Capítulo VI

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Munique

8 de março de 2018

Quinta-Feira, Noite

18h20

Lá no alto, em meio às nuvens cinzentas e carregadas de gordos pingos de chuva, que em breve cairiam sobre Castle Combe e fariam a água do rio, que cruzava a cidadezinha inglesa, percorrer com uma fúria rara, havia uma luz pálida, quase tão branca quanto a camisa social que ela usava por debaixo do tailleur cinza-chumbo que lhe emagrecia, afinando sua cintura conforme a saia, justa em suas coxas, a torneava.

Estava frio, os ventos zunindo de um lado para o outro naquelas ruas desertas, iluminadas pobremente pelos postes que encontravam dificuldade de brilhar em meio ao ambiente apático. Munique segurava as próprias mãos com força enquanto esperava pacientemente por um ônibus que a levasse de volta a Bristol. A mãe sempre lhe disse para pegar o ônibus até as sete da noite, caso contrário deveria dormir em algum hotel que encontrasse.

Timidamente, a garota apanhou o celular de dentro de um dos bolsos da saia e checou as horas. Ainda estava dentro do horário estipulado pela mãe, mas nem por isso seus músculos relaxaram.

Havia algo nas noites ali que pareciam assustá-la ainda mais depois dos assassinatos do ano passado. Era como se a cada lugar que você olhasse, uma sombra iria se esgueirar para te devorar. Um galho se quebrou atrás dela e a garota deu um pulo, o coração acelerando-se e a adrenalina já fluindo em seu corpo.

Atrás do ponto de ônibus havia algumas árvores e, mais a baixo, havia o rio que cortava a cidade. Pode ser um coelho, pensou ela, só pode ser um coelho. Novamente, outro galho se quebra, agora mais perto dela.

Munique sentiu a respiração umedecer e o lábio inferior tremia enquanto seus olhos encaravam a vastidão negra, as folhas tornando-se um aglomerado uniforme horrendo, que a deixava cega conforme ela tentava desvendá-lo. Ninguém na rua. Nenhum carro passando. Ela ouve um estalido que vem acima de sua cabeça e, hesitante, ela ergueu seu rosto em direção aos céus. Não há estrelas.

Bastou mais um estalido para que a garota encontrasse sua origem. Um dos antigos e poucos postes, que iluminavam a cidade, estava falhando. Provável que o coelho que estava quebrando os galhos estivesse roendo a fiação. É...deve ser isso.

De repente, os ventos sopram e uivam como se anunciassem a volta de um monstro. Munique sabe que as pernas estão tensas, mas ainda assim a vontade de correr e fugir dali não escapava de sua mente.

Tomada por um pânico angustiante e repentino, a ruiva sentiu o suor escorrendo por suas costas. Ela olhou para a direita. Não havia nada, apenas o velho Market Place. Ela olhou para a esquerda e, nesse instante, algo surge à sua frente, fazendo-a dar um salto para trás e um grito agudo escapar de sua garganta.

- Ah...era você... – Um cachorro de pelo crespo e cinzento estava olhando para ela, confuso e curioso antes de disparar para dentro de uma das vielas.

Agora, Munique sentiu todo o corpo relaxar enquanto respirava fundo. Não era um coelho, mas sim um cachorro.

Num último e terceiro estalo, a luz do poste se apaga. Munique arregalou os olhos. Está muito escuro e agora seu corpo foi tomado pelas sombras. Outro galho se parte. Será que o cachorro havia retornado? Mas não...o medo que se alastrou por seu corpo dizia a ela que, seja lá o que a observava, não era um animal, mas também não parecia um homem. Havia algo ali, sem forma e assustador.

Como um sussurro seco, um arrepio em sua nuca fez seu corpo disparar, as pernas correndo o mais rápido que podiam naquela saia justa enquanto a angústia parecia rasgar seu peito. Tudo aconteceu em segundos, logo depois. Duas bolas amareladas apareceram em meio à escuridão, fazendo com que Munique lançasse seu corpo em direção às árvores, caindo sobre seu braço direito e rasgando sua meia calça, seu joelho ralado com alguns respingos de sangue enquanto o som de rodas raspando pelo asfalto cortavam a noite.

Não há como descrever o quão pálida a ruiva ficou e o quanto o seu estômago dobrou dentro de si no instante em que ela viu uma sombra correndo por entre as árvores na direção dela. Medonho. Sinistro. Mortal. Munique gritou, desesperada, as lágrimas enchendo seus olhos enquanto aquilo se aproximava.

- Ah meu Deus, você está bem? – Uma voz razoavelmente fina perguntou, descendo do carro.

Antes de responder, a ruiva olhou na direção da floresta novamente. A figura não estava mais ali e a sensação de estar sendo observada desapareceu de seu corpo. Forçando-se a se levantar, a garota gemeu ao sentir o joelho dobrando, a pele machucada em contato com o ar enquanto caminhava na direção do carro.

- Ande, deixa-a aí! Vamos embora! – Uma garota respondeu de dentro do carro.

- Não podemos simplesmente deixá-la! Eu quase a atropelei! – Retrucou o garoto. Sim. Era um garoto.

- Quase, Evan. Quase. – A garota parecia irritadiça e cutucava a unha com a audácia de um menino que invade o vestiário feminino.

Ignorando-a, o garoto correu até Munique, ajudando-a a chegar até o carro.

- Quer se sentar? – Perguntou ele enquanto a colocava perto do capô do corola 2012.

- Eu... – Munique respirou fundo, mas a garganta arranhava e a língua estava tão seca quanto aquele asfalto violento. – Eu preciso de água. – Pediu ela numa frase rápida que uniu todas as letras.

- Água? É claro...pode vir com a gente. – O garoto a convidou.

- Não! – Protestou a garota de dentro do automóvel.

- Cala a boca, Dana!

A garota se afundou no assento do passageiro enquanto Munique franzia o cenho. Onde ela já ouviu aquele nome?

- Q-Quem é você? – Ela perguntou enquanto via o garoto na faixa dos vinte e dois anos correndo para abrir a porta para ela, o cheiro de bala de hortelã e cigarro barato emanando do interior do carro.

A ruiva semicerrou os olhos, fitando o jovem pela luz bruxuleante que vinha dos faróis. Ele tinha cabelos cor de bronze-escuro que estavam jogados para a direita num topete alto, revelando mais de seu rosto pálido e duro. Seu maxilar travado perfeitamente simétrico com todo o seu rosto. O garoto olhava para frente, preocupado com ela, seus olhos azuis com a intensidade de uma ressaca. As pernas magras combinavam com sua calça preta, tão justa quanto sua blusa preta de mangas compridas tom de vinho. Talvez ele fosse um belo fantasma e a garota ainda estivesse sobre o efeito da adrenalina.

Munique olhou para trás, temerosa de que aquela coisa voltasse a correr na direção dela.

- Meu nome é Evan. Evan O'Brian. – Disse, retomando a atenção dela.

- O'Brian? – A ruiva deu um passo para trás e os olhos do garoto pareceram adoecer de pesar.

O vento tomou os cabelos dele e o rapaz respirou fundo.

- Por favor...deixe-me ajudá-la.


*Foi um capítulo curto, mas que gostei de escrever. E, pois é, parece que mais um personagem entrou na história!!!!

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*A  próxima meta é de 300 leituras, okay?Okay!

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Obsessão Sublime (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora