi a desenhar. Owei ainda pedia para Quentin se acalmar, mas Quentin xingava o campus, a universidade, os alunos, os professores, xingava os governantes de nosso país, o ar, a terra, o fogo, a água, a própria Terra e tudo que nela há.

"Pensa na Angelina Jolie." Owei falou, tentando aclamar Quentin, que acabou xingando o mesmo. Soltei uma risada daqueles dois, mas me afastei quando notei o olhar raivoso de Quentin sobre mim.

Eu não queria ser xingada por ele.

"Ok seus merdinhas, eu tenho aula agora." Falei, ouvindo o despertador do meu celular tocar, indicando que estava na hora de ir para o meu prédio e estudar desenho, a melhor aula de todos os tempos.

Eles se despediram de mim me chamando de vadia oportunista, o que era tipo uma piada interna.

Eu segui para o prédio de artes, encontrando todos aqueles alunos incrivelmente artísticos, que até me pareciam legais, mas claro, ninguém ali se comparava aos caras.

As aulas de desenho eram legais, e ao contrário do amor, necessárias. Caminhei pelos corredores daquele prédio, procurando a sala do Sr. Valdez, meu professor de desenho. Claro que ele era simplesmente incrível, o cara era um gênio talentoso, daqueles que faz você ter muita inveja e querer arrastar a cara no asfalto.

Me posicionei em minha mesa, com o meu parceiro de aula, Jason. Ele era um cara legal, tinha uma franja estranha na testa, mas era legal. Ele gostava de desenhar coisas abstratas, enquanto eu costumava desenhar formas humanas, paisagens ou plantas, coisas reais, palpáveis.

O Sr. Valdez começou a aula explicando várias coisas aparentemente necessárias, e no final, disse que apenas queria um desenho livre, para ver nossas habilidades e como lidávamos com as linhas. Claro que a maioria estava pensando em fazer uma coisa super criativa, enquanto meu lápis apenas começou a traçar o contorno de um maxilar.

Aos poucos, o maxilar foi ganhando forma, e quando dei por mim, estava esboçando um sorriso, os cabelos com um pequeno topete arrumado e ao mesmo tempo desgrenhado. Não fiz os olhos, ou qualquer outro traço do rosto, não queria deixar muito evidente quem tinha um sorriso tão bonito.

Eu tinha desenhado o sorriso do amor. É, o amor costumava sorrir bastante.

Quando o Sr. Valdez foi passando de mesa em mesa conferindo nossos trabalhos, elogiou Jason, que tinha feito uma mistura de formas geométricas sombreadas, com certa profundidade e que ao mesmo tempo que parecia formas geométricas, pareciam apenas sombras.

Os olhos dele se deteram no meu desenho por mais tempo que o esperado e o pensamento de merda, ferrou estava claro em minha mente, girando sem parar.

"Belo sorriso. De quem é?" Perguntou.

Engoli em seco, mas acabei dando de ombros.

"Ninguém em especial." Respondi.

Aparentemente funcionou, o Sr. Valdez foi para as outras mesas e depois encerrou a aula. Eu fiquei encarando meu desenho por um tempo antes de levantar a minha bunda e mudar de sala.

Eu estava no corredor, pronta para ir até a aula da Sra. Young, que sinceramente, era uma velha chata.

Então eu vi Quentin e Owei, sem entender nada, caminhei na direção dos caras, que pareciam meio confusos.

"O prédio de artes e música é uma merda." Owei falou.

"Ei, não ofenda os artistas e os músicos. Cara, você ouve música e gosta de arte." Quentin o repreendeu.

"É." Owei deu de ombros.

"O que vocês querem?" Perguntei. "Estou indo para a aula da velha Young, então sejam rápidos."

"Vamos ver uma briga de rua." Owei falou, socando o ar, como um lutador de boxe.

"Boa sorte." Falei, já dando as costas para os caras.

"Ei, Abby! Vai perder mesmo Rocky lutando? Dizem que ele é muito bom." Quentin falou, atraindo minha atenção.

Olhei para Quentin por cima dos ombros, vendo-o com as mãos pousadas no quadril e Owei ainda socando o ar. Suspirei pesadamente e andei na direção dos caras.

"Eu só vou porque é aula da Sra. Young, aula teórica. Sintam-se sortudos." Falei, passando por eles e tomando a frente.

"Briga de rua!" Owei vibrou, animado.

"Menos cara, menos." Quentin falou.

Então saímos do prédio de artes e música, caminhando até onde o velho Mustang de Quentin estava estacionado. Eu entrei no banco do passageiro, logo acendendo um cigarro, enquanto Quentin dava partida no carro e Owei ligava o rádio.

Joguei minha mochila para o lado e soltei a fumaça do cigarro pela boca, vendo-a sumir rapidamente ao sair pela janela aberta do carro. O vento balançava meus cabelos, e eu me sentia, de certa forma, eterna.

Enquanto o rap tocava no rádio, Owei tentava cantar e Quentin batia as mãos no volante ao ritmo da música, pensei em Rocky e em como aquele apelido fazia sentido para alguém que briga na rua.

"Ei, Quentin." Chamei.

"Hm?" Ele respondeu.

"Rocky Balboa é um filme, né?" Perguntei.

Ele riu. "Rocky Balboa, sim. O nome de um filme sobre um sujeito com esse nome. Acho que ele era lutador e boxe na história." Respondeu.

"Agora ela entendeu o apelido do Rocky. Sabe, antes chamavam ele de R.K, então de Rock, Rock de rock n roll. E aí quando descobriram que ele entrou para as brigas de rua, Rocky se encaixou muito bem." Owei explicou.

Apenas assenti. O rap estava tocando, o carro estava na estrada, o vento batia em meu rosto e meu cigarro estava aceso.

Nós estávamos indo ver uma briga de rua.

Rocky (Série Bad Guys)Onde histórias criam vida. Descubra agora